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Delito de Opinião

A Animação é para crianças (ou não) - 5

João Campos, 20.05.22

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Paprika
Realização: Satoshi Kon
Argumento: Satoshi Kon e Seishi Minakami
Baseado no romance homónimo de Yasutaka Tsutsui (1993)
Produção: Madhouse
Ano: 2006
Duração: 90 minutos
País: Japão

Paprika é o filme que Inception poderia ter sido se Christopher Nolan tivesse imaginação.

Ao contrário do thriller de Nolan, nada é geométrico ou previsível nesta adaptação do romance de Yasutaka Tsutsui, onde se imagina um futuro próximo no qual foi desenvolvida uma tecnologia que permite o acesso aos sonhos de quem a utiliza. Atsuko Chiba, líder da equipa que desenvolveu o aparelho, começa a utilizá-lo ilegalmente para ajudar pacientes psiquiátricos a superar os seus traumas e as suas neuroses, assumindo nos sonhos do pacientes o alter-ego Paprika. É assim que conhece o detective Toshimi Konakawa, preso num sonho recorrente relacionado com um caso que nunca conseguiu resolver.

Quem tiver visto os filmes anteriores de Satoshi Kon sabe da prelidecção do cineasta japonês por narrativas que questionem os limites da realidade, onde as fronteiras entre o real e o imaginado se esbatem ao ponto da paranóia. Paprika não é excepção, e à medida que o filme avança vemos como os sonhos transbordam na realidade (ou será ao contrário?), com Chiba e Konakawa a aventurarem-se num autêntico pesadelo freudiano onde o impossível é apenas uma questão de perspectiva.

E é nestes territórios temáticos que a animação se revela absolutamente superior. Sim, o que não falta é filmes "reais" a explorar dimensões oníricas (até conseguimos ouvir, sem ouvir, os famosos acordes de harpa), uns com mais virtuosismo e imaginação do que outros. Mas se há forma artística perfeita para explorar os sonhos, essa forma será sem dúvida a animação, e Satoshi Kon, um animador excepcional, sabia-o bem: livre dos limites técnicos da filmagem convencional, pode levar a premissa de Paprika até às suas últimas consequências, numa animação colorida, vibrante, a espaços psicadélica, onde as imagens mais absurdas do inconsciente das personagens ganham uma extraordinária vida. Dito isto, talvez o feito mais extraordinário de Paprika seja nunca perder de vista as suas personagens, que servem de âncora à efusividade onírica da narrativa. Kon pode estar interessado em explorar e extrapolar os limites dos sonhos, mas regressa sempre aos sonhadores, independentemente da forma que possam assumir - às suas motivações, aos seus medos, aos seus traumas, aos seus desejos.

Perdemos Satoshi Kon demasiado cedo - faleceu em 2010, com apenas 46 anos, vítima de cancro. Deixou-nos quatro longas-metragens e uma série televisiva em pouco menos de quinze anos, mas o que não falta é carreiras de décadas com menos trabalhos tão relevantes e tão influentes. Paprika, o seu último filme, será sem dúvida o pináculo do seu trabalho e um resumo perfeito dos seus temas que lhe eram mais caros.

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