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Delito de Opinião

A Europa sem luta de classes

Luís Naves, 10.06.14

Vivemos num contexto pós-ideológico, em que o essencial se joga no pragmatismo do poder e dos interesses financeiros. Nas democracias, as políticas deixaram de ser de direita ou de esquerda, reflectem consensos contendo menos conflito entre classes. Aquilo que outrora foi a esquerda é hoje uma pálida sombra do passado. O comunismo deu origem a oligarquias corruptas com traços evidentes da antiga tirania. Nos países pós-comunistas, as diferenças sociais são escandalosas e as liberdades individuais continuam limitadas.

Por outro lado, nas democracias europeias, o socialismo quase desapareceu. Quando estão no poder, os partidos social-democratas aderem à ortodoxia liberal da suavização das leis laborais, do ajustamento orçamental, da redução da despesa social e da liberdade financeira. A explicação é evidente: nas sociedades industrializadas, as classes sociais esbateram-se, os operários têm boas condições de vida e a pobreza está limitada a grupos pequenos. O Estado social garante segurança para quase todos, mas exige níveis de impostos elevados, o que levou o eleitorado a defender o controlo mais apertado da despesa do Estado.

 

 

Portugal, como de costume, chegou tarde a esta transformação. Aqui, o Estado tem longa tradição de centralização. Além disso, do antigo regime ficou o vício das corporações, ou seja, grupos de interesses defendem com unhas e dentes o que consideram ser o seu direito a uma fatia do bolo orçamental. Até rebentar esta crise, antes da falência e do resgate, o dinheiro dos impostos permitia satisfazer clientelas bem instaladas. E, no entanto, se quiser controlar as contas públicas no futuro, a sociedade portuguesa terá de discutir a forma e a dimensão do Estado, o nível de impostos e a extensão da rede social. A classe política tenta fugir a esta discussão como o diabo da cruz.   

No resto da Europa, as escolhas foram feitas nos anos 80 e 90. Os aumentos de impostos são agora altamente impopulares. No sector da esquerda, a esperança de que existia uma terceira via nunca passou de ilusão e a única verdadeira renovação recente veio dos ambientalistas, que introduziram causas sociais e ambientais entretanto aceites pelas correntes dominantes. Os verdes fazem hoje parte do sistema e falharam por não terem uma alternativa ao capitalismo.

 

Na Europa, triunfou o conservadorismo da classe média. O antigo operariado foi absorvido nesse rio imenso e a pequena classe de excluídos, que equivale no máximo a 10% da população, nem sequer vota.

O recente voto de protesto europeu escolheu forças de extrema-direita ou partidos contrários a uma integração comunitária que o eleitorado pressente ser a grande movimentação do futuro. Há também grupos de indignados ou fenómenos mais raros como o Syriza, com irrepreensível retórica da esquerda tradicional, mas sem hipótese de criar um projecto de poder em países centrais.

A austeridade francesa ou italiana, executada por partidos ditos da esquerda, pouco se distingue das reformas efectuadas pela chamada direita espanhola, holandesa ou alemã. A integração europeia está a transformar-se numa gigantesca convergência política sem ideologia. É igual em todo o lado, faz o mesmo em todo o lado.

 

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