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Delito de Opinião

A empresa, essa desconhecida

José Meireles Graça, 15.09.22

Uma das tragédias da governação socialista, a nossa e a de outros, é que o legislador não tem a mais remota ideia do que é uma empresa porque se convencionou que o saber de experiência feito é limitado se não estiver aureolado de respeitáveis albardas académicas – que o empresário com frequência não tem, quem tem sendo quem fez carreira na Academia ou na advocacia. Distintos economistas, advogados e funcionários públicos são quem legisla – a ficção jurídica através da qual se imagina ser o legislador sábio é isso, uma ficção.

Um empresário, se chegar a lugares decisórios no aparelho de Estado, ou o é de grandes empresas ou conglomerados que, por terem amplíssimos quadros lhe podem libertar o tempo – não conheço nenhum caso em Portugal; ou vive à sombra do Estado, que é cliente, patrono e amigo – mas é empresário apenas no ramo do tráfico de influências, que não tem grande utilidade social; ou faz parte dos corpos gerentes de empresas majestáticas (incluindo portanto bancos), que não são o meio adequado para apreender senão uma versão limitada, e frequentemente distorcida, dos mecanismos da concorrência e do capitalismo.

As coisas, na prática, são ainda piores: um grande e merecido sucesso no mundo das empresas não garante a lucidez necessária para a conquista e manutenção do poder em sociedades democráticas, bem mais complexas do que qualquer empresa. Consultar um empresário bem-sucedido sobre questões sociais, por exemplo, costuma ser um exercício frustrante por as respostas virem embrulhadas geralmente em doses consideráveis de ignorância e suficiência – quase nunca tão graves como as que se recebem de qualquer demente esquerdista, mas ainda assim descoroçoantes. Lembro-me do saudoso Eng.º Belmiro de Azevedo que, numa entrevista, perguntado sobre as reformas naquele momento necessárias, se deteve numa extensa análise do organograma do Governo, que achava uma questão importantíssima, a seguir debitando a vulgata do que então o PSD defendia para o país.

É um lugar-comum dizer-se que em Portugal há uma maioria sociológica de esquerda, e é vulgar desprezar-se a afirmação porque os lugares-comuns se desprezam. Este, porém, é sólido como uma rocha, e é nela que se firma o desprezo pela empresa e pelo empresário – é o que temos.

E então, este palavreado sumário vem a propósito de quê? De coisa pouca: alguns parágrafos de um Relatório de Gestão de uma empresa verdadeira – uma dos milhares cuja realidade o ministro da Economia desconhece e a mefistofélica figura do SEAF (ou melhor, a estrutura inquisitorial à qual, com um sorriso de beatitude, preside) perseguiu. Estas duas personagens, lamentáveis cada uma a seu modo, são apenas duas faces visíveis do problema. O resto não é melhor.

Eis os parágrafos em questão:

Cumpriu-se em 2021 o PER que no ano anterior foi induzido pelos abusos da Fazenda Pública, nos termos que constam do Relatório anterior.

Uma consequência inesperada dessa circunstância é a recusa, na prática, de financiamentos por parte da Banca, até mesmo do capital circulante, sem que jamais se consiga obter por escrito a fundamentação de decisões negativas em que o verdadeiro motivo conste. Esse apenas é comunicado informalmente, do que decorre que o espírito dos PERs é subvertido por a intenção do legislador não ser que no âmbito de tais processos as dificuldades sejam artificialmente maiores do que seriam em circunstâncias normais.

Isto explica que não se tenham registado quaisquer encargos financeiros – não existem porque também não existiram financiamentos. A situação tem sido resolvida com recurso à compreensão de clientes e fornecedores, tanto e tão bem que foi possível registar um crescimento de proveitos superior a 20%.

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