Não há sanções
Não há desculpas.
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Não há desculpas.
Com a realidade cada vez mais à porta, António Costa e demais «geringonceiros» intensificam os ataques à União Europeia. Não surpreende. Diogo Noivo já o referiu: arranjar um inimigo externo para disfarçar incompetências internas (ou, no caso, um descarado assalto ao poder, da única forma que se encontrava disponível) é manobra clássica para cerrar fileiras e calar dissidências. Na União Europeia, usa-a neste momento a «geringonça» como antes a usou o governo do Syriza. (E como a usam partidos, de direita e de esquerda, sequiosos de formas simples de ganhar votos - programas consistentes dão trabalho, obrigam a fazer escolhas e são frequentemente incompatíveis com a ideologia professada.) Na sequência disto, apenas ingénuos podem admirar-se de que os sentimentos anti-UE cresçam um pouco por todo o lado. Afinal, como estranhar que a vontade de um alemão médio (ou holandês, ou austríaco, ou luxemburguês, ou finlandês, ou polaco, ou checo, ou eslovaco, ou letão, ou lituano, ou estónio, ou esloveno, ou sueco, ou dinamarquês, ou britânico, ou belga, ou até mesmo francês ou irlandês), informado de que a situação económica de certos países piorou devido à acção dos mesmos políticos que, com a aparente concordância dos seus cidadãos, lhe surgem nos ecrãs televisivos e nas páginas dos jornais a imputar todos os problemas à União Europeia, seja mandar estes gajos à merda?
Holly Baxter, jornal Independent (a acumulação de ironias...). Tradução minha.
Nota: O título é uma espécie de homenagem a um filme de John Landis sobre três indivíduos um bocado pantomineiros.
Buttonwood, Another country, not my own. The Economist. (Tradução minha.)
O tempo causa distorções da memória. É um mecanismo de defesa compreensível: à medida que o futuro nos fica mais curto e as perspectivas de atingir tudo aquilo com que sonhámos diminuem, embelezamos o passado - algum momento tem que ter valido a pena. A Grã-Bretanha dos anos 70 (década de entrada na então CEE) era muito mais pobre e incomensuravelmente menos cosmopolita do que a Grã-Bretanha de hoje, não obstante as manifestações de xenofobia que vão chegando. E o mesmo se passa com Portugal: um atavismo antes de 1974 (*), uma barafunda depois dela, com duas bancarrotas em meia dúzia de anos, estradas estreitas e esburacadas, serviços públicos do século XIX e um nível indigente de protecção social. E, todavia, como na Grã-Bretanha («Reino Unido» ganhou subitamente uma conotação irónica), como em muitos outros países europeus, há quem acuse a União Europeia de contribuir para o empobrecimento da população; de originar problemas que, no essencial, têm quatro origens distintas: políticas internas erradas (que, por cá, a «geringonça» prossegue), a crise financeira de 2008, a evolução demográfica e a globalização. Faz sentido criticar a UE por ter reagido mal à crise financeira. Faz sentido criticá-la por não abraçar o proteccionismo em relação a outros blocos, se verdadeiramente se acredita que fazê-lo diminuiria os nossos problemas (pouca gente acreditará que, a nível global, o resultado fosse positivo). Não faz sentido lançar um olhar romântico sobre o passado e sustentar que a UE levou à degradação dos níveis de vida. Em países como a Grã-Bretanha, o mercado único trouxe benefícios enormes, ainda que eventualmente mal distribuídos pela população (mas esse era um problema da competência do governo britânico). Em países como Portugal, os níveis de vida quase só subiram por causa dos fundos comunitários e das taxas de juro a que a Zona Euro nos permitiu aceder. (E não, o euro não constitui o problema: a Venezuela está no limiar da bancarrota, apesar de ter moeda própria, e nós falimos duas vezes antes de o adoptar.) E também não faz sentido atacar a UE pelo facto de as suas instituições tentarem impor as regras que todos os países-membros aceitaram livremente e nas quais assenta o modelo que permitiu às suas nações mais ricas atingirem essa condição - o modelo que estabelece o equilíbrio orçamental e a competitividade do sector privado como base para o aumento da despesa pública. O que a «geringonça» vem fazendo em Portugal (e outros movimentos populistas defendem, em Espanha, na Grécia, em França, na Itália) não passa de uma tentativa para criar ilusões e alijar responsabilidades, de forma a manter (ou alcançar) o poder, que potencia fenómenos de rejeição de solidariedade nos países do Norte (o sentido de voto dos britânicos também expressou a recusa em ser contribuinte líquido da UE) e, pior ainda, forçará os portugueses (como forçou os gregos) a suportar mais um duro capítulo no ciclo aparentemente infindável em que períodos de estímulos errados, aos quais a economia reage cada vez menos, são seguidos por fases de correcção assentes em medidas cada vez mais duras. Pode bem acontecer que, mais tarde ou mais cedo, tudo isto leve à efectiva desagregação da União Europeia. E então cada país voltará a ter de viver com os próprios recursos. Estamos preparados para isso? (Ironia e paradoxo: estaremos tão melhor preparados quanto melhor seguirmos a estratégia da UE e, por conseguinte, quanto menor for o risco de saída.) Achamos mesmo que será melhor? Quando é que foi?
