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Delito de Opinião

Um favor ao Governo

Pedro Correia, 18.06.25

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Um micropartido político, o PCP, acaba de fazer um inestimável favor ao Governo recém-empossado. Concedendo-lhe expressiva vitória no parlamento. A moção de rejeição apresentada pela residual bancada rubra só obteve dez votos favoráveis - os três do grupo proponente, os seis do Livre e a deputada única Mariana Mortágua, legítima herdeira da velha UDP, que nas primeiras legislaturas ocupava o solitário assento da extrema-esquerda. O PAN, tão solitário como o BE, absteve-se. Toda a restante câmara legislativa chumbou a anémica moção comunista: PSD, Chega, PS, IL, CDS e JPP. Ou seja, 219 em 230 deputados. Difícil haver maioria mais ampla do que esta.

Luís Montenegro deve enviar um cartãozinho de agradecimento ao Comité Central. Cortesia quase obrigatória, atendendo ao que hoje aconteceu no hemiciclo.

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 18.06.25

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Livro sete: Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubens Paiva

Edição D. Quixote, 2025

271 páginas

 

Há momentos que mudam a vida de uma pessoa para sempre. Aconteceu com Marcelo Rubens Paiva num dia que ele jamais esquecerá. Foi a 20 de Janeiro de 1971, feriado municipal no Rio de Janeiro, sufocante jornada de Verão: sujeitos ligados à aeronáutica militar entraram sem avisar na residência da família, na zona Sul da cidade, e levaram com eles o pai. Rubens Beyrodt Paiva nunca mais foi visto.

Engenheiro de profissão, antigo deputado, neto de imigrantes portugueses por via paterna, Beyrodt Paiva tinha 42 anos. Participou na equipa pioneira dos construtores de Brasília. Não lhe era conhecida militância política desde que integrara a bancada parlamentar do Partido Trabalhista entre 1962 e 1964, quando um golpe militar pôs fim ao regime democrático.

Na altura perdeu direitos políticos e esteve nove meses exilado na Europa. Regressado ao Brasil em 1965, trabalhou como engenheiro civil e detinha as empresas Geobrás e a Paiva Construtora. O pai, advogado e grande proprietário rural no estado de São Paulo, era apoiante assumido da ditadura castrense, então no seu período mais duro.

 

Naquele dia, Paiva foi conduzido ao quartel do comando da III Zona Aérea, onde começou a ser agredido. Depois levaram-no ao quartel da Polícia do Exército, onde seria alvo de sevícias até à morte ao som da canção “Jesus Cristo”, de Roberto Carlos. Sucumbiu implorando que lhe dessem água e repetindo sem cessar o próprio nome. Factos comprovados por outros detidos naquele antro de tortura.

Marcelo Rubens Paiva tinha 11 anos quando viu o pai sumir para sempre. A partir daí acompanhou de perto a tenaz luta da mãe, Eunice, em busca da verdade. Outras pessoas, no lugar dela, teriam desistido. Mas Eunice revelou fibra de resistente. Jamais baixou os braços. Desmontou todas as mentiras que o poder político e as cúpulas militares iam vomitando, sem assumirem o cobarde homicídio.

O corpo nunca seria recuperado.

 

Ainda Estou Aqui narra-nos esta história, dramaticamente verídica. História de que emerge, como heroína, a mãe do autor. Sem Eunice, o crime ficaria por investigar. Nem teria sido confirmado pela Comissão Nacional da Verdade, quatro décadas após o rapto e homicídio do malogrado engenheiro Paiva.

Ela ficou viúva com 41 anos e cinco filhos menores a seu cargo.  Marcelo, o único rapaz, confessa nesta tocante autobiografia de 2015 ter passado por um período traumático na pré-adolescência. «Me fechei. Meu olhar ficou triste, como o de nenhum outro moleque. Muitos me passaram a evitar. Eu era filho de um terrorista que atrapalhava o desenvolvimento do país, eles aprendiam com alguns pais e professores, liam na imprensa, viam nos telejornais.»

