A espada de D. Dinis, Alcanices e os meus antepassados espanhóis
A recuperação da espada funerária de D. Dinis, em sequência do restauro do seu túmulo, é uma sensação arqueológica mundial. Escolhi, de propósito, uma imagem com legenda em inglês, de uma página do Facebook intitulada Swordmaker, a fim de mostrar o quanto este achado já agitou a comunidade internacional, tanto de profissionais, como de entusiastas e amantes da época medieval. É uma espada lindíssima, que será restaurada e dará informações preciosas sobre a arte e a estética medievais ibéricas, mas também sobre a sua relação com as restantes tendências europeias.
Com a abertura do túmulo, recuperaram-se, igualmente, restos mortais, nomeadamente, o crânio, possibilitando uma reconstituição do rosto de D. Dinis (algo que aguardo com grande expectativa), assim como os tecidos das suas vestes. Ainda há muito para descobrir sobre a Idade Média. Em muitos campos, como o do vestuário, continua a trabalhar-se com hipóteses ou probabilidades (não exclusivamente).
D. Dinis é conhecido por ter sido poeta/trovador, fundado a Universidade e incrementado a agricultura, mas os seus quarenta e seis anos de reinado (1279-1325) tiveram bem maior significado. O cognome Lavrador não lhe faz justiça. Além da agricultura, ele incrementou a pesca e o comércio. Além disso, incentivou a substituição do latim pelo português nos documentos oficiais (dando um grande contributo para a uniformização da nossa língua), reformou quase todos os castelos e foi um diplomata de excepção (importantíssimo para a estabilidade do reino castelhano, à época, cheio de convulsões internas). O seu reinado teve, porém, facetas amargas, como o conflito armado com o irmão Afonso e os desentendimentos com o seu próprio herdeiro, futuro D. Afonso IV, que mergulharam o reino numa guerra civil e terão inclusive tirado anos de vida ao Rei Poeta.
Há ainda algo que raramente se refere, mas de uma importância extrema: D. Dinis foi o responsável pelas fronteiras definitivas de Portugal, ao incluir no reino, de forma pacífica, as localidades de Moura, Serpa, Noudar e Mourão, e alguns lugares de Ribacoa, como Castelo Rodrigo, Almeida e Sabugal. Foi este o resultado do Tratado de Alcanices (ou Alcañices), assinado a 12 de Setembro de 1297, entre D. Dinis e D. Fernando IV, sob a tutela de D. Maria de Molina, mãe do rei castelhano, que, à altura, tinha apenas onze anos.
Emociona-me que D. Dinis possa, sete séculos depois da sua morte, contribuir tanto para entendermos melhor a sua época. Ele tem sido uma presença recorrente na minha vida, ao longo da última década. Comecei por gozar da sua “companhia” nos dois anos passados em trabalhos de pesquisa e na escrita da sua biografia romanceada, hoje existente apenas numa reedição de autor (neste caso, de autora).
Mas o meu elo de ligação ao Rei Lavrador passa também por Alcanices, uma ligação que não reside apenas no facto de já lá ter passado dezenas de vezes, nas minhas viagens entre a Alemanha e Portugal, pois entro pela fronteira de Quintanilha. Uma das minhas bisavós (avó paterna do meu pai), Maria de Jesús Rodriguez, era natural de Fonfría, uma localidade do concelho de Alcanices, por onde aliás também passo (não há auto-estrada entre Zamora e Quintanilha). Os pais e os avós de Maria de Jesús Rodriguez (meus tris- e tetravós) eram todos daquela zona. Além de Fonfría, registam-se outros lugares com nomes tão interessantes como Carvajales, Mancenal del Barco e Perrilla de Castro. Tudo isto eu apurei no Arquivo Distrital de Bragança, onde já passei horas e horas a consultar, transcrever e fotografar registos dos livros paroquiais antigos. Se quiser ir mais longe na árvore genealógica, terei, aliás, de ir ao Arquivo de Zamora.
Esta zona espanhola (eu gosto de dizer leonesa), tão parecida com Trás-os-Montes, no seu isolamento e nas suas pequenas aldeias (algumas não chegam a atingir a centena de habitantes) tornou-se de grande importância para mim. Não passo lá uma única vez sem imaginar os meus antepassados nos seus trabalhos quotidianos e D. Dinis a assinar um dos tratados mais importantes da nossa História.