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Delito de Opinião

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (35)

João André, 02.11.22

1953, Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina

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Hans Adolf Krebs, «pela sua descoberta do ciclo de ácido cítrico [hoje muitas vezes chamado de ciclo de Krebs]».
Fritz Albert Lipmann, «pela sua descoberta da co-enzima A e a sua importância como imtermediário para o metabolismo».

O ciclo de Krebs é um dos mecanismos fundamentais das células para produção de energia guardada no organismo. Como tal, as sua importância não pode ser minimizada. A co-enzima A é absolutamente fundamental para o funcionamento do ciclo de Krebs, pelo que sem ela o processo não é possível.

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (34)

João André, 01.11.22

1936, Prémio Nobel da Química

034 Debye100.jpg

Peter Debye, «[pelo seu trabalho] sobre a estrutura molecular através das suas investigações sobre momentos dipolares e difracção de Raios X e electrões em gases».

O trabalho de Debye sobre momentos dipolares constituiu uma das principais bases dos meus estudos em Química na Universidade. É fundamental para entender o comportamento de múltiplas moléculas e ainda hoje uso partes do conhecimento gerado por ele no meu trabalho.

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (33)

João André, 01.11.22

1933, Prémio Nobel da Física

033 Erwin_Schrödinger_(1933).jpg033 Paul_Dirac,_1933.jpg

Erwin Schrödinger, Paul Dirac, «pela descoberta de novas formas produtivas da teoria atómica».

Schrödinger era um génio, mas também uma pessoa desprezível. Não só detestava o uso a que outros físicos deram às suas equações sobre ondas - criou a famosa analogia d'O Gato de Schrödinger para troçar da natureza probabilística das teorias quânticas - mas era também um pedófilo com uma história (documentada por ele próprio) de abuso sexual de menores. Comportamento em parte mitigado pela sua oposição ao nazismo e que o obrigou a sair da Alemanha.

Paul Dirac era uma figura algo suis generis, até para o grupo de génios com quem trabalhava e convivia regularmente. Há vários pequenos episódios sobre ele e sobre a sua vida dos quais ofereço apenas um: os seus colegas em Cambridge "criaram" uma unidade chamada "Dirac", definida como "uma palavra por hora". Dirac no entanto teve descobertas e formulações teóricas que ofereceram uma plataforma para desenvolver a Teoria Quântica. Entre outros aspectos, criou a equação de Dirac, que era uma equação de movimento relativístico para a função de onda do electrão (não vou entrar em pormenores para não escrever asneiras sobre assuntos dos quais entendo quase nada). Esta equação, entre outras coisas, permitiu antecipar a existência do positrão, ou seja, a "versão antimatéria" do electrão. A equação foi publicada em 1928 e em 1932 o positrão foi observado. As suas contribuições foram tais e abriram tantas possibilidades na Física, que se pode dizer que a sua importância é hoje maior que no tempo em que formulou as suas ideias.

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (31)*

João André, 31.10.22

1946, Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina

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Hermann Joseph Muller, «pela descoberta da produção de mutações por meios de irradiação de Raios X».

Muller teve mais algumas curiosidades na sua vida. Era um proponente de Eugenia, ou pelo menos de uma versão algo mais "suave" que não discriminava fortemente contra imigrantes. Os seus trabalhos no entanto demonstraram a importância e influência do meio ambiente no nosso código genético, assim ajudando a descridibilizar o conceito. Muller foi também um forte crítico do capitalismo tendo inclusivamente trabalhado e dirigido um laboratório em Leninegrado. Mais tarde, com a ascendência de Lysenko, acabou por sair da União Soviética.

O ponto mais importante terá no entanto sido a forma como demonstrou a influência de radiação em seres vivos. Isto veio a ser a base dos estudos sobre a influência de cinza nuclear (radioactive fallout) num mundo pós ataques nucleares sobre os seres vivos.

 

* - falta de tempo impediu-me de publicar a continuação nos últimos dias. Segue hoje.

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (29)

João André, 25.10.22

1934, Prémio Nobel da Química

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Harold Clayton Urey, «pela sua descoberta de hidrogénio pesado».

Urey descobriu o hidrogénio pesado (hoje recebe o nome de Deutério) em 1931 por via espectrográfica, mas conseguiu isolá-lo apenas em 1932, no mesmo ano que James Chadwick descobriu o neutrão. É difícil encontrar melhor simetria, dado que o neutrão é precisamente aquilo que permite a existência do deutério. O deutério é apenas um átomo de hidrogénio (que habitualmente tem apenas um protão e um electrão) ao qual se adicionou um neutrão. O trítio é um segundo isótopo do hidrogénio que tem dois neutrões.

