A compra da Gronelândia.
Henry Kissinger costumava dizer, quando lhe falavam na possibilidade de ser Presidente dos Estados Unidos, que essa possibilidade dependia de os Estados Unidos anexarem a Baviera, que tinha sido o local onde nascera, uma vez que a Constituição Americana reserva o cargo de Presidente aos naturais dos Estados Unidos. A afirmação pode parecer uma piada mas a história da América é uma história de anexações, especialmente no continente americano que desde a doutrina Monroe foi declarado de influência exclusiva dos EUA.
A expansão dos EUA ocorreu normalmente através da compra de territórios. Como se pode confrontar aqui, os EUA compraram sucessivamente a Louisiana à França (1803), a Flórida à Espanha (1819), o território de Gadsen ao México (1853), o Alasca à Rússia (1867) e as Ilhas Virgens Americanas à Dinamarca (1917). Outras vezes a anexação de territórios resultou de guerra, como a Guerra Mexicano-Americana (1846), que resultou na anexação do Texas, Califórnia, Novo México e Arizona, ou a Guerra Hispano-Americana (1898), que resultou para os nossos vizinhos espanhóis na perda de Cuba, Porto Rico e as Filipinas, sendo que neste caso apenas Porto Rico permaneceria ligado aos EUA. Noutros casos, a anexação resultou de pedido dos próprios países, como sucedeu com o Hawai em 1898.
Em relação à Gronelândia, há muito que os EUA a cobiçam, tendo sido proposta a sua compra à Dinamarca por Truman em 1946, a qual foi rejeitada pelos Dinamarqueses. Nessa altura a Gronelândia era considerada uma colónia da Dinamarca, o que contrariaria a doutrina Monroe, que não admite a existência de colónias europeias no continente americano. A questão veio a ser resolvida com a integração plena da Gronelândia no Reino da Dinamarca, o que até levou a que tivesse aderido à então CEE em 1973. A adesão duraria, no entanto, pouco tempo uma vez que os habitantes da Gronelândia consideraram uma ficção a sua integração na Europa, sendo uma região vizinha do Canadá. Em 1979 a Dinamarca transforma a Gronelândia numa sua região autónoma, sendo que esta em referendo decide em 1982 a sua saída da então CEE. Nessa altura a CEE perdeu metade do seu território.
Face a isto, quando Trump anunciou a sua intenção de propor a compra da Gronelândia não estava manifestamente a brincar, como foi considerado pelos Dinamarqueses, levando a este episódio de cancelamento da sua visita à Dinamarca. Trump é um narcisista, estando obcecado com o legado da sua presidência, encarando naturalmente com agrado a possibilidade de aparecer como um dos Presidentes que dilataram o território dos Estados Unidos. E, neste caso, o facto de a Gronelândia ser uma região autónoma da Dinamarca, com apenas 57.000 habitantes para um território de 2.166.000 km2, torna especialmente fácil essa aquisição, o que foi facilmente percebido pelo homem de negócios que Trump é. Imagine-se que os EUA oferecem a cada um dos 57.000 gronelandeses a cidadania americana originária e mais 1 milhão de dólares, adquirindo assim os EUA o território por apenas 57.000 milhões de dólares, e permitindo aos gronelandeses ir viver como nababos para a Califórnia ou para a Flórida. Um referendo com esta proposta de anexação seria rejeitado pelos gronelandeses? Sinceramente, duvido. Aguardo as cenas dos próximos capítulos.