(*) Onde, apesar de tudo - e este tudo inclui uma guerra colonial -, o equilíbrio das contas públicas levou a alguma aproximação do nível de rendimento médio europeu.
O Reino Unido está de saída da União Europeia e algumas vozes mais populistas, nomeadamente, da senhora Marine Le Pen, dessa autêntica "personagem" dos Países Baixos chamada Geert Wilders ou do menos conhecido Matteo Salvino, líder da Liga do Norte em Itália, vieram agitar também a bandeira do referendo. No seio do edifício europeu só se passou a falar no início do fim da União e na possível saída de mais países, como se a organização de que actualmente fazem parte fosse a fonte de todos os seus problemas e não lhes tivesse proporcionado prosperidade e desenvolvimento. Normalmente, como noutras situações da vida, só se dá valor às coisas quando ficamos sem elas ou quando não as temos e as queremos ter.
Muitos parecem esquecer ou desconhecer que o espaço geográfico da União Europeia é um dos mais desenvolvidos e pacíficos do mundo, onde, apesar de todas as imperfeições, impera a democracia e a justiça social. E se entre os (ainda) 28 haja quem olhe para a União Europeia como um projecto iníquo e perverso, outros países, que estão do lado de fora, vêem na Europa um farol de esperança e progresso. E por isso, numa altura em que uns falam em sair, há outros que aprofundam a sua ligação à UE. Hoje, por exemplo, entraram em vigor em toda a sua plenitude os Acordos de Associação com a Geórgia e com a Moldávia, que permitirão aproximar aqueles países às realidades económica, política, social e cultural da União Europeia.
E já agora, também hoje se assinalaram cinco anos do Acordo de Livre Comércio entre a UE e a Coreia do Sul, que permitiu inverter uma situação de défice para excedente a favor do bloco europeu no que diz respeito à balança das trocas comerciais. Desde 2011 que as exportações europeias aumentaram 55 por cento para aquele país asiático, ao mesmo tempo que as empresas do Velho Continente pouparam 2,8, mil milhões de euros em impostos e taxas alfandegárias. O valor das trocas comerciais entre a UE e a Coreia do Sul atingiu em 2015 o valor recorde de 90 mil milhões de euros.
Notícias como estas há muitas, a questão é que são daquelas notícias que não aparecem nos jornais nem nas televisões e muito menos fazem parte do discurso dos políticos e do racional dos jornalistas, analistas e comentadores que por aí andam. Muitos deles, na verdade, nem sequer sabem do que falam ou escrevem, limitando-se a reproduzir banalidades e distorções sobre o projecto europeu, aquilo que ele é e aquilo que ele representa.
Votou pela extinção do seu próprio posto de trabalho.
Em 2016, com quatro meses de antecedência, o primeiro-ministro britânico convocou um referendo prometido dois anos antes. Perdeu, afirmou que respeitaria a decisão dos britânicos e demitiu-se.
Em 2015, com oito dias de antecedência, o primeiro-ministro grego convocou um referendo nunca antes anunciado. Ganhou, afirmou que respeitaria a decisão dos gregos, fez o oposto e manteve-se no cargo.
1. O sentido de voto de muitos britânicos terá sido determinado por factores secundários ou conjunturais. Todavia, acontece sempre assim, em referendos e até em eleições. As pessoas votam no sentido que entendem pelas razões que acham mais relevantes. Por vezes, a História mostra que cometeram um erro. Isto não significa que o processo esteja errado.
2. Há ironia na circunstância de, não obstante vivermos num mundo onde a informação está cada vez mais acessível, continuarem a ser as mensagens simples – até mesmo simplistas – a decidir eleições e referendos. Quase sempre com a recusa do outro em papel de destaque.
3. Este referendo poderá significar o fim do Reino Unido tal como o conhecemos. Escócia e Irlanda do Norte - e, se alguma vez o desejar, Gales - têm todo o direito a escolher se preferem a independência. Saem também reforçadas as tendências independentistas noutros países (em Espanha, desde logo).
4. Com os anos, a União Europeia foi-se transformando numa entidade demasiado burocrática e controladora. Esta evolução gerou anticorpos, em parte benéficos (a oposição do Reino Unido ao excesso de regulamentação era muito útil), em parte resultado de oportunismo (partidos e governos nacionais aprenderam a culpar Bruxelas por tudo o que corria mal nos seus países). O referendo britânico reforça os discursos anti-UE, abre a porta a outras saídas e cria pressão para que se operem mudanças no modo de funcionamento da União - mas talvez não no sentido que tanta gente parece esperar.
