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Delito de Opinião

A esquerda espanhola move a primeira peça no tabuleiro das próximas eleições

Diogo Noivo, 10.05.16

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Em Espanha, Podemos e Izquierda Unida (IU) anunciaram ontem um pré-acordo de coligação destinado às eleições legislativas do próximo dia 26 de Junho. São dois a dançar o tango. Mas enquanto a IU pode acabar a dançar na corda – expressão utilizada para descrever o estertor de quem está pendurado pelo pescoço –, o Podemos pode tornar-se o rei da festa.

 

Comecemos pelo Podemos. Com esta aliança, o partido de Pablo Iglesias fica mais próximo de alcançar dois objectivos fundamentais. Primeiro objectivo: disfarçar. Com base em sondagens recentes, o Podemos é o partido que mais perde face aos resultados das últimas legislativas. A união com a IU constitui, portanto, um expediente para camuflar a penalização que o eleitorado lhe pretende infligir. Segundo objectivo: ultrapassar o PSOE pela esquerda. Por razões que expliquei aqui, a aliança com os socialistas espanhóis foi impossível e as relações entre os dois partidos deterioram-se de dia para dia. Logo, se não te podes juntar a eles para vence-los por dentro, vence-os directamente. O propósito de Iglesias com este acordo é o de içar a aliança com a IU ao lugar de segunda força política mais votada e, assim, substituir o PSOE como principal partido de esquerda.

 

Quando olhamos para esta aliança do ponto de vista da IU, a paisagem é mais agreste. Após anos de estagnação eleitoral, a IU corre o risco de ser vítima de fagocitose e acabar deglutida pelo Podemos. Conscientes do risco, são vários os notáveis da esquerda histórica a manifestar dúvidas (ou mesmo oposição frontal) ao acordo. De Gaspar Llamazares, antigo Secretário-Geral da IU, a Francisco Garrido, presidente do município de Zamora, a única capital de província governada pela IU, a dissidência faz-se ouvir. A estes notáveis junte-se outro: Julio Anguita. Líder histórico da IU e responsável pelos maiores êxitos eleitorais deste partido, Anguita tem sido prudente nas declarações, mas não se coíbe de expressar em público as suas dúvidas sobre o acordo. Importa ter presente que Julio Anguita está para a IU como Felipe González está para o PSOE: o que diz conta muito.

 

Chegamos então aos problemas que podem estragar as contas de Pablo Iglesias. Por um lado, em política, dois mais dois não são quatro. Herdeiros do Partido Comunista Espanhol de Santiago Carrilho e em grande medida forjados pelo génio de Julio Anguita, não é claro que todos os votantes da IU subscrevam esta aliança. Por outro lado, o acordo com a IU representa mais uma inflexão estrutural do Podemos. Embora assumidamente de esquerda, Pablo Iglesias nunca gostou de colocar o seu partido no espectro esquerda-direita. Para ele, Espanha divide-se entre “los de arriba y los de abajo”. Los de arriba são os partidos tradicionais, vulgo “o sistema”, um saco onde Iglesias colocou em tempos a IU, que apelidou de “estrunfe rezingão” e culpabilizou pela inexistência de mudanças profundas no país. Los de abajo são os todos aqueles que não se revêem nos partidos e no sistema, isto é, o eleitorado do Podemos. Ao aliar-se à IU o Podemos entra no sistema que tanto critica. Depois da corrida ao poleiro, depois de querer quatro grupos parlamentares (e as subvenções públicas que daí resultam), depois de dinamitar uma solução governativa à esquerda que apeasse a direita, este conluio com “los de arriba” começa a evidenciar cinismo a mais para que o Podemos, partido anti-castas, mantenha alguma verticalidade aos olhos do seu eleitorado.

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