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Delito de Opinião

A comemoração do 25 de Abril em Novembro e o ideário da "Frente Popular"

jpt, 21.11.23

Comicio Fonte Luminosa.jpeg

(Comício na Fonte Luminosa, Lisboa, Julho de 1975)

Muito acertadamente o presidente da Câmara de Lisboa anunciou a comemoração do 25 de Novembro de 1975, data crucial para a instauração do vigente regime de democracia liberal. Detendo uma presidência minoritária da assembleia municipal, Carlos Moedas viu a sua oposição autárquica votar a condenação dessa iniciativa. Agora, nas vésperas da sua realização, vê a imprensa institucional resumir essa celebração a um acto da "direita" (ver Expresso, em artigo de hoje assinado por João Diogo Correia). 

Esta é uma situação interessante. De facto, é uma caso paradigmático de como a história serve para (re)construir o presente, e a este manuseá-lo, quantas vezes manipulá-lo. Pois para quem tenha um mínimo de noção do que foi o processo subsequente ao 25 de Abril (então dito PREC) será cristalina a memória de que houve dois grandes conflitos, então dirimidos e depois simbolizados por iniciativas militares ocorridas. Cronologicamente primeiro foi o que opôs as forças mais atreitas a uma relativização da democratização institucional e social e à negação de uma urgência da descolonização - ditas de "direita" e algumas das quais mais atreitas à recuperação do "anterior regime" -, a uma amálgama muito abrangente de correntes ideológicas à sua "esquerda", "centro" incluído: algo simbolizável pela evocação do 28 de Setembro de 1974 e 11 de Março de 1975. É evidente que o teor deste conflito, e o conteúdo das oposições eclodidas nessas iniciativas militares, é homólogo ao da revolução de 25 de Abril de 1974 e assim por este simbolizado, neste comemorado.

O segundo grande conflito, cuja veemência eclodiu cronologicamente depois, foi o que opôs feixes de correntes políticas que subscreviam a instauração do actual regime de democracia liberal - que abarcavam, grosso modo, da "democracia-cristã" à "social-democracia" dita "socialismo democrático" - a uma miríade de forças políticas de extracção marxista revolucionária, incluindo desde perspectivas então ditas "terceiro-mundistas" (o que hoje se chamaria "alterglobalistas") até à dita "extrema-esquerda", polvilhada de uma pluralidade de versões do ideário comunista. 

Este conflito, que permitiu a instauração do nosso regime actual, teve momentos civis relevantes - como a luta contra a unicidade sindical reclamada pelo PCP, ou o enorme e histórico comício da Fonte Luminosa convocado pelo PS (que invoco na fotografia acima). E, grosso modo, terminou na movimentação militar de 25 de Novembro de 1975, com a derrota das forças militares radicais adeptas do comunismo, então dito de "extrema-esquerda", e com o anúncio do PCP da sua cedência à instauração de uma democracia liberal parlamentar - algo  que poucos meses havia negado. Ou seja, o "25 de Novembro" é um marco fundamental na instauração da nossa democracia mas remete para um conflito que não era presente, e como tal não é hoje simbolizável, no "25 de Abril". Grosso modo, representou a vitória daqueles que reclamavam "A Europa Connosco", como logo depois bem clamou o PS de Mário Soares.

Acontece que a liturgia - oficial e a dos opinadores predominantes no regime - tem escondido estas diferenças. O constante repúdio  pela celebração do "25 de Novembro" quer instaurar, através da manuseamento do ritual da república, uma versão ligeiramente diferente da História nacional. Mas muito  mais do que isso, através dessa ritualização da república, procura manipular o Presente nacional. E vem conseguindo tal feito... Ou seja, quer obliterar o dado crucial da instauração democrática, esse de que oposição fundamental foi a existente entre a esmagadora maioria da população e dos partidos que nas suas diferenças se filia(ra)m na tal "Europa Connosco", e aquelas forças muito  minoritárias que subscreviam os ideários ditatoriais e totalitários do fascismo e/ou do corporativismo e o das plurais formas de comunismo.

Neste âmbito a refutação da relevância simbólica do "25 de Novembro" quer fazer esquecer que a linha de fractura fundamental daquela época, e nos tempos subsequentes, foi a entre forças democráticas (do PS para a sua direita) e o radicalismo ditatorial dos marxismos revolucionários. Querendo instaurar uma mitografia, mais adequada ao mero jogo político parlamentar actual, essa que  propaga a ideia de que a fractura ideológica e social estruturante é a que apartou e aparta o PS e a sua esquerda do PSD e a sua direita. Mitografia reproduzida ritualmente todos os anos na festividade "25 de Abril" que decorre sob o velho ideário "Frente Popular", convocado para o ritual desfile na "Avenida da Liberdade". Congregando os efectivos e militantes adversários da "democracia" com efectivos e militantes adeptos da "democracia". Apenas para, com o sagrado da "festa", assinalar que os "outros" - os quais foram e são, neste continuado processo, os efectivos democratizadores - é que são antidemocratas. 

50 anos depois do 25 de Abril não vem "grande mal ao mundo" (ao  país) com este aldrabismo ritual. Mas serve para as campanhas eleitorais - e para uma ou outra ocasional geringonça, nacional ou autárquica. Mas é evidente que é preciso ser muito atrevido para contestar a relevância democratizadora do "25 de Novembro"... E como tal sempre urge reafirmar 25 de Novembro Sempre!

Há uns meses fui convidado para uma conversa sobre o "25 de Abril". Elaborei um pouco sobre o que aqui afirmo, muito superficialmente, até porque no estava no estrangeiro - diante de gente que conhecerá bem menos do nosso país. E também porque num contexto daqueles - celebração no estrangeiro - não é curial polemizar. Fiz um guião para a minha comunicação, à qual chamei "Portugal e o 25 de Abril: a revolução dos cravos, 49 anos depois". Aqui fica a ligação, para quem tiver curiosidade e paciência.

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