5. As probabilidades de que se entre numa fase de laxismo orçamental são reduzidas. A saída do Reino Unido, para além de diminuir o orçamento comunitário de onde países como Portugal recebem há décadas os fundos que lhes permitem atenuar problemas de crescimento e fortalecer redes de interesses, tenderá a extremar posições nos países do Norte. Para a Alemanha, será muito mais importante garantir a manutenção destes na União – numa União – do que a de Portugal, da Grécia, ou até da Espanha ou da Itália.
6. Nos países do Sul, sair custa muito caro. Muito mais do que no Reino Unido. Qualquer saída será um processo sujo, desagradável, caótico – que, como os mercados bem percebem (à hora a que escrevo, a taxa de juro da dívida portuguesa a 10 anos sobe 11%), acabou de se tornar mais provável, não menos.
7. Resta França. Um mastodonte aparentemente irreformável, em risco de cair nas mãos do populismo. França é o verdadeiro problema da Europa. E a ameaça que constitui a extrema direita francesa a única verdadeira esperança da esquerda portuguesa, grega e espanhola.
8. Escrevi «esperança da esquerda» e não «esperança da extrema esquerda» porque ainda há uma diferença entre os socialistas e o pessoal situado à esquerda deles. Os socialistas apenas desejam poder continuar a gastar à custa da Europa (i.e., dos países do Norte). A Frente Nacional serve-lhes como meio de pressão, nada mais. Para a extrema esquerda, quaisquer sobressaltos no processo de construção de um bloco de nações relativamente homogéneo, com contas públicas equilibradas, moeda forte, crescimento assente no sector privado e política externa unificada, são boas notícias. Para a extrema esquerda (Bloco, PCP, Podemos, Syriza, …), a Frente Nacional representa um forte aliado. E pensar que ainda há quem diga que fascismo e comunismo são coisas totalmente distintas…
Quando morreu Ralf Dahrendorf, faz sete anos no próximo dia 17, escrevi que ele era uma "síntese em si mesmo", sendo uma das poucas pessoas que se conseguia definir ao mesmo tempo como alemão e como britânico. É importante relembrar que Dahrendorf era cidadão britânico e membro da Câmara dos Lordes desde 1988, mas nascera em Hamburgo, a 1 de Maio de 1929. Em tempos perguntaram-lhe numa entrevista que cidade ele considerava a sua casa e a resposta foi clara: "Sou um londrino."
Mas Dahrendorf combinou sempre o liberalismo político com uma visão social da economia. O sociólogo político, que entre 1974 e 84 foi presidente da London School of Economics and Political Science, era ainda um europeísta sincero ao mesmo tempo que via no eixo atlântico uma necessidade natural. Entre 1987 e 1997 foi decano do St. Antony's College da Universidade de Oxford. Acima de tudo, Dahrendorf era um homem da democracia política, enquanto veículo para se alcançar a liberdade. Aliás, já na altura, citei um artigo da Teresa de Sousa no Público em que referia que o "amor [de Dahrendorf] pela liberdade talvez o tenha aprendido nos anos da sua juventude, quando teve de conviver com dois totalitarismos. Disse muitas vezes que os dois anos mais importantes da sua vida tinham sido 1945 e 1989".
Sempre me considerei eurocéptico, mesmo quando políticos, como Pacheco Pereira ou Freitas do Amaral, que hoje dizem da União Europeia o que Maomé não disse do toucinho, faziam intensamente campanha pela ratificação do Tratado de Maastricht, como é óbvio sem referendo, porque as elites iluminadas nunca querem ouvir os cidadãos. Para mim a União Europeia nunca passou de um processo para conseguir que os Estados pequenos fossem absorvidos pelos grandes, e que estes por sua vez se subordinassem ao eixo franco-alemão. Neste momento, esse objectivo foi plenamente conseguido. Quando o Presidente da República, num verdadeiro acto de vassalagem, vai a Berlim pedir que não haja sanções a Portugal, fica-se a saber quem verdadeiramente manda na Europa e como as instituições europeias não passam neste momento de um verbo de encher.
É por isso compreensível que o Reino Unido neste momento esteja a equacionar seriamente a saída da União Europeia. A acontecer, não será novidade nenhuma. A Gronelândia também já saiu num referendo, levando a que nessa altura a então CEE tivesse perdido metade do seu território. Mas a Gronelância é uma pequena economia, cuja saída não teve grande impacto. Já o Reino Unido é a quinta economia do mundo e a sua saída terá um impacto devastador, não apenas para a Europa, mas também para o mundo em geral. Mas apesar disso, o povo britânico está profundamente dividido, com os jovens a encarar seriamente a saída, enquanto que os mais velhos optam pela continuação.