Urey ficou igualmente famoso quando um dos seus estudantes, Stanley Miller, conduziu uma experiência (que ficou conhecida como Experiência Miller-Urey) em que colocou vapor de água, metano, amónia e hidrogénio (simulando uma atmosfera primordial), num balão ligado a água líquida (num segundo balão, para simular os oceanos). A mistura do primeiro balão foi então exposta a descargas eléctricas para simular relâmpagos. O resultado no balão com água resultou em vários aminoácidos. Experiências posteriores (e muito mais recentes) permitiram refinar os resultados e, nalguns casos, apontar alguns potenciais erros. No entanto na altura Urey brincou que «se Deus não a fez [a vida] desta forma, perdeu um belo truque».

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (27)

João André, 24.10.22

1932, Prémio Nobel da Física

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Werner Heisenberg, «pela criação da mecânica quântica, a aplicação da qual permitiu, inter alia, a descoberta das formas alotrópicas de hidrogénio».

Uma das curiosidades deste prémio Nobel é que surgiu do trabalho de Heisenberg com matrizes, para descrever o comportamento quântico. No entanto esta foi uma solução matemática para compnesar a sua incapacidade de observar fisicamente esse comportamento.

Uma adenda: o famoso Princípio da Incerteza de Heisenberg é frequentemente confundido com o "Efeito do Observador", que descreve a dificuldade em observar mais que uma propriedade porque o acto de observação para determinar uma das propriedades afecta o objecto a ser observado e assim impede a determinação de outra. O Princípio da Incerteza é antes uma propriedade física das partículas, que determina que certos pares de propriedades físicas (como a posição e o momento) só podem ser determinados com um certo grau de imprecisão. Aliás, o termo inicial que Heisenberg usou foi Ungenauigkeit, que significa "imprecisão", numa formulação mais correcta para o princípio em si.

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (23)

João André, 22.10.22

1932, Prémio Nobel da Química

23 Langmuir.jpg

Irving Langmuir, «pelas suas descobertas e investigações sobre química das superfícies».

Confesso que até há alguns anos, Langmuir era um nome que eu conhecia apenas pela existência do jornal que tem o seu nome (jornal bastante prestigiado, por sinal). Quando comecei a ler mais sobre ele, descobri porque razão é venerado por gerações de engenheiros químicos. Não só descobriu múltiplos efeitos que têm directa aplicação prática, também os explicou de forma eficiente e ofereceu fórmulas matemáticas que permitem prever tais efeitos. E, só para completar, foi quem inventou (com colaboradores) alguns dos principais componentes das lâmpadas incandescentes, como a introdução de um gás inerte ou o enrolar do filamento para aumentar a sua eficiência.

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (22)

João André, 21.10.22

1930, Prémio Nobel da Física

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Chandrasekhara Venkata Raman, «pelo seu trabalho sobre dispersão de luz e pela descoberta do efeito que recebeu o seu nome».

Confesso que aqui há um pouco de preferência pessoal. Usei o efeito Raman muitas vezes em análises de amostras ao longo da minha vida e a sua importância para o estudo de Física, Química, Biologia, História, Artes, etc, é difícil de compreender.

Constituições, Liberdade e Democracia

João André, 20.10.22

Ao longo dos anos que me habituei a ler uma crítica à Constituição portuguesa relativamente à sua extensão e especificidade, nomeadamente no que diz respeito a protecções e direitos. O contraponto tende a ser a Constituição dos Estados Unidos, curta, essencialmente simples e concisa, e que permite vê-la quase como uma tela em branco onde se colocam os direitos e deveres considerados importantes em cada era. É uma tese atraente e fácil de compreender e que comentadores e analistas (na sua maioria) de direita apoiam. Os de esquerda (habitualmente) contrapõem que se os direitos não forem explícitos, poderão ser ignorados, esquecidos ou perdidos. Compreendo os argumentos de um lado e de outro e, não sendo jurista (felizmente para mim), não entrarei nessa discussão.

Há no entanto algo que complica hoje a discussão. É mais que claro que constituições longas, muito explícitas e complexas não são ideais. Mesmo no que diz respeito a direitos e deveres, pode-se tomar uma posição que se não foram explicitados no texto não estão protegidos. Quanto mais complexas mais difícil torná-las coerentes e remover aspectos que se tornem obsoletos ou que talvez nunca lá devessem ter estado. Penso que muitas pessoas podem apontar aspectos da nossa Constituição que se adequam a tal descrição.

