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Delito de Opinião

A caminho do 26J (III) – A nova social-democracia

Diogo Noivo, 09.06.16

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Nas últimas semanas, Portugal entreteve-se a discutir as origens do fascismo, uma cortesia de José Rodrigues dos Santos que as luminárias doutorais da pátria agradeceram com regozijo e soberba. Espanha tem agora a possibilidade de seguir as pegadas do seu vizinho ibérico: Pablo Iglesias, líder do Podemos, afirmou esta semana que a coligação por ele dirigida é social-democrata. Mais, empenhou-se em demonstrar que a social-democracia é um sucedâneo directo do marxismo. E, para rematar a faena, muniu-se das suas credenciais de professor de ciência política para afirmar que Karl Marx e Friedrich Engels eram social-democratas.

 

Como seria de esperar, Alberto Garzón, Coordenador Federal da Izquierda Unida (IU) e comunista confesso, foi rapidamente cercado por jornalistas interessadíssimos em saber o que pensava ele deste novo amor ideológico do seu parceiro de coligação. “Sinto-me confortável nesta aliança com o Podemos”. A vida em política não é fácil, sobretudo quando se está ao lado de Pablo Iglesias. No entanto, porque a política é um espaço onde impera a eficiência e porque há um PSOE para eliminar, a intelectualidade da IU reuniu-se com a imprensa para matar a polémica com uma cartilha preparada para a ocasião: “El comunismo es una tradición política que nace como escisión teórica y práctica de la socialdemocracia. Por eso, Lenin, Marx y todos los comunistas del siglo XIX eran de partidos socialdemócratas, y hablaban en sus textos como socialdemócratas. Solo que entonces socialdemócrata significada lo que hoy comunismo”.

 

Não me meterei no debate de filosofia política pois temo que a concorrência será mais do que muita. E deixarei a dissonância cognitiva de Iglesias para os psicólogos. Contudo, vale a pena dar uso à ciência política – a ciência social, não o veículo de doutrinação militante que alguns fazem passar por ciência nas universidades. Num ensaio muito recomendável, o cientista político Víctor Lapuente traça o perfil da nova estirpe de populismos que, à esquerda e à direita, tem despontado na Europa. Entre outras características, Lapuente adverte que à mínima oportunidade de conquistar o poder, independentemente do país em causa, os populistas (descritos pelo autor como “xamãs”) deslocam o seu discurso para o centro do espectro ideológico. Isto explica parte os conflitos de Marine Le Pen com o seu pai, fundador da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen. Explica igualmente o desdém que Syriza e Podemos nutrem pela tradicional dicotomia esquerda-direita. A ausência de grilhetas ideológicas declaradas oferece uma liberdade de actuação táctica essencial para o acesso ao poder. Numa referência implícita ao célebre trabalho de Zigmunt Bauman, Víctor Lapuente afirma que estes populismos configuram partidos gasosos, e não líquidos. Há nos novos populismos uma obsessão com a conquista do poder ou, nas palavras de Pablo Iglesias, com “asaltar el cielo”. Resta saber se, perante a nova social-democracia do Podemos, este partido espanhol continuará a ser convidado de honra do Bloco de Esquerda em campanhas eleitorais.

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