A caminho do 26J (VII) – Pactos de Governo
Pela primeira vez na História da democracia espanhola, o país é forçado a repetir eleições. Amanhã, Espanha vai a votos pela segunda vez num espaço de seis meses. Embora os principais líderes partidários garantam que não haverá uma terceira ronda, qualquer análise prudente das sondagens não descarta essa hipótese. Mais uma vez, tudo dependerá dos pactos de governo – ou da falta deles. Com base nas sondagens, mais do que o número de votos, será a vontade dos partidos a decidir se haverá governo – e que tipo de governo será. A pouco menos de vinte e quatro horas das generales não há acordos políticos evidentes. Poucos são os partidos que mostram as cartas e assumem as suas preferências de parcerias políticas, apesar de instados por diversas vezes a abrir o jogo. O mapa das geometrias interpartidárias é difuso, mas podemos resumir a informação conhecida em 6 pontos.
1.
O Unidos Podemos é claro: apenas está disponível para celebrar um pacto de governo com o PSOE. Quer fique em segundo lugar – como anunciam as sondagens –, quer fique em terceiro ou em quarto, a formação política capitaneada por Pablo Iglesias só admite associar-se aos socialistas. Iglesias ainda não foi explícito na reivindicação da Presidência de Governo. Mas vai avisando todos os dias que, em política, existem dois princípios indissociáveis: (i) as eleições são ganhas pelo partido que tem mais votos (dissidência ontológica da geringonça portuguesa), uma vez que o PSOE, embora perdendo em votos, pode ainda vencer em mandatos; (ii) não menos importante, a Chefia do Executivo pertencerá a quem reunir mais apoios. Em suma, o Unidos Podemos confia que será a segunda força política mais votada e exige o apoio do PSOE para fazer de Pablo Iglesias o próximo Presidente de Governo de Espanha.
2.
O Partido Popular é igualmente claro: vence quem tem mais votos e mais mandatos. Os populares defendem que Espanha precisa de uma grande coligação de governo, isto é, de PP, PSOE e Ciudadanos no Executivo. Celebrar um acordo com o Unidos Podemos nem sob lei marcial. Para o PP, o Unidos Podemos constitui uma ameaça ao amplo consenso constitucional no qual Espanha se alicerça, para além de ser um perigo para a economia, a quarta maior da zona euro.
3.
No PSOE as intenções são menos evidentes. O discurso político é óbvio e compreensível: Espanha necessita de mudar e a única alternativa viável está no Partido Socialista Obreiro Espanhol. Até ao lavar dos cestos é vindima e o PSOE dará o tudo por tudo até domingo para evitar que o Unidos Podemos o ultrapasse pela esquerda.
Para os socialistas, dada a enorme polarização eleitoral, assumir preferências de coligação traduzir-se-ia em votos perdidos. No entanto, uma vez que o eleitorado está consciente da importância dos pactos de governo, esta estratégia de esconder o jogo lançou um manto de incerteza (até de suspeição) sobre as reais intenções socialistas, o que está a prejudicar o partido na captação dos votos indecisos. Os eleitores mais à esquerda temem que o PSOE viabilize um governo do PP, enquanto os votantes mais ao centro estão horrorizados com a possibilidade de um pacto PSOE-Unidos Podemos. Pedro Sánchez tenta quadrar o círculo: insiste no veto a Mariano Rajoy, que já não é exactamente um veto ao PP, ao mesmo tempo que massacra Pablo Iglesias, recordando diariamente – e bem – que foi o líder do Podemos quem impediu a criação de um governo progressista de esquerda. Sánchez tem sido violento nas críticas ao cinismo e à ambição de poder de Iglesias. Porém, não foi ainda taxativo na recusa de um acordo com a coligação de extrema-esquerda. Sánchez promete que haverá governo depois de domingo. Visto que o PSOE está obrigado a escolher entre PP e Unidos Podemos, resta saber que tipo de governo sairá do 26J.
4.
O Ciudadanos afasta o que considera serem os extremos, ou seja, não apoiará o PP nem o Unidos Podemos. Há, no entanto, um matiz. O veto de Albert Rivera, presidente do Ciudadanos, à direita termina com a saída de Mariano Rajoy. O PP substitui o seu presidente e há acordo. No entanto, Rivera disse esta semana estar disponível para se sentar com Rajoy e Sánchez depois de domingo, sem nunca recuar no veto ao primeiro. A avaliar pelas sondagens, uma coisa parece certa: sozinho, o Ciudadanos não chega para viabilizar um governo do PP ou do PSOE. O partido não foi determinante nos últimos seis meses e tudo indica que assim continuará.
5.
Vistas as posições dos principais partidos, não será abusivo especular sobre a criação de uma frente PSOE-Ciudadanos que exija a demissão de Mariano Rajoy como condição para integrar um governo chefiado pelos populares. Porventura adivinhando esta estratégia, o presidente do PP deixou uma pergunta no ar: "se eu ganho eleições e tenho que sair, os restantes líderes partidários ficam todos no mesmo sítio?". Se esta estratégia PSOE-Ciudadanos for para a frente, alguém terá que se imolar no altar da pátria. E talvez a coisa não se resolva com apenas uma demissão. Caso contrário, e assumindo que as intenções dos principais partidos são para levar a sério, terceiras eleições à vista.
6.
Para Espanha, tal como para Portugal, a adesão ao projecto europeu marca fim do processo de transição democrática. Simboliza a criação de um vínculo ao Estado de Direito, de um compromisso com o modelo democrático da Europa Ocidental. Em suma, a adesão à Europa foi uma mensagem enviada por Espanha ao mundo e, no plano interno, a todos aqueles que pugnavam pela manutenção de um Franquismo sem caudillo: o país mudou, as instituições mudaram, há uma nova ordem constitucional e “entrar na Europa” torna o processo de transição democrática irreversível. Dada a importância que a Europa tem para Espanha e, por outro lado, visto que a ordem constitucional constitui um dos elementos centrais no debate político espanhol, o Brexit pode revelar-se um cautionary tale. Isto é, pode assumir a premência de um sinal de alerta. Não que seja suficiente para alterar as intenções de voto, mas talvez baste para alterar as intenções partidárias. PP, PSOE e Ciudadanos, os partidos subscritores da ordem constitucional vigente, podem ver no Brexit um sintoma de um mal sistémico que apele à sua responsabilidade e, consequentemente, facilite acordos de governo que isolem o populismo do Unidos Podemos.