O reverso da medalha são os problemas que se causam quando as constituições são mais leves e abertas mas dependem da boa fé dos seus actores. Podemos olhar para os Estados Unidos e ver como a má fé de Trump quase corrompeu as últimas eleições presidenciais (e abriu caminho para que no futuro outros o imitem). Também se vê a forma como muitos no Partido Republicano estão hoje a tentar manobrar essa liberdade na Constituição para criar condições para a ignorar, subverter ou alterar, mesmo utilizando caminhos enviesados para tal. Não vou avaliar a exequibilidade de tais esforços (não tenho competências para tal) mas parece crível que possam ser bem sucedidas se certas condições existirem em simultâneo. Se os Republicanos forem bem sucedidos (ou estiverem lá perto), não demorará muito até que os Democratas os imitem.

As notícias de hoje vindas do Reino Unidos também dão que pensar. Num país sem Constituição escrita, vimos hoje a Primeira-Ministra, que não foi eleita nas eleições gerais, a demitir-se ao fim de 45 dias, e o processo a ser iniciado para escolher um sucessor. Este processo será completamente controlado pelo Partido Conservador, que não irá chamar eleições e poderá reduzir em muito o alcance da eleição do seu líder, podendo simplesmente sugerir um par de nomes (escolhidos pelos seus deputados) aos seus membros que poderão ter uma votação uns dias mais tarde. Tudo indica que o Reino Unido terá um novo Primeiro-Ministro, não eleito e potencialmente escolhido com uma base minúscula do eleitorado, a partir do fim da próxima semana.

Não quero com isto atacar as Constituições mais genéricas e abertas e defender as complexas e labirínticas. Apenas questiono se não será tempo de repensar nas Constituições para os tempos modernos. As mais complexas são incompreensíveis para a população comum. As mais simples estão abertas a abusos e subversões. Não levam em consideração os tempos modernos nem a forma como a informação se move hoje. Talvez seja hora de uma convenção das constituições. Não para criar uma constituição específica, mas para pensar naquilo que as constituições modernas devem ser.

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (19)

João André, 20.10.22

1930, Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina

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Karl Landsteiner, «pela sua descoberta de grupos sanguíneos humanos».

Landsteiner não descobriu simplesmente os principais grupos sanguíneos (A, B, O) logo em 1900/01. Em 1937 ele identificou também (com um colaborador) os factores Rhesus (Rh+, Rh-). Também identificou, juntamente com mais dois cientistas (Constantin Levaditi e Erwin Popper) o vírus da polio.

Cem Prémios Nobel justamente atribuídos (17)

João André, 19.10.22

1918, Prémio Nobel da Química

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Fritz Haber, «pela síntese de amónia a partir dos seus elementos».

Haber será uma das figuras mais complicadas na história da ciência. O seu trabalho na síntese de amónia foi fundamental para a produção em massa de fertilizantes, os quais dependiam imenso de guano (essencialmente os depósitos de excrementos de pássaros e morcegos), ricos em compostos de azoto e que eram extraídos de locais onde as aves faziam os seus ninhos. O processo, que recebeu o nome de Processo de Haber (ou de Haber-Bosch, para incluir o seu colaborador Carl Bosch) terá salvo da fome milhões de pessoas.

Infelizmente o processo Haber também ajudou os alemães a obter amónia para produzir os explosivos necessários e, pior ainda, Haber foi o principal responsável pelo desenvolvimento das armas químicas usadas pelos alemães durante a I Guerra Mundial. Haber era um entusiástico apoiante de armas química,s dizendo que «morte é morte» e defendia o seu trabalho neste campo dizendo que um «cientista pertence ao mundo em paz, mas ao seu país em guerra». Após a I Guerra Mundial, o instituto de Haber desenvolveu ainda a formulação do gás de cianeto Zyklon A, que foi usado no extermínio de judeus. Isto assume contornos ainda mais grotescos por Haber ter sido um judeu convertido a cristianismo, tal como as suas duas mulheres.

Pensar em Haber é pensar num homem cujo trabalho beneficiou milhões e causou a morte de milhares. Num homem que fazia avançar a ciência mas a subordinava aos caprichos do estado. Num homem que casou com a primeira mulher alemã a obter um doutoramento (igualmente em Química) e que era uma pacifista mas depois a condenou a uma existência doméstica enquanto ele seguia entusiasticamente para a guerra.