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Delito de Opinião

A acusação para censurar

João André, 19.01.18

O Pedro dedicou dois posts para acusar os movimentos #metoo e Time's Up de censura. Tenho a certeza que a única coisa que o Pedro está a pensar é que estes movimentos têm que controlar a sanha acusatória e está a procurar colocar água na fervura. Está no entanto a fazê-lo de forma errada.

 

A verdade é que me estou nas tintas para as acusações a Woody Allen. Ele já as sofre há décadas (e com boas razões) e nunca teve reais problemas. Também me estou nas tintas para as acusações às outras figuras do entretenimento. Estas surgem precisamente porque os seus alvos são pessoas que têm uma imagem a defender e, como tal, estão mais expostas e não podem reagir de forma tão agressiva como alguns outros.

 

Quantas acusações ficam por fazer? Quantas mulheres espalhadas por todo o tipo de indústrias não falam do que sofrem por medo? Ou quantas são ameaçadas, chantageadas, ignoradas e - sim!, digamo-lo - censuradas por terem acusado alguém? O The Guardian reportou uma cultura de abusos na ONU e subsequente cultura de encobrimento. Quantos outros locais não são iguais? Quantas mulheres foram abusadas por Weinstein ao longo dos anos porque estas acusações não surhiram mais cedo?

 

A verdade é que se este movimento cometará exageros (qual o movimento que não o faz?, pergunto eu mais uma vez) também estará a ajudar as mulheres a finalmente falar das suas situações com menos medo ou, pelo menos, sabendo que têm outras mulheres que as compreendem, que sofreram o mesmo.

 

Acusar este movimento de censura, quando ainda não tem um ano de existência, quando veio a público de forma mais clara ainda não há um mês, não serve para mais que querer empurrar as mulheres para o buraco onde estiveram enfiadas e dizer-lhes «fica mas é quietinha e tem respeito pela mão que te dá de comer!». Na verdade, mesmo sem essa intenção, acusar o movimento de censura nada mais fará que o censurar. São tácticas trumpianas.

 

Querem que estas mulheres saiam do buraco? Deixem-nas falar. Deixem-nas acusar. Quando as acusações não tiverem fundamento, deixem que isso seja apurado de forma correcta. Quererem que elas se calem é voltar a oprimi-les. Quantas mais mulheres falarem, mais facilmente os casos graves se compreenderão.

 

Até lá, não notei que Allen, Franco ou Ansari tenham perdido contratos. Já as mulheres que os acusaram possivelmente estão hoje a ser riscadas de listas. Não admira que algumas escolham o anonimato*.

 

* - ela não é anónima. Está perfeitamente identificada para o/a jornalista que a entrevistou. Não dar o nome publicamente numa entrevista não é anonimato. Como o Pedro bem o deveria saber.

2 comentários

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    João André 19.01.2018

    Caro Vento, claro que tem razão que os casos de abuso não são exclusivamente de homens sobre mulheres. No entanto a esmagadora maioria sê-lo-ão. É uma simples questão de poder, como já escrevi múltiplas vezes. Os homens tendem a ter mais poder que as mulheres (quanto mais não seja sob a forma física) e esse poder, que têm desde há séculos, pode levar a abusos mesmo que involuntários.

    Alguns casos são de civismo. Outros de justiça. Ambos devem ser denunciados quando são prática comum.
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