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Delito de Opinião

A funda e a esfinge

Pedro Correia, 09.09.14

 

1. Percebe-se agora melhor por que motivo António José Seguro queria o maior número de debates possível com o seu concorrente à liderança do PS, enquanto António Costa só aceitou três confrontos televisivos de 35 minutos com extrema relutância: o actual secretário-geral esteve francamente melhor no frente-a-frente de hoje da TVI.

2. Seguro mostrou acutilância, jogando quase sempre ao ataque. Dando voz à expressão popular "quem não se sente não é filho de boa gente". O rival mostrou-se abúlico, sem energia, sem expressão, com o olhar vago. Parecia ansiar pelo fim do debate, moderado por Judite Sousa.

3. Costa, que em Maio saiu a terreiro para disputar uma liderança legitimada pelo voto, tinha a obrigação política e moral de dizer com clareza o que o levou a dar tal passo, fracturando o partido. Desperdiçou uma excelente ocasião de o fazer esta noite com argumentos irrefutáveis.

4. Seguro, bastante mais emotivo, lembrou quatro vezes que o seu rival foi o número 2 da direcção política de José Sócrates. "Eu não negociei nem assinei o memorando, mas honrei-o", acentuou. É bem visível o incómodo do presidente da câmara de Lisboa nesta matéria, por mais que repita que o PS deve assumir o passado: Sócrates deixou uma pesada herança.

5. O autarca alfacinha sentiu um toque íntimo a rebate no rescaldo das autárquicas, daí ter desafiado Seguro a deixar-lhe caminho livre: "Eu trairia a minha consciência se me mantivesse numa posição cómoda." Fundamento frouxo para ter mergulhado o PS na mais séria clivagem de que há memória desde a década de 80.

6. Uma pergunta crucial de Seguro ficou sem resposta: "Porque é que não te candidataste há três anos? Aí é que devias ter sentido um imperativo de consciência."

7. Foi quase confrangedora a passividade de Costa perante um Seguro que lhe lançava palavras duríssimas como se manejasse uma funda. Manteve-se imperturbável enquanto ouvia o secretário-geral chamar-lhe de tudo um pouco: desleal, traidor, irresponsável, ziguezagueante. "Em público dizes uma coisa enquanto no partido dizes outra!" Há esfinges bastante mais expressivas.

8. De questões concretas, a pensar no futuro, falou-se pouco. Mas até neste campo Seguro arriscou um pouco mais, prometendo que se chegar a chefe do Governo baixará o IVA da restauração e não aumentará a carga fiscal. Costa refugiou-se num discurso vago, redondo e monocórdico.

9. Divergências sérias em matéria política? Ninguém se apercebeu disso: todas as diferenças são de estilo ou de retórica. Ambos apoiam a construção europeia, a moeda única, o rigor das finanças públicas, a concertação social, o tratado orçamental, a moderação política, Guterres nas presidenciais. Da reforma do Estado não se falou. Nem do combate ao desemprego. Nem do crescimento económico de que Portugal tanto carece.

10. Seguro lembrou que quando assumiu a liderança do PS, no Verão de 2011, o partido acabara de sofrer uma pesada derrota eleitoral e tinha apenas 18% nas intenções de voto. Desde então foi invertendo esta trajectória. Mas a actual crise interna começa a corroer novamente a popularidade rosa: as mais recentes sondagens, da Pitagórica e da Aximage, indicam que os socialistas caíram oito pontos percentuais em três meses e voltam a colocar o PS e o PSD (sem CDS) num quadro de virtual empate técnico. Isto anda tudo ligado.

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