Durante demasiado tempo, nada se sabia do engenheiro: só que estava desaparecido. A família viu-se impedida de exercer o direito ao luto. Até hoje nem se sabe o dia exacto da sua morte, que terá ocorrido na madrugada de 22 de Janeiro de 1971. «Cada um dos filhos o enterrou à sua maneira, em épocas diferentes, silenciosamente. Depois de um, dois anos, dois anos e meio… O tempo era o seu atestado de óbito. A demora, a comprovação que faltava.»

Estamos perante um livro impressionante. Pungente a espaços, mas sem nunca puxar à lágrima fácil nem fazer a menor concessão a chavões ideológicos. Denota uma claridade moral que transparece também no recente filme homónimo de Walter Salles, com Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva, justamente galardoado com o Óscar para melhor filme estrangeiro.

A realidade, neste caso, confere forma e conteúdo à ficção. Nada disto exclui a arte. Porque a arte, sendo autêntica, é prolongamento natural da vida.

 

Sugestão 7 de 2016:

O Bosque, de João Miguel Fernandes Jorge (Relógio d'Água)

Sugestão 7 de 2017:

1933 Foi um Mau Ano, de John Fante (Alfaguara)

Sugestão 7 de 2018:

O Visitante da Noite & Outros Contos, de B. Traven (Antígona)

Sugestão 7 de 2019:

Um Futuro de Fé, do Papa Francisco e Dominique Wolton (Planeta)

Sugestão 7 de 2020:

Acordo Ortográfico - Um Beco Com Saída, de Nuno Pacheco (Gradiva)

Sugestão 7 de 2021:

O Silêncio, de Don DeLillo (Relógio d'Água)

Sugestão 7 de 2022:

Diários (1950-1962), de Sylvia Plath (Relógio d'Água)

Sugestão 7 de 2023:

«O Mais Sacana Possível», de António Araújo (Tinta da China)

Sugestão 7 de 2024:

Inglaterra: Uma Elegia, de Roger Scruton (Guerra & Paz)

DELITO há cinco anos

Pedro Correia, 18.06.25

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Cristina Torrão«É triste que tenham de surgir desgraças, a fim de que certos temas sejam finalmente abordados. Temos de desenvolver uma nova cultura da alimentação, começando pelas crianças, uma cultura que nos leve a dar mais valor ao que temos no prato. Um bife, ou uma febra, não é a mesma coisa que um pedaço de cartão.»

 

José Meireles Graça: «Anunciar com solenidade no palácio de Belém uma fase final de futebol só não é motivo para as gargalhadas de escárnio do país porque o país não sabe rir de si mesmo. Uma elite do pensamento e da magistratura de influência poderia fazê-lo – se existisse.»

 

Paulo Sousa: «Era uma vez um país em que um quinto dos seus cidadãos vivia na pobreza ou no seu limiar, que tinha recebido milhares de milhões de euros por ano em transferências de fundos europeus, que mesmo assim tinha conseguido ir à falência, e que depois disso continuava a aumentar a sua dívida em várias dezenas de milhares de milhões euros por ano. Nesse país, um dia reuniram-se as três principais figuras de Estado para anunciar pelas televisões ao país que - orgulho! - a Final da Champions seria realizada na nossa capital!!»

 

Eu: «Vivi com José Saramago um dos momentos mais gratificantes da minha vida profissional. Aconteceu em Maio de 1981, quando o Círculo de Leitores, a propósito do lançamento da sua Viagem a Portugal, convidou um grupo de jornalistas a acompanhar o escritor numa deslocação ao interior do País em que ele próprio fez de cicerone. Foram três dias à descoberta de um Portugal que muitos de nós desconhecíamos, com etapas em locais deslumbrantes, como Sortelha, Marialva e Cidadelhe.»

