A arbitrariedade do tipo disfarçado de árbitro
Em jeito de rescaldo da agitada cerimónia do 25 de Abril, o canal do Parlamento transmitiu diversas imagens sobre o decorrer das mesmas. Numa delas ouvimos o Presidente da Assembleia da República a falar num círculo de outras figuras do regime, onde se inclui o Presidente Marcelo.
O teor e o modo da conversa de Santos Silva fez-me lembrar um daqueles espertalhões da escola, do café ou do emprego, que se gaba de um qualquer feito perante alguém que se pressupõe lhe ser adverso.
Não é descabido que sua função de PAR possa ser comparável à de um árbitro. Este caso mostra a sua vontade de entrar nas jogadas para favorecer uma das equipas. Entende-se que está satisfeito pelo seu desempenho. Comporta-se como quem relata, e repete o relato, da forma como acha ter sido o melhor jogador em campo. E foi tanta a sua parcialidade na partida que acabaram de jogar, que, conta ele satisfeito, um jogador da sua equipa favorita chegou ao ponto de o tentar acalmar: “Deixe estar, deixe estar.” E no balneário ecoam as risadas.
Num ambiente aberto, a conversa poderia servir para tentar avaliar a reacção dos demais e daí tentar entender o que é que realmente acharam sobre o seu desempenho, mas isso só seria possível num espaço onde críticas livres e francas fossem possíveis. Ali, essa lógica não existe. O seguidismo e a risada por imitação são a regra. Para o bem e para o mal, somos animais gregários.
No vídeo é possível ainda ver a leviandade com que distribui carimbos de “falta de integridade política” que, entretanto, quer corrigir para “falta de maturidade política”, a todos os que não são da sua equipa. Acredito que esse detalhe irá ser o filão que ele próprio e a imprensa irão explorar, o que disse ou não disse ou queria dizer. Cada uma das facções em que o PS vai dividindo o país, irá acreditar na versão que lhe for mais apelativa.
Numa tentativa de eliminar da memória dos que assistiram às imagens, já mandaram eliminar as imagens do canal do Parlamento. Certamente que os partidários do árbitro, que se gaba de ser parcial, irão dizer que uma conversa informal não deve transmitida, mas isso só sublinha o incómodo que, mesmo negando, sentem pela divulgação do ocorrido.
Os donos do regime estão rodeados de figurantes que imitam os cãezinhos que decoravam as chapeleiras dos automóveis dos anos setenta, que pachorramente acenavam a cabeça na direcção que a inércia lhe indicasse. Estão decadentes, velhos de espírito e comportam-se como caciques.
Mais do que um árbitro parcial, o que vi nestas imagens foram dois tipos (a conversa do PR também é enjoativa) que se comportam como quem confunde a pessoa que é, com a função que desempenha. Cada um deles, à sua maneira, sente que pertence à restrita elite que domina o estádio. Para além das homilias declamadas no seu púlpito, mostram-nos como é perene a natureza humana, como é inebriante a vaidade e, sem darem por isso, mostram-nos como é bela a democracia, que não retira humanidade aos seus actores, mas permite que, quando enjoados, os eleitores possam correr com os que acham ser o centro do universo.