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Delito de Opinião

A culpa é dos europeus, naturalmente

Luís Naves, 04.08.15

A maior crise da Europa neste momento tem que ver com um súbito fluxo migratório, mas as histórias que encontramos na imprensa mostram sobretudo a histeria em torno de Calais (que envolve 5 mil dos mais de 200 mil ilegais que já entraram na Europa de Schengen, só este ano) ou a tragédia de Lampedusa, onde pelo menos os barcos com refugiados já estão a ser interceptados pela marinha antes de se afundarem com as suas cargas humanas.

Escrevi sobre um detalhe da rota balcânica e encontro textos como este, de Bernardo Pires de Lima, no DN, onde a culpa é dos europeus. O movimento migratório está provavelmente apenas no início e a sua causa próxima é o colapso tumultuoso de vários países, nomeadamente da Síria e do Iraque, onde as respectivas guerras civis afectam 40 milhões de pessoas. Estes Estados falhados são culpa da Europa? Eritreia, Afeganistão e Somália também? A continuar o actual fluxo de refugiados através do Mediterrâneo e dos Balcãs, em 2015 entrarão no espaço europeu mais de 400 mil ilegais, muitos sem mais lugar para onde ir (não podem voltar para trás) e alguns possivelmente com más intenções.

Isto não tem nada a ver com o fracasso das políticas europeias de vizinhança, excesso de burocracia, governos injustos, nem sequer com falta de solidariedade. A Comissão Europeia (sem grandes poderes na matéria) distribuiu pelos Estados membros da UE um lote de 40 mil refugiados, num episódio anedótico que envolveu um quinto do problema, e verificou-se que poucos países têm condições para receber tanta gente dentro da legalidade; Portugal não tem, de certeza: é preciso identificar, alimentar e dar trabalho às pessoas. Nos artigos cheios de boas intenções não consigo perceber qual é a solução: deixamos entrar toda a gente, só os do Mediterrâneo, só os dos Balcãs, os da Síria e Iraque ou nenhum deles? Os refugiados são distribuídos de forma igualitária pelos países ou pode invocar-se a crise económica? Ficam no primeiro onde entraram, em Itália, Grécia e Hungria, ou podem escolher para onde vão? E quem paga o auxílio? E proíbe-se a protecção de infra-estruturas ferroviárias ou suspende-se a soberania nacional no que respeita a fronteiras? E quando houver um milhão de refugiados, como é que se faz?

2 comentários

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    Luís Naves 05.08.2015

    Os seus comentários mostram que não compreendeu inteiramente o texto, mas tem razão num ponto: a palavra 'ilegais' é forte e esta é na realidade uma crise de refugiados. Há uma emigração legal na Europa, de grande dimensão, que não é aqui comentada. Existe também um fluxo de emigração em aumento rápido e que respeita a migrantes ilegais que pedem asilo na Europa (concordo, a palavra é carregada, mas muitos nem sequer têm papéis de identificação). São portanto refugiados e o destino preferencial é a Alemanha. No ano passado, a Europa recebeu mais de 600 mil pedidos de asilo; muitos dos refugiados têm direito a asilo, pois estão a fugir de guerras civis; estes pedidos devem ser processados de acordo com o princípio humanitário de protecção destas pessoas. São as as regras que constam dos tratados, mas os países envolvidos estão em dificuldade para cumprir a lei. A Alemanha recebeu um terço do total, mais de 200 mil refugiados em 2014, mas este valor era já quase o dobro do que se verificara em 2013. Ao ritmo do primeiro semestre de 2015, é provável que o número de refugiados aumente outra vez para o dobro. A Alemanha estará à espera de 450 mil (li numa fonte alemã credível). Se isso for um terço do total da crise, estamos a falar de 1,2 milhões de pessoas. Os números podem nem ser tão dramáticos, mas cada refugiado exprime um drama individual. Os Sírios não têm para onde ir. Cerca de 1,5 milhões estão na Turquia, em campos de deslocados, à espera que a guerra civil acabe: e se começam a caminhar na direcção da Europa?
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