Não cumpre os mínimos

Pedro Correia, 17.06.25

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André Ventura hoje no seu melhor: enquanto Rui Paulo Sousa, um dos principais deputados do seu partido, discursava na tribuna da Assembleia da República, durante o debate do programa do XXV Governo Constitucional, ele falava aos jornalistas, do lado de fora da sala das sessões, anunciando uma iniciativa parlamentar qualquer.

Este homem não cumpre os mínimos, nem para os dele. Que falta de chá.

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 17.06.25

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Livro seis: Se Eu Quisesse, Enlouquecia, de João Pedro George

Edição Contraponto, 2025

895 páginas

 

Espécie de dois-em-um: extensa biografia por um lado, ambicioso ensaio analítico da poesia de Herberto Helder por outro. Tudo mesclado em 50 desequilibrados capítulos – consequência de querer dar o passo maior do que a perna. Haveria vantagem em separar os dois segmentos. E eliminar óbvias redundâncias em edições posteriores deste Se Eu Quisesse, Enlouquecia (verso de Herberto). Exemplo: quando chegamos à página 40 já lemos cinco vezes que ele nasceu a 23 de Novembro de 1930. Não havia necessidade.

Com tais ressalvas, cumpre sublinhar: este livro capta a atenção até daqueles que nunca se interessaram pela obra de um escritor que para alguns - com manifesto exagero - é, a par de Fernando Pessoa, o melhor poeta de Portugal no século XX.

Desde logo, há aqui inegável valor documental. Em três marcos assinaláveis. Primeiro: a infância e a adolescência do madeirense Herberto Helder de Oliveira na ilha-natal a que só voltaria uma vez, de fugida, após trocar em definitivo o Funchal por Lisboa. Segundo: a sua passagem por Luanda em 1971-1972, única experiência africana (e extra-europeia) na sua vida largamente sedentária. Terceiro: a minuciosa descrição da atmosfera intelectual de Lisboa, entre os anos 50 e 90, com as suas invejas, as suas quezílias, os seus grupinhos, o seu estendal de pequenas e médias mediocridades.

Enfim, a vida de Herberto Helder daria um filme. Por enquanto, deu um livro enorme. Só isto já justificaria a leitura desta descomunal biografia que levou anos a concretizar, vencendo resistências de toda a ordem. Começando pela do biografado, que foi ocultando aspectos essenciais da sua vida privada, o que contribuiu para a aura de que usufruiu a partir de certa altura. E que ele próprio reforçou, recorrendo a requintadas artimanhas de marketing literário: impôs tiragens reduzidas, com o anúncio prévio de que não haveria reedições e até a proibição da venda de mais de um exemplar por cliente. Isto gerou preços astronómicos das suas obras no mercado de revenda, aumentando o valor de troca e suscitando o fenómeno do «fetichismo da primeira edição». Servidões (2013) chegou aos 460 euros. O raríssimo Kodak (1969) ultrapassou tudo, oscilando entre 900 e 2800 euros. «Os livros de Herberto Helder entravam assim numa bolsa de valores que nada tem a ver com as leis da consagração de um escritor.»

Recusou prémios - incluindo o Pessoa, do Expresso, em 1994. Negava entrevistas. Impedia que o fotografassem e evitava repastos com políticos. Mário Soares, por exemplo, queria muito conhecê-lo. Mas não chegou a ser bem-sucedido nos reiterados convites que lhe fez para almoçarem juntos.

No fundo, era alguém que muitos descreviam nesta síntese: «Era um bicho de concha, taciturno e tímido, esquivo nas suas aparições. De uma reserva quase agressiva.» Outros observam que «a sua poesia é uma luta furiosa contra a morte».

