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Delito de Opinião

A exclusão de eleitores doentes

Pedro Correia, 16.07.20

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A pandemia traz péssimas notícias para a democracia. Desde logo na participação eleitoral, como ficou patente em eleições muito recentes: a segunda volta das autárquicas em França e as regionais no País Basco registaram o menor índice de afluência às urnas de que há memória. No primeiro caso, a abstenção subiu aos 60% (o anterior máximo era de apenas 36%, ocorrido em 2014). No segundo caso, praticamente metade dos eleitores permaneceu em casa (um aumento de oito pontos percentuais). 

A baixa participação eleitoral favorece todos os extremismos e todos os populismos, que mobilizam com facilidade o voto de protesto, fazendo recuar em proporção os eleitores mais moderados, que são menos militantes.

 

Mas o mais preocupante é o precedente que acaba de ser inaugurado nas eleições espanholas - além do País Basco, também os galegos foram às urnas no passado domingo para escolherem os novos deputados do parlamento autonómico. Sem aparente respaldo constitucional, mas amparados por uma controversa decisão da junta eleitoral central, cerca de cinco centenas de eleitores recenseados nestas duas comunidades autónomas viram-se privados do direito de voto por estarem infectados com Covid-19.

O aviso que receberam foi categórico: se pretendessem votar seriam processados por delito de desobediência contra a saúde pública.

Como se não bastasse a estigmatização reputacional que estas pessoas já sofrem, ei-las agora também vítimas de estigmatização política. Com chancela oficial.

 

Esta restrição da capacidade eleitoral a pretexto da pandemia em curso é inaceitável por ferir o direito à igualdade, pedra basilar dos ordenamentos constitucionais democráticos. E pelo perigoso precedente que inaugura: em futuras eleições, qualquer pretexto sanitário pode ser invocado para retirar capacidade eleitoral aos cidadãos portadores de doença. Hoje são poucos, amanhã podem ser milhões.

Este, sim, é o "distanciamento social" que alguns idiotas apregoam por aí, confundindo-o com distanciamento físico. O adjectivo social congrega, não segrega. Quem não percebe isto dificilmente perceberá seja o que for.

6 comentários

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    L. L. 16.07.2020

    "O ideal das esquerdas é que vote o menor número de gente po ssível,"
    Como é? A direita é que tem tradição de lutar pela liberdade e a esquerda pela repressão? Está a gozar ou é tão jovem que não se lembra de nada nem ninguém lhe contou como eram as coisas?
    Pessoalmente inclino-me para que esteja atentar ter graça. Mas posso estar enganado.
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    Chuck Norris 16.07.2020

    Espere... mas a liberdade só existe à esquerda? A direita não pode lutar pela liberdade?
    Autoritarismo existe e existiu à direita e à esquerda. E quando acontece à direita, é a esquerda quem luta pela liberdade, mas quando acontece à esquerda, a luta é feita pela direita.
    Ok, quando acontece à esquerda, o autoritarismo é tão grave, que não permite a existência de luta, mas o certo é que acontece e aconteceu.
    Caso se dê ao trabalho, faça a contabilização de regimes autoritários e opressores da liberdade, no mundo actual. Verá que a esmagadora maioria é de esquerda.
    Mas como é de esquerda, é politicamente correto aceitá-la.
    Give me a break!!!.... e bibó Porto
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    L. L. 17.07.2020

    "A direita não pode lutar pela liberdade?" Poder, pode. Mas não o fez quando (estou a falar dos tempos de Salazar e Caetano) quando a coisa era a doer. Nesse tempo, que recordo bem, o jogo não era a feijões. Ia-se (ia-se não, fui) para a guerra colonial onde pôr o pé sobre uma mina causava mais receio do que topar com o Corona ali num ajuntamento.
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    V. 18.07.2020

    As coisas mudaram desde então. As novas direitas estão mais interessadas em preservar a democracia do que as esquerdas, que se radicalizaram e só admitem que exista o que elas acham que deve existir.

    Aliás, quem é que inventou a democracia moderna? Foi a esquerda? Não. Foram os liberais ingleses — os verdadeiros liberais (whigs) — que hoje as esquerdas
    querem encostar à direita radical mas que são os verdadeiros democratas, que acreditam no indivíduo, na liberdade de associação e no livre-arbítrio — tudo coisas que quer o Bloco quer o PS e agora até mesmo o PS detestam (e que começam a perseguir).

    Observe o que eles FAZEM, o que eles já colonizaram com o seu pensamento sectário — o que eles dizem não interessa nada.
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    Pedro Correia 18.07.2020

    Vocês falam muito em esquerda e em direita - conceitos vagos, abstractos e tantas vezes ilusórios.

    Prefiro debater conceitos ideológicos, ancorados na História, em vez de discutir geografia política. E, sim, os princípios da democracia politica moderna, tal como a entendemos e experimentamos, foram lançados pelos liberais ingleses do século XVII. Os tais "verdadeiros liberais (whigs)", que ainda hoje inspiram muita gente, à esquerda e à direita.

    Se há bússolas geográficas na política, a minha bússola é precisamente esta.
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