(Ontem o Pedro Correia aqui abordou de modo suficiente o tema. Mas como deixei no meu Nenhures um outro postal sobre o assunto aqui o replico)
Há polémica sobre um cartaz usado pelos professores, caricaturando António Costa. Não discuto a justeza das reclamações da mole docente nem a tipologia das suas acções reivindicativas nem a política do governo na área correspondente - nem sequer isso de Costa ter mentido quando se deparou com manifestantes nas comemorações do 10 de Junho. O assunto é a caricatura de Costa que foi usada. Não gosto dela. Mais pelo detalhe dos lápis espetados nos olhos - que poderá ter um qualquer significado que se me escapa mas ainda que assim seja é vudu em demasia para este ateu.
O relevante é que até Costa se vitimizou, jogando a "carta racial", invectivando de "racistas" os portadores da imagem. Sendo logo seguido pelos seus acólitos: clamam que o uso de lábios desmesurados é um "estereótipo racista" e implicitam que a cobertura porcina aposta à cabeça de Costa também o é. E exemplo mediático dessa filiação é Carmo Afonso - a colunista que há um ano se dizia perseguida, censurada e criminalizada devido à sua russofilia mas à qual o jornal da SONAE continua a atribuir página inteira. Misturando a sua reclamação de "racismo" pictórico com a convocação de um assassinato cometido há três anos por um geronte veterano de guerra, Afonso aponta que é racista quem não vê "racismo" nesta agressão pictórica ao PM, pois "os racistas não reconhecem o racismo". Ora, e por outros não falo, isso irrita-me: pois não é a burguesota lisboeta que um Zé Sá Fernandes chama para falar da história do "Frágil", russófila ainda por cima, que me vem chamar racista...
É a caricatura desagradável? É. Mas é feita para isso. Incomoda alguns (a mim o tal aparente vudu...)? É feita para isso. É deselegante? Depende de quem vê, mas sê-lo-á para muitos, pois procura-o ser. Têm os tipos que a usam razão ou razões? É outro assunto.
É racista? Não posso afiançar das intenções do autor - pois não sendo ele caricaturista publicado não posso associar esta obra ao seu historial, nisso tentando perceber o seu fundo ideológico. Mas olhando apenas para este desenho - que é o que é possível - é evidente que ele entronca, até filialmente, na tradição da caricatura política portuguesa. Por um lado, a extrema desvalorização dos agentes políticos, como exemplifico abaixo: Bordalo Pinheiro retratando-os como como suínos, em célebre desenho que viria a ser retomado por Vilhena, Alonso mostrando-os como fezes ou Leal da Câmara retratando o rei D. Carlos como porco (!). Por outro lado, a utilização de um ferrete ferino, como Cid na sua "africanização" de Eanes, sua "bête noire", mas que não tinha um teor racista. Ou desbragado, como Vilhena na sua travestização e mesmo transvestização de Soares (o que diriam hoje estes "justiceiros" wokes, os espertalhoucos, se caricaturas similares surgissem).
E acima de tudo na utilização de traços físicos dos retratados/invectivados, exagerados até de modo histriónico, procurando o grotesco, por vezes agressivo, outros vezes até carinhoso. A penca adunca de Sá Carneiro (anti-semitismo, poderia dizer um seu fanático defensor), as lendárias sobrancelhas de Cunhal - aqui exemplificados com Vilhena - os rotundos lábios de Freitas do Amaral, como os viu António. Ou os lábios de António Guterres, em recente caricatura de Santiagu, premiada pelo estatal Museu Nacional da Imprensa e elogiada pelo seu director Luís Humberto Marcos.
Para estes lábios não há racismo?, dir-se-ia diante do atrevido e demagógico coro dos ofendidos de agora. Deixemo-nos de confusões. Este caso não se trata de um grupo de coirões a gozar com o feitio físico de um qualquer desvalido solitário - apoucando-o por isso, nisso insecurizando-o -, oriundo de Nepal, Senegal ou alhures, isso sim racismo. Trata-se de uns contestatários, talvez irritantes, agredindo simbolicamente um primeiro-ministro - cuja ascendência patrilinear é de portugueses asiáticos (goeses católicos), mas aqui invectivado tal e qual como se político unicamente descendente daqueles bárbaros que vinham com Pelágios e Urracas.
Tudo o resto é a mistura da falta de encaixe de António Costa, denotativo do autoritarismo sobranceiro com que vem olhando o país, e do afã dos acólitos, avençados ou assalariados, a aproveitaram-se destes estuporados "ares dos tempos"...
(António)
(Augusto Cid)
(Augusto Cid)
(Leal da Câmara)
(Alonso)
(Vilhena, recriando Bordalo Pinheiro)
(Vilhena)
(Vilhena)
11 comentários
Luis 14.06.2023
Enfim para mim Costa sabia desses cartazes e quis aproveitar o momento em que tinha todas as tvs a gravar para montar o circo que montou e, assim tentar denegrir os professores e a sua luta (não sei se é justa ou não pois não a conheço em pormenor). Era melhor que Costa se esforçasse mais para governar bem e menos em embustes e circos mas já conhecemos bem o ADN do artista e da sua legião de lambe botas. E é a este sujeito que entregámos a chefia de governo e logo com maioria absoluta, que maravilha! Cauda da Europa aí vamos nós.
A esquerda quer manter o controlo da rua é disso que se trata. PS é o Partido Salazarista que deve ter o respeitinho de todos os outros. Já os outros podem ser injuriados e ameaçados como vimos em manifestações anteriores.
