A estranha tese do suicídio colectivo
Mais abaixo, Sérgio de Almeida Correia transcreve um texto de opinião de Nuno Saraiva (que pode ser lido aqui), onde surgem três dos argumentos que vamos ouvir nestas eleições e que, pelo menos na aparência, desmentem a tese governamental da ‘missão cumprida’. Nuno Saraiva faz um excelente resumo: a dívida cresceu, ‘não é líquido‘ que o défice seja reduzido para 3%, o mérito das taxas de juro baixas pertence inteiramente ao BCE. Mas há aqui um problema: a ideia não explica o passado.
Quando o governo tomou posse, em 2011, Portugal não conseguia financiar-se nos mercados e estava submetido a um programa de resgate negociado pelos socialistas e que envolveu 78 mil milhões de euros. Embora o dinheiro não tenha sido todo gasto nos três anos seguintes, tratava-se de empréstimos que contavam para dívida pública, num valor equivalente a quase 50% do PIB. Não admira que a dívida tenha subido de 93% para 128%, pois foi preciso pagar passivos de empresas públicas e o défice de 2010, além dos seguintes, todos a acumularem nos tais 128%. Tendo agora excedente primário, Portugal já está a pagar a dívida e antecipou o desembolso de uma parte do próprio resgate. Havendo crescimento económico, este ano a proporção em termos de produto começará a diminuir.
Nuno Saraiva está correcto em relação ao défice de 2015. O ano ainda não acabou, as instituições europeias apontam para um valor acima de 3%, mas convinha acrescentar que a diferença entre as previsões de Bruxelas e de Lisboa é de meio ponto percentual. Se houver derrapagem em relação ao orçamento, estamos a falar de cinco décimas, não de 5 pontos de PIB, como aconteceu com o governo socialista. No terceiro argumento, sobre taxas de juro, se o mérito fosse apenas do BCE, a Grécia tinha taxas historicamente baixas, o que não sucede. Há, portanto, mérito da estratégia de credibilidade do governo, que terminou o programa de ajustamento e já conseguia financiar-se nos mercados antes do banco central lançar o programa de estímulo monetário.
A tese ensaiada pela esquerda é de que tudo isto não passou de um aprazível suicídio colectivo*, a ideia da loucura irracional dos governantes, mas a argumentação não bate certo em relação aos motivos de cinco anos de sacrifícios. Portugal foi salvo por um resgate, por estar em situação de pré-falência, após erros repetidos de política. Em 2011, não havia dinheiro para pagar salários e pensões. Durante três anos de programa de ajustamento, desmentindo o medo da espiral recessiva e evitando o segundo resgate ou a tentação da renegociação da dívida, este governo cumpriu as condições impostas pelo memorando (e nunca foi além da troika, pelo contrário) tendo a partir de 2014 conseguido financiar-se sozinho nos mercados. Era isto ou a Grécia.
*Roubei a expressão ao título de um romance do genial Arto Paasilinna, editado pela Relógio d’Agua. a imagem é de um filme finlandês baseado no livro.