A Casa Torta
Não há razões para desesperos, pelo menos nesta matéria. Depois da minha irritação com a recente, e vil, "adaptação" do "Crime no Expresso Oriente", insisti e fomos ver "A Casa Torta" (adaptação do livro em tempos publicado em Portugal sob o menos atractivo título "A Última Razão do Crime"). Não é preciso um grande ensaio interpretativo para esta coisa: quem vai ver um filme sobre um romance policial de Agatha Christie, ainda para mais tendo-o lido (e ela é uma das autoras mais lidas em todo o mundo, mesmo que possa não o ser tanto como foi no XX), não vai na senda da grande literatura nem está na demanda do cinema na sua expressão artística mais elevada, em projectos de ruptura e/ou auto-referência. Vai-se lá à procura de reviver um ambiente, típico, que é assim datado, nos seus pormenores, na sua elegância de época, nos seus conceitos e preconceitos, nos limites das suas tramas, que patenteia o como é (era) e explicita o que não é, o que é excluído. É uma "elegância", a ser lida por fruição, e (ou, se apetecer) a ser interpretada como uma belíssima (mesmo que se calhar kitsch) mostra de uma mundividência. Tudo a ser percorrido com um suave "frisson", o do enigma sobre aquele, de facto irrelevante, assassinato em causa.
O "Casa Torta", realizado por Gilles Paquet-Brenner, com um plantel de bons actores encabeçado pela grande Gleen Close e abrilhantado por Terence Stamp, cumpre com toda a qualidade requerida essa recriação. O ambiente, sombrio, o mistério, mantido até ao fim (ainda que dissecável pelos "habitués" de Agatha Christie que porventura não tenham lido o livro), a elegância do contexto, a psicologia das personagens - que na obra desta escritora têm sempre um traço grosso, até algo caricatural, mas "é assim:".
Saímos mais do que satisfeitos. E eu reconfortado. Mesmo aliviado. Recomendo.