A colónia escocesa (episódio da História do Fracasso)
Dentro de semanas, a Escócia votará em referendo se pretende manter-se ligada ao Reino Unido ou se prefere a independência. O resultado da consulta é incerto. A união com a Inglaterra teve momentos em que quase ocorreu a ruptura, tendo a última rebelião armada, dos clãs das Terras Altas, Highlander, terminado apenas em 1746, 39 anos após o acto da união.
Na realidade, Inglaterra e Escócia tiveram relações conflituosas durante séculos, mas a formação de cada um dos reinos não se explica sem a interacção com o vizinho. Nas décadas anteriores à união, consumada em 1707, a economia escocesa sofrera com a concorrência do comércio inglês e com uma sucessão de más colheitas. Os conflitos entre clãs eram endémicos.
Os motivos que conduziram à união das duas coroas são numerosos e complexos, mas um deles destaca-se pelo insólito: em 1698, a Escócia tentou estabelecer uma colónia no actual Panamá, na baía de Darien, mas o fracasso da iniciativa consumiu grandes quantidades de capital e levou muita gente à falência. Darien ajuda a explicar o apoio da aristocracia feudal escocesa à união com os ingleses e o fracasso do império escocês foi, sem dúvida, uma das bases para três séculos de Reino Unido.
No final do século XVII, as potências europeias estavam activamente envolvidas na expansão ultramarina. As colónias eram caras, tinham enormes incertezas e perigos, mas prometiam lucros milionários. As nações ibéricas tinham avanço significativo na matéria, mas contavam naquele momento com a concorrência muito eficaz de ingleses, franceses e, sobretudo, dos holandeses, que estavam a utilizar um modelo de companhias capitalistas para financiar a exploração colonial.
Em 1695, os escoceses tentaram imitar o modelo holandês, criando a Companhia do Comércio da Escócia na África e nas Índias, com garantia de monopólio nacional nas trocas com estas regiões e a intenção explícita de criar uma colónia no Istmo do Panamá. A ideia era do banqueiro William Patterson (1658-1719), que viria mais tarde a ser um dos fundadores do Banco de Inglaterra. Patterson conhecia as Bahamas e inspirara-se na observação do mapa do mundo: o istmo do Panamá era de tal forma estreito junto à baía de Darien, que parecia fácil construir uma ligação entre Atlântico e Pacífico.
O banqueiro procurou investidores, mas a companhia teve de se basear exclusivamente em capital escocês (e consumiu imensas quantidades), pois as tentativas de encontrar dinheiro em Inglaterra, Holanda e França esbarraram com dificuldades políticas.
Ninguém pensou em construir um canal, ideia que viria mais tarde. A intenção era levar mercadorias pelo Atlântico, desembarcar o navio na costa e transportar os produtos por terra até ao Pacífico, onde seriam embarcados de novo, rumo à Índia, reduzindo em muitos dias o tempo de viagem entre Europa e Ásia. Em teoria, era possível inverter o processo, trazendo da mesma forma produtos asiáticos para a Europa. A companhia que controlasse este negócio ficaria imensamente rica, mas até que isso fosse possível, a colónia teria de viver com magros recursos agrícolas. Havia dificuldades, naturalmente, pois a província era uma possessão espanhola desabitada, que a Espanha, embora enfraquecida, não pretendia entregar de mão beijada aos escoceses.
O que não constava dos planos era a circunstância de Darien ser também insalubre e intransponível. Este território é ainda hoje um local pouco habitado e perigoso, mas Patterson convenceu o público e arranjou o dinheiro. A companhia tinha capital, mas o banqueiro foi afastado da direcção antes da primeira expedição, tendo sido substituído na liderança por indivíduos igualmente ambiciosos, mas muito menos competentes.
Assim, a empresa que viria a ser conhecida por Companhia de Darien foi inteiramente paga por investidores escoceses. Os historiadores calculam que os navios e equipamento terão exigido um quinto ou mesmo um quarto do capital total existente na Escócia. O país estava a esticar perigosamente os seus recursos limitados.
