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Delito de Opinião

A culpa foi do Bill Clinton

Pedro Correia, 06.02.19

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Alan Arkin e Michael Douglas em O Método Kominsky

 

É o regresso em grande estilo de Michael Douglas à televisão – o meio que o tornou célebre junto do grande público, na década de 70, com uma série de âmbito policial que deixou rasto: As Ruas de São Francisco, contracenando com o grande Karl Malden, intérprete de Um Eléctrico Chamado Desejo no palco e na tela.

O filho de Kirk Douglas – lenda viva do cinema, com 102 anos – surge agora como produtor executivo e principal intéprete da novidade mais original desta temporada televisiva: O Método Kominsky, mini-série de oito episódios, cada qual com cerca de meia hora de duração, em exibição exclusiva para os assinantes da Netflix.

Aqui não há perseguições de automóveis, cenas de tiros ou piadas escatológicas: estamos precisamente na margem oposta à que conduz ao consumo de pipocas em larga escala. O Método Kominsky vive de inteligentes e subtis modulações de texto em torno da velhice e da decadência física a ela associada, numa linha de fronteira ténue entre o drama e a comédia sem nunca excluir a ironia – incluindo a depreciação auto-irónica do protagonista, que alude a todo o momento aos achaques da idade.

 

Douglas (74 anos) e o veteraníssimo Alan Arkin (84 anos), galardoado com um Óscar em 2007 pelo seu desempenho na irresistível comédia Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos, compõem um fabuloso par de resistentes à nova vaga das produções em série de Hollywood, bem espelhada na letra e no espírito da série. O primeiro, Sandy Kominsky, já foi actor renomado, agora ganha a vida como professor de teatro; o segundo, Norman Newlander, é um produtor à moda antiga, inadaptado às tendências actuais – incluindo a febre tecnológica. São os melhores amigos um do outro, embora com feitios e hábitos muito diferentes e a convicção de que os melhores tempos da arte de representar nos EUA e da própria sociedade norte-americana já ficaram há muito para trás.

«A culpa é do Bill Clinton. Quando o sexo oral deixou de ser sexo, a nossa civilização acabou», conclui um deles. O outro concorda.

 

Estreada em Novembro e polvilhada de divertidas aparições de vedetas convidadas (Jay Leno, Patti LaBelle, Danny de Vito, Ann-Margret, Elliott Gould), esta série concebida pelo conceituado produtor e argumentista Chuck Lorre vive sobretudo de excelentes diálogos. Segue um exemplo.

Norman, viúvo recente, conversa ao telefone com o amigo.

«- Já está. Almocei com outra mulher.

- Seu sacana! De que falaram?

- Do costume. Mulheres mortas, maridos mortos, amigos mortos. Foi muito agradável.»

Fala-se de coisas frívolas com ar sério, fala-se de coisas sérias com um sorriso nostálgico naqueles rostos que já viram quase tudo. Mas a vontade de passar o testemunho às gerações mais jovens não se extinguiu. Como ensina o professor Kominsky nas suas aulas, «devem sempre prestar atenção ao que se passa na vossa vida para viverem os sentimentos que surgirem, por mais dolorosos que sejam, pois esse desgosto, essa dor impiedosa, é matéria em bruto, é o ouro que o actor explora para criar os melhores desempenhos.»

A representação é uma extensão da vida – em qualquer idade. Não é segredo para Michael Douglas: seria difícil dizer melhor.

 

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O Método Kominsky, primeira temporada (2018). Com Michael Douglas, Alan Arkin, Nancy Travis, Sarah Baker. Na Netflix.

Cada temporada tem oito episódios.

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