A coisa
Há uma coisa chamada Conselho Nacional de Saúde. Estava posta em sossego, sem ninguém imaginar que existia, quando a emergência sanitária a fez despertar da letargia.
Com relutância, a coisa reuniu-se. Ficámos a saber que tem trinta membros, incluindo «seis representantes dos utentes, eleitos pela Assembleia da República», «dois representantes das autarquias, designados um pela Associação Nacional de Municípios Portugueses e outro pela Associação Nacional de Freguesias» e «cinco personalidades indicadas pela Comissão Permanente de Concertação Social, sob proposta das respectivas organizações sindicais e empresariais».
A reunião decorreu à margem das mais elementares normas sanitárias, sem que os membros da coisa respeitassem as distâncias de segurança, numa sala apinhada. Ao fim de seis ou sete horas de reunião, os conselheiros deliberaram... recomendar ao Governo que mantivesse abertos os museus e os estabelecimentos de ensino. Por unanimidade.
Sem surpresa, António Costa procedeu exactamente ao contrário, marimbando-se para a recomendação da coisa.
Um putativo porta-voz da coisa, chamado Jorge Torgal, esmiuçou o seu pensamento desta forma, em entrevista ao jornal Público:
«O quadro global nacional [sobre o coronavírus] é relativamente positivo, face à morbilidade de outras patologias com que convivemos todos os dias.»
«As pessoas agem como se fosse uma doença facilmente transmissível por contacto social e não é. (...) É um quadro muito limitado que não é compatível com todo o alarme social que existe.»
«Fechar as escolas é ajudar e justificar o medo, que não tem razão de ser.»
Esta entrevista, note-se, foi concedida já depois de a Organização Mundial de Saúde ter qualificado de pandemia o coronavírus.
E ocorreu seis dias antes da declaração do actual estado de emergência em Portugal.
Já a 28 de Fevereiro, o mesmo cavalheiro produzira estas pérolas, em entrevista ao Jornal de Notícias:
«[O Covid-19] é menos perigoso que o vírus da gripe! Existe um pânico completamente desproporcional à realidade.»
«É uma doença que tem tratamento.»
«Em Portugal, em 2014, os casos de legionela em Vila Franca de Xira mataram muita gente e deixarem sequelas em muitas mais. Isso, sim, é preocupante.»
Raras vezes tenho visto alguém bolçar uma colecção tão grande de inanidades. Questiono-me se os familiares dos 43 portugueses que faleceram em apenas oito dias, vítimas do Covid-19, não deveriam apresentar queixa judicial contra este senhor.
Indaguei entretanto se a coisa ainda se mantinha em funções. Disseram-me que sim. Sem sequer registar uma deserção, depois de ter ficado evidente, aos olhos dos portugueses, que não serve para nada.