Os primeiros 1200 colonos viajaram numa frota que passou pela Ilha da Madeira e que chegou à Baía de Darien em Novembro de 1698. A bordo estava o próprio Patterson, que viria a perder a mulher e o filho durante esta tentativa de colonização.
Baptizada de Caledónia, a colónia consistia numa pequena povoação, Nova Edimburgo, protegida por um forte com 50 canhões. O empreendimento fora mal planeado e teve períodos de péssima liderança. A zona era perigosa e havia índios hostis, florestas densas e extensos pântanos, com solo impróprio para a agricultura. À beira da fome e do desespero, a Caledónia foi atacada pelos espanhóis e sofreu uma série de terríveis epidemias, cujos efeitos devastadores foram agravados pela deficiente nutrição dos colonos.
Uma segunda expedição que incluía mil pessoas foi enviada em 1699, e partiu da Escócia antes de ali chegarem as informações sobre o primeiro fracasso. Em 1700, um cerco espanhol acabou em rendição e abandono: no final, tinham morrido quase duas mil pessoas.
Os escoceses sonhavam com um império autónomo e acabaram endividados. O desastre viria a reflectir-se no próprio desaparecimento da Escócia como nação independente, pois o Acto de União com a Inglaterra, sete anos mais tarde, resultou em grande medida da desilusão que atingira as elites escocesas. A opinião pública passou a aceitar a ideia de um Reino Unido que fosse além de uma simples união das coroas, juntando as duas economias e somando as ambições externas. Não deixa de ser curioso que um dos grandes defensores da união tenha sido William Patterson.
Não podendo criar um império autónomo, a Escócia viria a participar activamente na criação do império britânico. Mais de 40% dos militares, médicos, funcionários de topo e até das mulheres que acompanhavam os aventureiros coloniais britânicos eram de origem escocesa, o que representa forte distorção a favor da Escócia.
Darien ficou ligado ao imaginário escocês e foi certamente inspiração para as aventuras de um curioso mitómano que daria um romance, Gregor MacGregor, que afirmava ser descendente de um dos sobreviventes da colónia de Darien. Este mercenário escocês viria a causar uma crise financeira internacional.
MacGregor combateu do lado luso-britânico na guerra peninsular, como major de um regimento português e tentou a sua sorte na América espanhola, onde obteve fama nos exércitos de Simão Bolivar. Em 1820, concebeu em Londres uma extraordinária fraude, afirmando-se cacique de um país fictício, Poyais.
O principado ficava na América Central, numa região das Honduras e Nicarágua hoje conhecida por Costa de Mosquitos. Não passava de um folheto e de um esforço da imaginação, mas possuía uma capital, São José (com ópera), e possibilidades infinitas de lucros, incluindo a exploração de florestas e minas de ouro e prata, além de cem mil quilómetros quadrados de terras disponíveis e férteis. Era tudo imaginação.
MacGregor apresentava-se como “Príncipe de Poyais” e conseguiu emitir obrigações da sua companhia com taxas de juro de 6%, semelhantes ao rendimento da dívida de países autênticos, recém-nascidos, tais como Chile ou Grande Colômbia.
A venda de terras era lucrativa e o aventureiro escocês conseguiu enganar muitos crédulos, que tentaram criar a colónia que tinham comprado, encontrando ali a selva e a miséria, em vez das terras esplendorosas que apareciam nos folhetos. Na tentativa, morreram centenas de pessoas e os poucos sobreviventes foram levados pelos ingleses para o Belize.
Os investimentos nos novos países independentes da América transformaram-se depressa numa bolha especulativa que rebentou em 1825 e 1826, provocando até 1828 a primeira grande crise de dívida na América Latina. MacGregor iniciara a bolha, ficou imensamente rico e, apesar de processado, conseguiu escapar à justiça, morrendo em Caracas em 1845. Talvez para ele toda aquela fantasia elaborada fosse uma espécie de resistência.