Não sou assinante do Público (livra), mas quando vou ver as "grandes" ao respectivo site, constato que, à cabeça da tabela dos "mais populares" está, invariavelmente, a coluna da Dr.ª Carmo Afonso. Pelas amostras da coisa, que vou lendo, tenho de concluir que isso se deve à mesma razão que os acidentes de automóvel causam engarrafamentos: toda a gente sabe que é horroroso, só tarados é que apreciam, mas toda a gente quer dar uma espreitadela. Desse modo, não se pode censurar o capitalista por dar espaço à articulista.
Essa comparação com os acidentes rodoviários não está mal metida... E sim, não contesto que o produto em causa seja do agrado dos "leitores de referência" que serão a maioria do público do "Público". Por mim, e como disse em postal recente, "sofro" de ser avisado por amigos, aqueles até sádicos "vai lá ver o que fulano escreve", normalmente quando se abordam temas que sabem ser da minha "preferência". E este paleio do racismo é um deles - já li tipos a escrever que Costa é um "racializado". Não têm qualquer pudor.
Isto é luta para que a "rua" e as correspondentes injurias e intimidação continue a ser privilégio apenas da esquerda organisada: PS e PCP e organisações não governamentais aliadas.
Representar e identificar uma pessoa, seja ela qual for, com caracteristicas fisicas de "porco" é sempre racista, o que é o caso, sem qualquer dúvida. “Pig” é justamente uma gíria empregada para designar, de modo ofensivo, agentes policiais nos EUA. A associação também está fortemente presente na cultura visual norte-americana, tendo encontrado nas gravuras de Emory Douglas dos anos 1960 e 1970 um discurso visual poderoso que atrelou em definitivo o pobre mamífero à figura da polícia racista. Só quem quer dar interpretações politicas é que não quer reconhecer que em Portugal há racismo, e muito.
João Carvalho, respondo-lhe deste modo bipartido: 1 - se eu representar (por palavras, que sou incapaz de dar formas aos desenhos) um destes imensos publicistas do socratismo costista (o [ex]jornalista que chamava Super-Marta à ministra Temido por esta ser desabrida com Fátima Campos Ferreira na semana exacta em que Portugal era o país com piores resultados absolutos face ao Covid; a escumalha do bloguismo e redes sociais que defendeu Sócrates desde o seu governo até à sua prisão, a malta do Jugular, Câmara Corporativa e fontes deste, tipo a Câncio que nunca deixou de defender o ex-namorado e que agora vasculha para saber quem é a mulher que defende Sousa Santos; etc.) como uns javardos, uns porcos imundos, estou a ser racista? Então fique sabendo que sou racista, que me farto em privado de classificar esta escumalha como uns porcos execráveis. E é o melhor dos termos que dedico, à turba de publicistas conhecidos e à vil mole de gentalha que anda pela internet a defender esta tralha de gente.
2 - eu blogo há vinte anos. Aqui há cerca de uma década. Também no meu actual blog (Nenhures) e antes noutros (ma-schamba, escrito em Moçambique durante mais de uma década; Courelas, O Flávio, no colectivo sobre futebol És a Nossa Fé!). Sempre bloguei com os postais associados por "categorias" (por exemplo, "racismo"), o que tanto facilita as buscas (memorialistas, no meu caso). Sei que você não se dará ao (insano) trabalho de vasculhar estes blogs - mas seria interessante que se o fizesse me encontrasse um texto (um único texto que fosse) onde eu tenha afirmado que em Portugal não há, nem houve, racismo.
O que disse várias vezes é que esta questão do "racismo" em Portugal é afirmada por discursos que mimetizam a realidade dos EUA (e um pouco a brasileira, sendo que a acção política nesta matéria nesse país também sofre algo dessa mimetização). E que isso levanta questões que redundam num óbvio histrionismo dos militantes e numa via demagógica, até patética. Esse mimetismo, se fosse preciso exemplificá-lo, mostra-o aqui você, nessa invocação de uma figura retórica (até já recuada) norte-americana, como se por si só isso seja justificativo do seu transplante puro e simples para o nosso país. No qual, como eu lhe mostro de forma tão concisa, esta utilização retórica dos suínos é um tópica não-racialista da arte caricatura.
Mais, mesmo na própria linguagem a utilização racista da fauna mamífera não aponta nesse sentido. Serei explícito, o racismo, em particular anti-negro, foi utilizando (até influenciado pelas interrogações antropológicas de antanho) a associação simiesca, o "gorila" ou "macaco". Já o "porco de merda" ou o "javardo do caralho" é muito mais dotado de uma aversão moral (e nisso por vezes polvilhado de sociocentrismo, de sobranceria sociológica). Ou seja, se alguém ao meu lado invectivar um "macaco" eu temerei estar perto de um racista a invectivar um negro. Mas se alguém resmungar um "javardo do caralho" eu terei a certeza que esse circundante está a descrever um adepto do PS.
Adolfo Mesquita Nunes, Ana Lima, Ana Margarida Craveiro, Ana Sofia Couto, Ana Vidal, André Couto, Bandeira, Cláudia Köver, Coutinho Ribeiro, Fernando Sousa, Francisca Prieto, Inês Pedrosa, Ivone Mendes da Silva, João Campos, João Carvalho, José António Abreu, José Gomes André, José Maria Pimentel, Laura Ramos, Leonor Barros, Luís M. Jorge, Marta Caires, Patrícia Reis, Paulo Gorjão, Rui Herbon, Rui Rocha, Tiago Mota Saraiva