Também envolto em numerosas contradições. Proclamando feroz independência intelectual, aceitou dois «subsídios de mérito cultural» atribuídos por diferentes governos e uma avença vitalícia da Fundação Gulbenkian. Vigiado pela PIDE, assinou documentos em que exprimia adesão ao regime salazarista. Em 1980, inscreveu-se no Partido Comunista mas afastou-se sem demora. O editor Aníbal Fernandes, que o conheceu muito bem, faz esta síntese das suas ideias políticas: «O Herberto, além de ser uma pessoa perfeitamente instável nesse tipo de coisas, nunca foi uma pessoa de esquerda. Politicamente, o Herberto era de uma direita anarquista, se é que essas duas coisas se podem juntar.»

João Pedro George, durante anos, leu centenas de cartas escritas pelo poeta a várias pessoas com quem manteve intimidade. Falou com largas dezenas de outras, que lhe prestaram preciosos depoimentos – começando pela viúva, Olga Lima, cuja vida também daria um filme. Assim abriu caminho. Esta biografia torna-se desde já obra de referência a partir da qual outras gravitarão.

 

Sugestão 6 de 2016:

Axilas e Outras Histórias Indecorosas, de Rubem Fonseca (Sextante)

Sugestão 6 de 2017:

O Tesouro, de Selma Lagerlöf (Cavalo de Ferro)

Sugestão 6 de 2018:

Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho (Porto Editora)

Sugestão 6 de 2019:

Como Ser um Conservador, de Roger Scruton (Guerra & Paz)

Sugestão 6 de 2020:

Fósforos e Metal Sobre Imitação de Ser Humanode Filipa Leal (Assírio & Alvim)

Sugestão 6 de 2021:

Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente, de João Céu e Silva (Contraponto)

Sugestão 6 de 2022:

O Barulho das Coisas ao Cair, de Juan Gabriel Vásquez (Alfaguara)

Sugestão 6 de 2023:

Professor Unrat, de Henrich Mann (E-primatur)

Sugestão 6 de 2024:

Canção de Rolando (E-primatur)

DELITO há cinco anos

Pedro Correia, 17.06.25

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Eu: «A melhor prova da falta de escrutínio actual dos partidos políticos por um jornalismo que oscila entre a mediocridade militante e o mero cumprimento da agenda oficial, como se picasse o ponto numa repartição pública, é-nos exibida, por estes dias, com a crise existente no PAN - partido encabeçado por André Silva, o líder político que goza de "melhor imprensa" em Portugal. (...) Temos, portanto, uma crise aberta neste partido cuja génese ocorreu à margem do escrutínio informativo. Os jornalistas que cobrem as actividades políticas, neste caso, foram os últimos a saber. Caso para concluir, portanto, que também o jornalismo está em crise - por desinteresse, por falta de investimento, pela contínua sangria dos melhores quadros, pela proliferação de "publirreportagens" que cada vez mais invadem o espaço noticioso. Num passado pouco distante, nunca algo semelhante teria acontecido.»

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 16.06.25

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Livro cinco: O Pacto Nazi-Soviético, de Manuel S. Fonseca

Edição Guerra & Paz, 2025

143 páginas

 

Durante 22 meses, entre Agosto de 1939 e Junho de 1941, a Alemanha nazi e a Rússia comunista uniram-se em aliança. Política, económica, militar. Contra as «decadentes» democracias liberais do continente europeu, que esmagaram em obscena parceria naquele terço inicial da II Guerra Mundial – a mais mortífera de todos os tempos, com 27 milhões de mortos.

Peça fundamental neste conluio foi o tratado de não-agressão assinado na capital soviética pelos chefes das diplomacias de Moscovo e Berlim, sob o olhar sorridente de Estaline, em 23 de Agosto de 1939. Serviu de detonador para a invasão, violação e mutilação da Polónia: alemães na metade ocidental, russos na parcela restante. As primeiras vítimas da guerra tombaram lá.

«O pacto foi um desastre moral, militar e humano», assinala Manuel S. Fonseca, ensaísta e editor, nesta obra tornada ainda mais oportuna desde que Vladimir Putin invadiu em força a Ucrânia, há mais de três anos, numa tentativa - felizmente falhada - de mimetizar a Blitzkrieg conduzida pelos nazis contra diversos países europeus em 1939-1940: Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Dinamarca, Noruega, França. Após a anexação da Áustria, a conquista da Checoslováquia e a captura da Polónia. Como ensinou Marx, a História repete-se, resvalando da tragédia à farsa.

