A Animação é para crianças (ou não) - 9
Divertida-Mente
Título original: Inside Out
Realização: Pete Docter e Ronnie Del Carmen
Argumento: Pete Docter, Meg LeFauve e Josh Cooley
Baseado numa história de Pete Docter e Ronnie Del Carmen
Produção: Pixar Animated Studios, Walt Disney Pictures
Ano: 2015
Duração: 95 minutos
País: Estados Unidos
Inside Out* é o pináculo criativo da Pixar.
Tenho uma relação algo ambivalente com a Pixar. Por um lado, é-me impossível não reconhecer a enorme qualidade dos seus filmes, da animação aos guiões (e recordo-me sempre do impacto de Toy Story). Por outro lado, sempre que vejo as imagens promocionais dos novos filmes fico com a sensação de que os estúdios estão muito confortáveis com o estilo e o registo que lhe são habituais, não precisando por isso de arriscar muito. E talvez tenham razão: os seus filmes caem bem junto do público e os prémios que interessam estão assegurados à partida. Se formos ver a última década da Pixar, encontramos filmes algo esquecíveis (The Good Dinossaur, Onward), algumas pérolas (Coco, Soul), temas algo batidos (Brave) e um sem número de sequelas que não vou nomear. Neste caldo, Inside Out destaca-se desde logo pela sua absoluta originalidade.
Sim, já vimos em inúmeros filmes, animados ou não, as dores de crescimento das personagens na transição da infância para adolescência. O que até 2015 não tínhamos ainda visto era essa transição a partir do ponto de vista das próprias emoções. É esta a premissa brilhante de Inside Out: seguimos a mudança da jovem Riley e da sua família do Minnesota para São Francisco, e a perturbação emocional que isso lhe causa, através a Alegria, da Tristeza, da Raiva, da Repulsa e do Medo - as emoções que vivem na sua mente e assumem o controlo combinado das suas acções. Perante o impacto da mudança, a Tristeza começa a ganhar preponderância, e perante a ameaça de alterar a carga emocional de várias memórias nucleares de Riley, a Alegria vê-se obrigada a agir. E o resultado dessas acções é desastroso, lançando a Alegria e a Tristeza para uma aventura nos confins da mente da jovem rapariga.
E é na representação da mente humana que Inside Out se revela prodigioso, pela forma como representa de forma tão simples e eficaz conceitos tão abstractos como emoções e memórias. Se aquelas são as protagonistas, estas são um dos principais ganchos narrativos, e o filme em momento algum receia explorar a abstracção e a subjectividade que lhes são inerentes (por exemplo, a noção de que uma memória pode ser diferente dependendo da emoção que nos domina no momento em que a recordamos, o que faz de cada recordação não algo estático, fixo no tempo e no espaço, mas algo fluído e incerto). E ao colocar as emoções no centro da narrativa, Inside Out consegue demonstrar, com uma maturidade surpreendente, como todas as emoções são necessárias para uma existência equilibrada, e que as emoções de carga mais negativa (digamos assim) não só têm o seu lugar, como são absolutamente indispensáveis.
Convenhamos que o que não falta é filmes adultos que não conseguem um décimo da carga emocional que Inside Out alcança nos seus 95 minutos.
A animação colorida, vibrante e expressiva da Pixar é perfeita para Inside Out, dando uma vida singular à mente de Riley e contribuindo de forma decisiva para tornar cada uma das emoções numa personagem única - com Pete Docter e Ronnie Del Carmen a usarem a cor de forma muito engenhosa, com as cores garridas da vida interior de Riley a contrastar com os tons mais esbatidos da sua vida familiar e social. Não há grande volta a dar aqui: para este tema e para este conceito, a animação é o formato artístico superior; nenhuma realização convencional (à falta de melhor termo) conseguiria contar esta história com a mesma eficácia e com o mesmo encantamento.
*Uma vez mais, recorro ao título original do filme - como é bom de ver, quem quer que tenha adaptado o título da versão portuguesa de Inside Out fez um péssimo trabalho. O título português consegue não só ser um trocadilho desinspiradíssimo, como é também um bom (mau) exemplo do tal preconceito que reduz o cinema de animação aos desenhos animados infantis da manhã e às sessões de cinema da tarde. Enfim, é um título infeliz que está longe, muito longe de fazer justiça àquele que será talvez o melhor filme saído dos estúdios da Pixar até agora.