Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

A guerra no fim do mundo

Luís Naves, 06.01.24

dino3.jpg


Se algum intelectual ou pacifista tentasse saber o motivo daquela guerra, teria dificuldade em adiantar uma explicação convincente. Questões de espaço, a extrema vaidade da espécie, algum defeito da inteligência ou a simples desconfiança entre os beligerantes, tudo isso poderia servir de justificação. Nunca saberemos. O facto conhecido é que estes animais não conseguiram chegar a um acordo de paz. Odiavam-se sem limites segundo fronteiras de língua, religião e cultura. Foi também uma questão de crista, ou seja, de uma minúscula diferença no aspecto exterior dos membros da espécie.
As colunas militares arrasavam tudo à sua volta, os campos de cultivo, as quintas de herbívoros comestíveis, os canais de irrigação. Há um dado inegável: os répteis com crista atacaram o território inimigo quando estavam já em situação desesperada, reduzidos a menos de um terço do número que existira no início da guerra.
O confronto durara pelo menos três gerações e a violência tinha levado estas bestas ferozes à beira da extinção. Não havia qualquer possibilidade de tréguas. O exército dos que tinham crista entrou pela selva e queimou tudo o que ali existia, avançou quase até ao fim da península e foi devastando as pequenas cidades dos répteis sem crista, não poupando adultos ou crias, destruindo até os ovos ainda nos seus ninhos, mesmo quando estavam à beira de terminar a incubação, o que era um grande crime.
Foi um massacre intenso e o comandante da força não conseguia explicar aos seus soldados o motivo daquela acção genocida. Era assim, tinha sido sempre assim, disse ele aos oficiais do estado-maior da campanha, na euforia da vitória iminente, quando celebravam a queda próxima da cercada capital inimiga, onde um pequeno grupo de resistentes prometia lutar até ao último dinossauro.
Foi então que, por instinto, os oficiais ergueram em uníssono a cabeça, viram aquele sol brilhante, ainda para lá das nuvens e estas desfizeram-se e havia um globo de luz intensa que parecia mover-se. Não tiveram tempo para mais nada, nem sequer para entenderem o que lhes acontecia.
Passados 65 milhões de anos, sabemos agora que os oficiais da força invasora observaram com estupefacção o asteróide em queda. O mesmo para a força sitiada, todos contemplaram o brilho final das suas existências. A espécie extinguiu-se, o que teria provavelmente acontecido sem intervenção dos céus. Da civilização que existiu naquela época distante não restou qualquer indício, nem uma triste memória, pois tudo foi engolido pelo tempo e pela terra, transformado em pedra e poeira.

 

Esta história integra um projecto mais vasto, contos de dois minutos de leitura. A colecção pode ser encontrada aqui

imagem gerada por inteligência artificial, Bing Image Creator

10 comentários

Comentar post