O que nos traz O Pacto Nazi-Soviético? O que mais importa: factos. Alguns já esquecidos, outros deliberadamente ignorados. Por serem incómodos. Por desmentirem certas narrativas pseudo-heróicas.

Falam as evidências: «Foi o acordo com Estaline que garantiu a Hitler as costas quentes a leste e providenciou até às tropas do III Reich os meios – petróleo, borracha e outras matérias-primas – que punham em movimento o exército nazi. Foi Estaline quem alimentou o monstro.»

Esta obra fala-nos dos antecedentes do pacto e das negociações que o tornaram possível. Transcreve o seu articulado na íntegra. E as cartas que Hitler e Estaline trocaram antes de se rubricar o documento. Inclui o protocolo suplementar secreto, que atribuía à União Soviética “direito de pernada” sobre diversos Estados: Finlândia, Estónia, Letónia e Lituânia, além de parte da Polónia e da Roménia. Outros protocolos, subscritos pelas diplomacias dos dois países a 28 de Setembro daquele ano, demarcaram zonas de influência. Tudo isto é lembrado aqui.

A 22 de Setembro de 1939, uma parada conjunta em Brest-Litovsk (Bielorrússia) selou a infame aliança comuno-nazi. Na presença do general alemão Heinz Guderian e do general soviético Semyon Krivoshein. A gratidão de Hitler levou-o a oferecer à Rússia 200 milhões de marcos e vários barcos de guerra, incluindo um cruzador.

Em Janeiro de 1941, a parceria reforçou-se com a assinatura do Acordo Germano-Soviético Comercial e de Fronteiras em que o Kremlin reclamava a posse da Bulgária, do Irão e até do Iraque.

Quando a Polónia caiu, Estaline congratulou-se junto de Georgi Dimitrov, cabecilha da Internacional Comunista: «A destruição deste Estado, nas presentes circunstâncias, significa um Estado burguês fascista a menos!» Quando a propaganda oficial de Moscovo repetia sem escrúpulos nem pudor a palavra paz.

Fascismo e comunismo irmanados então, tal como hoje – basta ver que forças políticas votam a favor de Putin no Parlamento Europeu. Há coisas que não mudam.

 

Sugestão 5 de 2016:

Telex de Cuba, de Rachel Kushner (Relógio d' Água)

Sugestão 5 de 2017:

Coração de Cão, de Mikhail Bulgákov (Alêtheia)

Sugestão 5 de 2018:

Octaedro, de Julio Cortázar (Cavalo de Ferro)

Sugestão 5 de 2019:

Júlio de Melo Fogaça, de Adelino Cunha (Desassossego)

Sugestão 5 de 2020:

Por Amor à Língua, de Manuel Monteiro (Objectiva)

Sugestão 5 de 2021:

Gramática Para Todos, de Marco Neves (Guerra & Paz)

Sugestão 5 de 2022:

As Praias de Portugal, de Ramalho Ortigão (Quetzal)

Sugestão 5 de 2023:

Como Perder uma Eleição, de Luís Paixão Martins (Zigurate)

Sugestão 5 de 2024:

A Porta, de Magda Szabó (Cavalo de Ferro)

DELITO há cinco anos

Pedro Correia, 16.06.25

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Luís Naves: «A pandemia podia ter destruído preconceitos sobre aquelas profissões invisíveis que antes nem eram consideradas, mas que se revelaram cruciais para a sobrevivência. Bastava sair à rua durante a quarentena para perceber a importância dos trabalhadores dos supermercados, que corriam risco diário; era finalmente possível compreender a importância dos motoristas de transportes ou dos profissionais de saúde (tantas vezes maltratados); ou dos agricultores que continuaram a produzir os alimentos ou dos comerciantes de bairro que os distribuíam e vendiam. Houve um pequeno período em que se aplaudiram os esforços dos médicos e enfermeiros, mas essa fase emocional já passou. Quem é que hoje quer saber das condições de trabalho nos hospitais?»

