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Delito de Opinião

A arte de resistir à sedução do poder

Francisco Pinto Balsemão

Pedro Correia, 16.09.21

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Um país que tem o culto dos derrotados e andou séculos a mitificar um monarca sepultado nas poeiras de Alcácer-Quibir acaba de enaltecer um empresário de sucesso em cerimónia pública. Uma corte exímia em elogios fúnebres prestou tributo a um homem vivo que passou pelo poder em dias turbulentos e soube renegá-lo antes que a política o imolasse em sacrifício ritual.

Já bastaria para destacar Francisco José Pereira Pinto Balsemão, 84 anos acabados de festejar, como figura da semana. Opção reforçada por ser autor de um livro que tem dado que falar: as suas “Memórias”, recém-lançadas, estão a ser obra muito procurada por estes dias. Algo irónico numa sociedade que padece de amnésia colectiva.

A elegante sessão de homenagem no palacete de São Bento foi coreografada ao pormenor pelo primeiro-ministro, anfitrião da cerimónia. Com oito meses de atraso, a pretexto da celebração do 40.º aniversário de um Executivo empossado em Janeiro de 1981, ocorreu a escassas semanas das autárquicas, dando palco suplementar ao chefe do Governo entre duas sessões de promoção de candidaturas socialistas. Havendo aqui um condimento acessório: o homenageado detesta o actual Presidente da República. Qualquer embaraço para Marcelo Rebelo de Sousa será, nesta fase, o último dos problemas para António Costa.

Acresce que Balsemão foi líder político empurrado pela trágica circunstância do desastre de Camarate. Aceitou chefiar o partido e o Governo para suprir uma dupla orfandade surgida com a morte de Francisco Sá Carneiro, amigo e cúmplice desde que ambos integraram a Ala Liberal na Assembleia Nacional caetanista e fundaram o partido laranja logo após o 25 de Abril. Mas os dois Executivos que dirigiu em 29 penosos meses, minados desde o início por insanáveis divergências com o CDS e sabotados por uma facção do PSD, ilustram o pior da direita em Portugal.

O dia 9 de Junho de 1983, em que cessou funções como primeiro-ministro quase meio ano após ter anunciado a demissão, foi um dos mais felizes da sua vida – confessa o militante n.º 1 do PSD nestas memórias em que ajusta velhas contas com Cavaco Silva e desfaz a ilusória unanimidade nacional em torno de Marcelo.

Saiu da política «enojado». De tal modo que jamais cedeu à tentação de regressar ao poder. Nem sequer em 1995, quando se aproximava o fim do mandato presidencial de Mário Soares e foi incentivado por várias vozes a concorrer a Belém.

Sim, teve inegável êxito em 1973 como fundador do Expresso, o jornal que antecipou a democracia. E em 1992, como fundador da SIC, primeiro canal privado de televisão em Portugal. Mas custou-lhe cara a lealdade póstuma a Sá Carneiro. «Na política, a uma opção tem de corresponder uma posição. E esta não pode ser só de amizade pessoal», escreveu em 1970 Marcello Caetano a José Pedro Pinto Leite, seu antigo aluno e malogrado líder da Ala Liberal. Advertindo-o contra os riscos e os limites das relações pessoais na vida pública. Podia servir de epígrafe à autobiografia de Balsemão.

 

Texto publicado no semanário Novo

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