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Delito de Opinião

A coligação esquerdo-direitista apressa-se a exigir o impossível

Pedro Correia, 29.01.15

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 Panos Kammenos e Alexis Tsipras

 

Nascido em 1974, Alexis Tsipras é filho do Maio de 68. Que consagrou esta palavra de ordem: «A imaginação ao poder: exige o impossível.»

Em Atenas, a imaginação chegou ao poder. Por via das urnas -- algo nunca antes acontecido -- e graças ao bónus de meia centena de deputados possibilitado por uma excêntrica lei eleitoral que transforma 99 lugares no parlamento em 149, uma federação de 12 partidos da esquerda radical acaba de formar governo com uma força política da direita xenófoba e eurofóbica. Numa bizarra simbiose de nacionalismo e populismo, em que o discurso contra o "estrangeiro" inflama as gargantas e os espíritos como fogo em palha. Distorcendo aliás a mensagem original do Maio de 68, que era internacionalista e manifestava um desdém absoluto pelo conceito de "soberania nacional".

Mas cumpre questionar: que soberania efectiva existe num país que mentiu aos seus parceiros sobre o volume real do défice das contas públicas, desbaratou milhares de milhões de euros em fundos estruturais lançados na maior "economia paralela" da União Europeia, detém ainda hoje o lamentável recorde de campeão europeu na fuga aos impostos e vive desde 2010 graças ao balão de oxigénio de 240 mil milhões de euros de auxílio de emergência destinado a travar in extremis a declaração de bancarrota?

 

Tendo chegado a imaginação ao poder, na insólita coligação de extremos simétricos protagonizada por Tsipras e Panos Kammenos, líder dos Gregos Independentes (ANEL), o novo chefe do executivo de Atenas trata agora de exigir o impossível: suprimir os compromissos estabelecidos com as entidades credoras. Cessam de imediato as privatizações em curso, o salário mínimo sobe 28% por decreto (passando de 586 para 751 euros), são readmitidos os funcionários públicos entretanto despedidos, estabelece-se um tecto de 12 mil euros de rendimento anual para isenção de imposto, suprimem-se as taxas moderadoras na saúde e lança-se um vasto pacote de medidas assistencialistas avaliado em 11,7 mil milhões de euros - ou seja, 6,5% do PIB helénico. O equivalente à soma dos depósitos que já voaram este mês dos bancos gregos.

Na prática, Atenas rasga o Tratado de Maastricht, que criou o sistema monetário europeu estabelecendo um conjunto de direitos e deveres aos estados signatários, e o Tratado Orçamental, que impõe limites à expansão do endividamento na UE. Lança assim novas achas na imensa fogueira da dívida pública grega ao prometer um pacote de gastos desmesurados com dinheiro que não tem. Exigindo o impossível com a sonora retórica da esquerda pura aliada à vibrante oratória da direita dura num país que representa menos de 2% do PIB comunitário.

«Os contribuintes da UE acabarão por pagar», consideram os arautos da nova coligação esquerdo-direitista de Atenas, unidos na aversão ao estrangeiro -- uma coligação contra naturam, que reúne todos os ingredientes indispensáveis para não funcionar. Porque congrega o pior dos dois hemisférios políticos numa mescla de bravatas populistas e ressentimento ideológico que ameaça acelerar o colapso das finanças públicas num país recém-saído de seis anos de recessão.

 

«Não sou ateniense nem grego, mas cidadão do mundo», ensinou Sócrates há 25 séculos. Este lema contraria o essencial da doutrina programática do novo executivo Tsipras-Kammenos, alicerçada no combate aos aliados externos transformados em inimigos para efeitos de propaganda política. Receio que, na atmosfera de irreprimível demagogia agora reinante em Atenas, sejam cada vez menos os que optem por seguir a sensata voz da sabedoria milenar.

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