 

Eu: «Se alguém me perguntar qual é o mais belo fado de sempre, responderei sem hesitar que é este. Nascido à revelia do que geralmente acontece: primeiro surgiu a música, só depois é que chegou a letra – a pedido expresso do compositor e após algumas recusas do poeta. (...) Gaivota permanecerá para sempre ligada a Amália, incomparável intérprete desta canção condoída, que transforma a dor numa paradoxal exaltação da felicidade - tanto mais intensa quanto mais fugaz e nostálgica. Com palavras que se colam à música em respiração entrelaçada, raiz e asa, chão e céu em simultâneo. Palavras como estrelas que nos inspiram e iluminam mesmo na noite mais escura da existência, companheiras perpétuas até em momentos de dilacerante solidão.»

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 15.06.25

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Livro quatro: Autocracia Inc., de Anne Applebaum

Edição Bertrand, 2024

192 páginas

 

Caminharemos de modo irreversível para um mundo iliberal, onde autoritarismos de diversos matizes impõem a lei da força? Historiadora e jornalista, especializada na investigação de temas ligados à Europa de Leste e à Rússia, a norte-americana Anne Applebaum era repórter da revista britânica The Economist quando caiu o comunismo na Polónia, início da derrocada da Cortina de Ferro. Foi colunista do Washington Post e editora-adjunta da revista The Spectator, hoje escreve ensaios noutra publicação de referência: The Atlantic. Em 2004 recebeu o Prémio Pulitzer de não-ficção por Gulag: Uma História, assombrosa descida ao inferno dos campos da morte soviéticos. 

Autocracia Inc. toma como ponto de partida a brutal agressão da Federação Russa à Ucrânia, em Fevereiro de 2022, com Vladimir Putin a tentar impor um anacrónico e aberrante "direito de pernada" ao Estado vizinho, combinando a lógica feudal do czarismo com o impiedoso desprezo pela vida humana que Estaline sempre evidenciou. 

«Prenderam funcionários do governo e líderes cívicos: presidentes de câmara, polícias, directores de escolas, jornalistas, artistas, conservadores de museus. Construíram câmaras de tortura para civis na maior parte das povoações que ocuparam no sul e leste da Ucrânia. Raptaram milhares de crianças, arrancando algumas aos braços das famílias e retirando outras de orfanatos, deram-lhes novas identidades "russas" e impediram o seu regresso à Ucrânia. Atingiram deliberadamente os trabalhadores dos serviços de emergência. Varrendo para um canto os princípios de integridade territorial que a Rússia tinha aceitado na Carta das Nações Unidas e nos Acordos de Helsínquia, Putin anunciou, no Verão de 2022, a sua intenção de anexar território que o seu exército nem sequer controlava» (pp. 21-22, tradução de Joaquim Gafeira.)

Este ensaio é uma lúcida, apaixonada e vibrante defesa da democracia liberal num mundo em que a ameaça dos regimes autocráticos se consolida em diferentes latitudes. Da Bielorrússia onde vigora a mais velha ditadura da Europa à Venezuela chavista hoje transformada em narco-Estado sob a força dos fuzis, sem esquecer a anquilosada teocracia iraniana, especializada em enforcar jovens que se atrevem a contestar os dogmas islâmicos e em torturar mulheres por ousarem sair à rua de cabelo descoberto.

Applebaum não tem dúvidas: estamos hoje ameaçados por um implacável eixo de autocracias com características divergentes mas unidas pelo ódio à liberdade. Estes regimes cultivam afinidades com Estados onde os mecanismos formais da democracia se mantêm, embora em situação precária: Turquia, Israel, Hungria, Índia, Filipinas. Assim se desenha uma nova geopolítica, marcada pelo condicionamento ou supressão de direitos fundamentais. Na actual circunstância, impõe-se uma palavra de ordem: resistir. Obras como esta são passos fundamentais no combate ao despotismo global.

