Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

A angústia do guarda-redes antes do penalty.

Luís Menezes Leitão, 10.07.14

 

"A angústia do guarda-redes antes do penalty" (Die Angst des Tormanns beim Elfmeter) constitui um magnífico livro de Peter Handke, que serviu de guião a um filme de Wim Wenders. O livro retrata o drama de um canalizador, antigo guarda-redes, que fica desempregado, sendo que o desespero causado pela situação o leva a cometer um crime. Neste âmbito a descrição da sua habitual angústia antes do penalty corresponde a uma metáfora da vida. O guarda-redes não sabe para onde vai ser dirigido o remate mas, pelo que conhece do jogador, atira-se para onde espera que ele remate. Mas fica-lhe sempre a angústia: e se ele desta vez remata para outro lado? Da mesma forma, a vida faz-nos muitas vezes surgir situações que não esperamos, e com as quais por vezes não conseguimos lidar.

 

Quando li este livro há muitos anos sempre pensei que havia um erro de perspectiva: o guarda-redes não tem qualquer angústia antes do penalty, pois ninguém está à espera que ele defenda. Por isso, se não defender, ninguém o acusa de nada. Se defender, é um herói para todos. A angústia é toda do marcador, uma vez que é ele que sabe que todos o crucificarão se não conseguir marcar o penalty. Por isso, o marcador tem uma tarefa dificílima de marcar com precisão e ao mesmo tempo enganar o guarda-redes, dissimulando o sítio para onde vai rematar.

 

As circunstâncias fizeram, no entanto, com que ontem no Argentina-Holanda existisse uma verdadeira angústia do guarda-redes antes do penalty. É que, no jogo anterior com a Costa Rica, o treinador holandês, Van Gaal, decidiu substituir no último minuto de jogo o guarda-redes habitual, Jasper Cillessen, pelo seu suplente, Tim Krull, um especialista na defesa de penalties. Tim Krull desempenhou a tarefa na perfeição, ocupando totalmente a baliza e enervando os marcadores, o que apurou a Holanda perante uma Costa Rica que me pareceu mais forte. Mas, ao que consta, Jasper Cillessen ficou furioso, pois não tinha sido previamente avisado dessa estratégia.

 

Talvez por esse motivo, num jogo que me pareceu que estava fadado para ser decidido por penalties desde o primeiro minuto, Van Gaal deixou esgotar as substituições, pelo que acabou por ser Cillessen a defender os penalties. É verdade que o mesmo tinha feito uma extraordinária exibição durante o jogo, mas notou-se claramente que acusou o peso de ter que defender os penalties, uma área em que manifestamente não é especialista. Duas vezes se atirou para o lugar certo e das duas não conseguiu segurar a bola, sendo então o útimo remate um frango monumental.

 

Daqui fica demonstrado como Van Gaal errou ao não substituir outra vez o seu guarda-redes, que sabia perfeitamente não estar vocacionado para defender penalties. Em A Arte da Guerra, Sun-Tzu escreveu: "Se conheces o teu inimigo e te conheces a ti mesmo, se tiveres cem combates a travar, cem vezes serás vitorioso. Se ignoras o teu inimigo e te conheces a ti mesmo, as tuas chances de perder e de ganhar serão idênticas. Se ignoras ao mesmo tempo o teu inimigo e a ti mesmo, só contarás os teus combates por derrotas".

9 comentários

Comentar post