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Há um quarto de século caíam muitas fronteiras, acabava a guerra fria, começava o desmantelamento da União Soviética e o mundo parecia entrar num estado de perpétua paz kantiana, depois do triunfo inquestionável das democracias liberais. Há dias segui com interesse a entrevista que Stephen Sackur fazia a Francis Fukuyama no espaço Hard Talk da BBC, pelo qual passam líderes políticos, sociais e académicos do mundo inteiro. Fukuyama foi há 25 anos o autor do controverso livro O fim da história e o último homem (Gradiva, 1999), no qual estabelecia que após a queda do bloco comunista a história havia dado o seu veredicto definitivo já que as democracias liberais tinham derrotado os seus rivais ideológicos. Fukuyama argumentava que as teses do seu trabalho haviam sido mal interpretadas. Possivelmente. Mas a euforia de muitos académicos com um mundo sem conflitos após a vitória das democracias baseadas na economia de mercado foi destruída pela realidade.
A instabilidade é hoje a grande inquietude num mundo submetido às transformações que agitam o começo de um milénio no qual os conflitos tentam apagar fronteiras estabelecidas (na Ucrânia, Síria ou Iraque) ou onde o Ocidente é desafiado por um Estado Islâmico que nos oferece o perverso espectáculo da degolação de reféns, difundido globalmente através das redes sociais.
O crescimento espectacular da China, um país oficialmente comunista, não dá razão a Fukuyama, que acaba de publicar outro ensaio, Political Order and Political Decay: From the Industrial Revolution to the Globalization of Democracy (Farrar, Straus and Giroux, 2014), muito mais realista mas tão ou mais desconcertante que o que escreveu no termo da guerra fria, uma espécie de revisionismo pela mão dos matizes e das fragilidades humana e colectiva ao longo dos séculos.
A natureza e o exercício do poder estão a transformar-se. Ser melhor ou mais poderoso já não garante impor a ordem nas grandes burocracias estatais. Nem a ordem mundial a partir destas. Exemplifica-o muito bem Moisés Naím no seu livro O fim do poder (Gradiva, 2014) quando diz que o que está a transformar o mundo é a ascensão dos micropoderes e a sua capacidade para desafiar com êxito as grandes potências políticas, económicas ou militares. O grande também é vulnerável.
Obama pode bombardear posições do Estado Islâmico destruindo bases e matando umas centenas de jihadistas. Inclusive pode fazê-lo com a cooperação de estados árabes, mais as intervenções da França e de outros aliados. O problema coloca-se quando esses párias decapitam em directo reféns ocidentais. Se o futuro do poder está na perturbação e na interferência, e não na gestão nem na consolidação, diz Naím, não podemos confiar que volte a haver estabilidade. Entrámos num novo mundo sem saber quais são as regras do jogo.