 

Sugestão 4 de 2016:

Páginas de Melancolia e Contentamento, de António Sousa Homem (Bertrand)

Sugestão 4 de 2017:

Os Filipes, de António Borges Coelho (Caminho)

Sugestão 4 de 2018:

Não Respire, de Pedro Rolo Duarte (Manuscrito)

Sugestão 4 de 2019:

Dois Países, um Sistema, de Rui Ramos e outros (D. Quixote)

Sugestão 4 de 2020:

Que Nós Estamos Aqui, de João Tordo (Fundação Francisco Manuel dos Santos)

Sugestão 4 de 2021:

Uma História da ETA, de Diogo Noivo (E-primatur)

Sugestão 4 de 2022:

História de um Homem Comum, de George Orwell (E-primatur)

Sugestão 4 de 2023:

Biblioteca Pessoal, de Jorge Luis Borges (Quetzal)

Sugestão 4 de 2024:

Tempestades de Aço, de Ernst Jünger (Guerra & Paz)

DELITO há cinco anos

Pedro Correia, 15.06.25

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Sérgio de Almeida Correia: «As notícias deste fim-de-semana do reaparecimento de um surto epidémico na capital chinesa e em Liaoning, com dezenas de casos de transmissão doméstica, e obrigando a novas medidas de confinamento, vêm colocar em causa a rapidez com que se propagandearam os tão aclamados êxitos. Para desgraça de todos nós, e dos bodes expiatórios do regime, o mal continua por aí, à solta, em todo o mundo, embora mais nalguns países do que noutros.»

 

Eu: «O impensável vai acontecendo por estes dias. Com o populismo mais radical a dominar a agenda política e a fazer recuar os governantes timoratos, que gostam de apregoar as virtudes do "centro" mas ajoelham e rendem-se à primeira gritaria extremista que ouvem ao virar da esquina. Nada é tão vergonhoso, para mim, como aquilo a que temos assistido em Londres. (...) Confesso: é com indisfarçável repulsa que vejo estas imagens de Londres, captadas nos últimos dias. Com a estátua de Churchill conspurcada por aqueles que, se não fosse ele, andavam agora a marchar de braço ao alto em hossanas a um verdugo austríaco especializado em gasear judeus, cristãos, ciganos, homossexuais e comunistas.»

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 14.06.25

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Livro três: A Tradução do Mundo, de Juan Gabriel Vásquez

Edição Alfaguara, 2024

149 páginas

 

Livro que se recomenda a todos os apaixonados pela literatura. Escrito por um deles: o romancista Juan Gabriel Vásquez, autor de O Barulho das Coisas ao Cair, uma das melhores obras de ficção surgidas neste primeiro quartel do século XXI. Prosa em carne viva, dissecando com desassombro a tragédia do terrorismo ligado ao narcotráfico, que paralisou o Estado e estilhaçou a sociedade na Colômbia, seu país natal.

Passou com distinção no teste do romance, género que Balzac dizia ser «a história privada das nações». Superou as fasquias mais exigentes também no conto - ainda tão menosprezado por certas bempensâncias, obecadas em medir com fita métrica a qualidade da ficção. O seu talento ficou evidente em Canções Para o Incêndio: nada a ver com o lirismo fantasioso e algo ingénuo inscrito no realismo mágico, que teve outro colombiano - Gabriel García Márquez - como cultor supremo. Nestes contos, tal como no romance que lhe deu fama, Vásquez alude à violência inscrita num quotidiano de aparente normalidade e à culpa que lhe está associada.

