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Delito de Opinião

A chuvada eleitoral

jpt, 27.01.21

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A chuvada eleitoral de domingo, com o sucesso do Prof. Ventura, demonstrou a pertinência da velha máxima "o que é preciso é que se fale, mesmo que seja ... bem". Recordo o que já resmunguei: catapultado como "voz televisiva do Benfica" e, depois, "enfant terrible" de Loures, Ventura chegou aos 60 mil votos e foi resvés eleito deputado em 19. Breves minutos depois da sua eleição a então também nóvel deputação do Livre celebrou o seu sucesso eleitoral alcandorando-o a adversário fundamental, dando-lhe eco, sublinhando-o reforçando-o, como mera forma de se reclamar paladina do "antifascismo". Forma de encapuçar a estreiteza da agenda política própria e, acima de tudo, de ocupar espaço à "esquerda", onde o palanque legitimador do "antifascismo" vem sendo - e com legitimidade histórica, diga-se - ocupado pelo PCP e pelo PS. E de nisso também se apartar do BE, ao qual acabara de subtrair basto eleitorado e, também por esse novo estatuto "antifascista" reclamado, imensa atenção mediática. Pois a imprensa lisboeta, muito "gauchiste", assumiu com frenesim este novo conflito entre unideputações, novidade bem mais apetecível do que os já monótonos acintes entre os "big five".

Depois foi o que foi: Ventura soube afrontar os ideais dominantes da imprensa sem com isso a afastar; enquanto a disparatada Moreira a afastou de vez, não só pelo seu patético conflito com o "pós-stasiano" Tavares mas, acima de tudo, pelo dislate de chamar a polícia para se proteger das perguntas da imprensa, arrogância - dela e do seu assessor dos saiotes - nunca vista na democracia portuguesa. Resultado: a imprensa democrática não lhe liga, condenando-a a um silêncio revelador da sua essência, mero apêndice de um PS tacticista. Enquanto persegue, enlevada, um Ventura que seguiu rampante, capitalizando as antipatias recebidas.

O disparatismo dos "bem-pensantes" urbanos mostra-se ainda mais no rescaldo das eleições presidenciais. Leio inúmeras declarações de nojo pelos compatriotas que se (a)venturaram - na senda das declarações do grande maître à penser Malato. Vão tal e qual, estes ululantes perdigoteiros, o prof. Ventura quando fala de ciganos. Como a parvoíce - que terá evidente substrato publicitário - da organização do festival Amplifest 2021 que anuncia  não querer como espectadores quaisquer votantes do Chega. Ou, pior ainda, a recepção jubilosa de alguns textos mais desequilibrados que surgem nas redes sociais, invectivando os recém-eleitores do Chega.

Para além da indecência e da parvoíce de muitas destas reacções, o seu fundo, consciente ou inconsciente, é traçar uma "cerca sanitária" vs. Chega, para a qual será necessário traçar uma população a encerrar, o "Eleitor Chega", e demonizá-la. De facto, "queimá-la" (simbolicamente, espera-se) e ostracizá-la (moralmente). Daí o afã em traçar-lhe, o mais lesto possível, um perfil unívoco: os tipos da "direita", aliás PSD/CDS; os alentejanos do PCP, como muitos referem - ainda que, de facto, o PCP não domine o Alentejo há já bastante tempo, mas tendo ali um peso eleitoral maior do que alhures.

O que me parece óbvio é que Ventura colhe votos em vários sectores - talvez não tanto no eleitorado PS, mais sociologicamente repousado. Antes do Natal jantei com amigo emigrado, cinquentinha viajado e culto, classe média, e que se situa naquilo a que os democratas chamam "centro-direita" e a esquerda revolucionária amiúde apelida(va) de "fascista". Ou seja, é um fluído apoiante do CDS. Dizia-nos ele, algo estupefacto naquela visita anual à "Pátria Amada", que "na minha família só eu e o meu pai é que não apoiamos o Chega", e avançava, até desencantado, que lhe era agora óbvio que todos esses seus parentes "não têm vínculo com a democracia", "são saudosistas do Salazar" ainda que sempre tivessem sido eleitores de CDS e PSD, até consoante os momentos.

Este é um detalhe, individual, que pode ilustrar os bons resultados de Ventura em alguns locais urbanos, como as zonas mais favorecidas da "Linha" - que é a que aludo aqui. Ao mesmo tempo, e porque estou em Palmela, mostro os resultados de um universo que não é alentejano rural e que mostra como num eleitorado que vota basto à esquerda, Ventura surge com bons resultados. Significará o que deveria ser evidente: que as pessoas votam consoante o tipo de eleições e consoante as mensagens que querem enviar ao poder - flutuando muito mais do que os ideologizados jornalistas, empenhados intelectuais públicos ou mesmo os meros drs. locutores nas redes sociais (como este jpt).

Ou seja, houve meio milhão de pessoas que decidiram ir votar num tipo que apareceu há pouco mais de um ano e que foi insuflado pela imprensa lisboeta e pelos movimentos demagógicos de extrema-esquerda. É uma amálgama de nossos vizinhos, que o fizeram por uma série diversa de razões. E decerto que o terão feito também devido à grande máxima da política: "o que parece é!". E tudo isto parece que está mal. Pode até nem estar tão mal como parece. Mas parece estar bastante mal. E feder. E o melhor seria reflectir sobre o "estado da arte" e sobre as formas de "exposição" dessa "arte". E não, nunca, isto de andar a demonizar os nossos vizinhos, co-fregueses. 

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