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Delito de Opinião

A elegância no ódio

Diogo Noivo, 23.01.17

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Pedantes, cultos, sagazes e penas magníficas. Vistos desta forma, William Buckley e Gore Vidal eram faces da mesma moeda. Talvez por isso não se pudessem ver. Vidal era o enfant terrible liberal, um transgressor por vocação, convicção e prazer. Buckley era o poster boy da intelectualidade conservadora, um provocador elegante que defendia a política como arena de debate ideológico. Dois génios em lados opostos da barricada.
Em 1968, durante a campanha presidencial nos Estados Unidos da América, a ABC tinha de encontrar uma forma de se manter à tona, de captar audiências, aproximando-se das líderes de mercado CBS e NBC. É neste contexto que alguém na ABC se lembra de criar um modelo de debate entre comentadores, um frente-a-frente, no qual Gore Vidal se sentaria de um lado e William Buckley do outro. E assim nasceu um dos episódios mais marcantes da História do audiovisual e assim se criou uma inimizade lendária.

 

 

Os debates foram animais da sua época, muito embora não sejam conversas datadas. Para o bem e para o mal. É curioso ver como temas quentes nos Estados Unidos no final da década de 1960 continuam hoje a ocupar um lugar de destaque na agenda política e social desse país - a tensão racial é um dos vários exemplos possíveis. Mais curioso ainda é perceber como os argumentos aduzidos pouco ou nada mudaram. O que sim mudou foi a tarimba e o flâneur dos intervenientes. Eloquentes, mordazes e incisivos, Vidal e Buckley foram peças únicas. Único foi também o incidente ocorrido no último debate, um excesso que cavou o abismo que já separava os dois. Não estragarei a surpresa aos que não conhecem o caso e querem ver Best of Enemies, o documentário onde esta relação entre titãs é descrita e analisada.
Se há algo a retirar de Best of Enemies é que a inimizade, tal como o seu antónimo, exige uma atenção total e esmerada. Vidal era um cultor da língua, mas também do ódio. Mais do que um sentimento, o ódio era um compromisso tratado com tamanha elegância que quase foi elevado à categoria de virtude. Buckley era mais provocador do que amante de ódios, mas não deixou Vidal a detestar sozinho.
É verdade que o documentário tem falhas, algumas das quais analisadas com exagero (e talvez com algum ressabiamento) por Michael Lind no Politico, mas nem por isso é menos interessante. Narrado por John Litgow e por Kelsey Grammer, o documentário Best of Enemies prova que intelectuais públicos dignos desse nome não são matéria do domínio da ficção. Estreado em 2015 no Sundance Film Festival, Best of Enemies está disponível no Netflix.

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