A Tradução do Mundo resulta de um ciclo de conferências que proferiu a convite da Universidade de Oxford sobre a ficção como espelho da vida e bisturi da sociedade. Destacando a perenidade do romance, que sobreviveu a mil sentenças de execução proferidas por gurus de cenáculos académicos que se gabam de ter lido tudo e já não se surpreendem com nada. Proclamou-se o seu óbito no início dos anos 60, coincidindo com as mortes consecutivas de Hemingway e Faulkner. Inscreveu-se o seu precipitado epitáfio quando surgiu o nouveau roman que sepultava personagens, enredos, ideias, verosimilhança - prestando tributo ao vácuo, abrindo alas à ilegibilidade.

Mas a literatura tem múltiplas vidas. Mudam os séculos, sucedem-se as gerações, alternam-se vagas doutrinárias - e ela resiste, contra ventos e marés. Encontramos aqui pistas para decifrar o enigma. Eis uma: «A ficção existe porque as nossas verdades são diversas e porque há forças que limitam as nossas liberdades; dito de outro modo, a ficção existe porque não aceitamos de bom grado que a vida humana tenha limites. É talvez por isso que continuamos a precisar dela: por pura rebeldia.»

Juan Gabriel Vásquez conduz o leitor numa fascinante digressão por obras-primas da literatura mundial: Em Busca do Tempo PerdidoGuerra e PazMemórias de AdrianoCem Anos de SolidãoConversa na CatedralO Coração das TrevasLord JimO Bom SoldadoBeloved. Partilhando sem hesitar algumas das suas paixões literárias. «Tornamo-nos homens (ou mulheres) enquanto lemos - em busca de algo similar, temos, pois, recorrido à ficção ao longo dos séculos», conclui. Impossível não nos sentirmos contagiados.

 

Sugestão 3 de 2016:

Política, de David Runciman (Objectiva)

Sugestão 3 de 2017:

A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade (Companhia das Letras)

Sugestão 3 de 2018:

Cebola Crua com Sal e Broa, de Miguel Sousa Tavares (Clube do Autor)

Sugestão 3 de 2019:

Lá Fora, de Pedro Mexia (Tinta da China)

Sugestão 3 de 2020:

ABC da Tradução, de Marco Neves (Guerra & Paz)

Sugestão 3 de 2021:

Intervenções, de Michel Houellebecq (Alfaguara)

Sugestão 3 de 2022:

O Meu Irmão, de Afonso Reis Cabral (Leya)

Sugestão 3 de 2023:

Malina, de Ingeborg Bachmann (Antígona)

Sugestão 4 de 2024:

Memórias Minhas, de Manuel Alegre (D. Quixote)

DELITO há cinco anos

Pedro Correia, 14.06.25

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Diogo Noivo: «Em tempos de polarização, nativismo e infantilismo, rejeitar os extremos e abraçar os princípios iluministas é um acto revolucionário.»

 

José Meireles Graça: «Atochei-me de cerejas, dias a fio, mas dou-me conta de que faltou a ração anual de análises argutas sobre o Maio de 68, substituídas pela pandemia da histeria covidiana.»

 

JPT: «O Estado não pode ter no seu serviço noticioso alguém que tem este entendimento do jornalismo. Não é um caso de incompetência nem um erro. É a vigência, descarada, da concepção de que ser jornalista é manipular factos e opiniões, e sem qualquer limite.»

 

Luís Naves: «Toda a gente tem um smartphone e pode filmar uma atrocidade na rua. As imagens espalham-se como um vírus, mesmo quando os fragmentos são incompletos ou fora do contexto. Já não há realidade única, mas muitas, algumas que se desmentem entre si, o que força a sociedade a dividir-se em bolhas, onde se refugiam tribos incapazes de aceitar pontos de vista alternativos. Com a pandemia e os seus efeitos, esta mudança geral só pode acentuar-se.»

 

Paulo Sousa: «Há uns anos, ao ler uma revista, tropecei numa citação de Plutarco, segundo quem o acaso é Deus quando viaja incógnito. Como é que a ciência e a razão explicam estes acasos?»