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Delito de Opinião

A crise do emprego

Luís Naves, 23.07.14

O João André escreveu mais abaixo sobre emprego e optimismo. Convém ler com atenção o texto e olhar o gráfico. Julgo que estas questões não deviam dar lugar a interpretações governamentais ou oposicionistas. Na realidade, só há lugar para interpretações honestas ou desonestas, certeiras ou ao lado. Julgo também que é preciso olhar para os números do INE usando séries longas e homólogas, sendo útil comparar o mesmo trimestre, pois as variações anuais podem ser enganadoras.

Como o número mais recente disponível é do primeiro trimestre de 2014, é possível construir uma série começando, por exemplo, em 2009, no início da crise financeira. No primeiro trimestre de 2009, havia 5099 mil pessoas empregadas em Portugal (5,099 milhões). Destas, uma estimativa de 3476 mil com escolaridade básica e 805 mil com curso superior completo. O desemprego afectava 495 mil pessoas.

Vejamos então o que aconteceu nos primeiros trimestres dos anos seguintes:

 

 

Se observarmos o número de empregados, vemos uma quebra regular. Para não encher isto de números (e como sou incompetente em gráficos) tentarei simplificar: em 2009, perderam-se quase cem mil empregos; depois, 140 mil, depois 200 mil, a seguir 300 mil. Entre o primeiro trimestre de 2013 e o primeiro trimestre de 2014, a tendência inverteu-se e foram recuperados 70 mil empregos.

Dito de outra forma: entre 2009 e 2014, a economia portuguesa perdeu quase 700 mil empregos. Na crise financeira, foram destruídos cerca de 250 mil; durante o ajustamento, perderam-se mais 500 mil e depois foram recuperados 70 mil.

Nos primeiros quatro anos desta crise, entre o primeiro trimestre de 2009 e o primeiro trimestre de 2013, a economia portuguesa perdeu postos de trabalho a um ritmo médio superior a 15 mil por mês ou de 500 por dia. Repito: isto não foi um exclusivo do período de ajustamento e da troika, mas começou em 2009 e durou quatro anos.

O desemprego obviamente cresceu, de 495 mil para um máximo de 926 mil (só estou a comparar primeiros trimestres), descendo depois para 778 mil. Quando o ajustamento começou, já havia quase 700 mil desempregados.

Os números são ainda mais esclarecedores quando percebemos que os empregos se perderam sobretudo nas camadas de população com baixas qualificações. No primeiro trimestre de 2009, quando começaram a morder os efeitos da crise internacional, havia 3476 mil trabalhadores portugueses com baixas qualificações (apenas escola básica). Quando começou o ajustamento, este grupo já tinha perdido 450 mil empregos, mas o pior estava para vir: no primeiro trimestre de 2014, havia apenas 2351 mil trabalhadores com ensino básico. A sangria foi superior a um milhão de empregos; repito, perderam-se mais de um milhão de empregos pouco qualificados em apenas cinco anos.

Isto, portanto, atingiu os mais pobres. 

 

O número revela uma transformação brutal na sociedade portuguesa, que não vejo analisada. O fenómeno foi parcialmente suavizado pela entrada no mercado de trabalho de pessoas com curso superior completo. Este número esteve sempre a aumentar (mais 200 mil ou 40 mil por ano) e o grupo superou pela primeira vez o milhão, entre 2013 e 2014.

Não é fácil tentar interpretar estes números. Julgo que é seguro afirmar que foram destruídos de forma rápida empregos pouco qualificados e que isso implicou três efeitos: regresso de imigrantes aos respectivos países, emigração de trabalhadores portugueses pouco qualificados e aumento do desemprego.

Isto sugere que os números sobre emigração que têm sido referidos estão provavelmente sobreavaliados.

Estivemos durante três anos a ouvir falar do desemprego jovem e da fuga de cérebros, mas esta foi a verdadeira crise nacional e a principal causa do aumento da pobreza. Por outro lado, a transformação da economia pode ter sido bem mais profunda do que se pensa. Em 2009, apenas 15% da mão-de-obra nacional tinha curso superior; em apenas cinco anos, esta proporção passou para 23%.

A destruição de empregos começou com a crise financeira e agravou-se durante o resgate, mas a situação inverteu-se no segundo trimestre de 2013. A recuperação do mercado de trabalho será certamente lenta, pois só está a ser criado trabalho qualificado, que depende de níveis de investimento mais elevados, mas que também implicará aumentos de produtividade.

Entretanto, o governo tem ignorado por completo esta crise, que atingiu de forma desproporcionada trabalhadores com baixas qualificações (e, já agora, com idades significativas). Esta tragédia tem também sido ignorada pelos meios de comunicação, que insistem (a meu ver, de forma preguiçosa) na tecla do desemprego jovem.

 

 

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