Pessoalmente, se fosse britânico, não votaria pela saída do Reino Unido da União Europeia. Em primeiro lugar, o Reino Unido conseguiu um opt-out numa série de matérias, incluindo a não participação no euro, o que leva a que a participação na União Europeia lhe seja mais benéfica do que prejudicial. Se saísse, ficaria na mesma posição da Noruega, que tem que adoptar todas as directivas europeias para comerciar com o espaço europeu, mas não participa no processo de decisão. Por outro lado, há partes do país, como a Escócia, que são fortemente contrárias à saída, pelo que, a concretizar-se esta, poderia conduzir a breve trecho à dissolução do país.
Mas o povo britânico é muito cioso da sua independência, e a verdade é que a União Europeia está há muito tempo transformada numa organização que só serve à Alemanha, que goza calmamente dos seus excedentes, enquanto o resto da Europa todos os dias definha. É por isso fácil à campanha do Brexit continuar a apresentar o estatuto especial britânico como um caso de dominação, como se vê no cartoon abaixo.
O que se deve, por isso, perguntar é o seguinte: Se os ingleses, apesar de todo o estatuto especial que conseguiram, se vêem como meros vassalos europeus, o que dirão então os portugueses? Seja qual for o resultado do referendo, é bom que o mesmo sirva para se perceber que a União Europeia tem que levar uma grande volta. Como está, não pode continuar.
(publicado no i a 21.02.2014)
Uma das mais recorrentes mistificações é a confusão que se faz entre Europa e União Europeia. A Europa é um continente que, salvo acidente geográfico, tenderá a permanecer estável por muitos e bons anos. A UE é a expressão institucional de uma associação de Estados.
Não me competirá neste texto filosofar sobre as intenções inerentes à criação da CEE ainda que seja justo reconhecer que os objectivos iniciais pareciam diferentes. Contudo o poder vigente – um centrão partilhado entre Populares e Socialistas (onde se inscrevem PS, PSD e CDS) – parece ser bem mais perigoso para as democracias que a escalada de partidos de extrema direita.
Os mecanismos de eleição directa têm vindo a ser reduzidos a um parlamento cada vez com menos poderes e as políticas centrais dos Estados têm deixado de passar por organismos tutelados directamente pelos povos. Por outro lado, o discurso dos governos do centrão em países mais poderosos pulula de preconceitos xenófobos – das diatribes de Merkel sobre “os do Sul” à cedência do “socialista” Valls a algumas bandeiras da FN.
Lampedusa e as políticas territoriais no Mediterrâneo ou o apoio ao governo ucraniano e turco revelam que a UE não se posiciona, por princípio, do lado dos valores humanistas ou dos poderes democráticos.
Se, em Portugal, não se costuma estabelecer uma correlação entre as políticas da UE e os partidos que estão integrados nas duas famílias que a governam é revelador que seja o actual líder do PS que proponha uma revisão do sistema de representação para diminuir a expressão crescente dos partidos que não inscrevem no centrão.
Aumentar artificialmente o número de representantes do partido mais votado ou bloquear a eleição de representantes dos que não obtenham determinada percentagem, círculos uninominais e diminuição do número de representantes eleitos, não são formas de aproximar o eleito do eleitor, mas de retirar representatividade e pluralidade às instituições de representação directa.
Na questão da entrada dos refugiados faz falta colocar duas perguntas:
1 - Quantos refugiados "queremos" deixar entrar?
2 - Que tipo de refugiados (e migrantes) aceitamos?
Estas questões são fundamentais por dois motivos: por um lado há quatro milhões de refugiados entre Jordânia, Líbano e Turquia - que fazer com eles? Por outro, fica por saber se abrimos a porta apenas a sírios, a todos os refugiados que fujam da guerra, ou aceitamos também abrir as portas a quem procura escapar à miséria a que está sujeito, mesmo se em condições de paz?
Para responder a estas questões podemos também olhar para a demografia europeia e as suas necessidades de trabalho. Há vários países (incluindo a Alemanha) que não são capazes de preencher os postos de trabalho que a sua economia vai produzindo. Poderão ir pescar aos países vizinhos (ou do espaço UE) mas isso não resolve problemas demográficos, apenas os adia. A imigração alivia o problema de forma mais directa.
Claro que esta imigração levanta outros problemas: o influxo é muito grande e rápido, pelo que é necessário oferecer infraestruturas de apoio a quem for aceite (tecto, comida, escolas, roupa, etc) ao mesmo tempo que se tenta que se integrem na sociedade (língua, metodologias, regras, etc). Há a questão cultural, obviamente, mas esta questão só se coloca por um prisma: é possível absorver tantos muçulmanos de uma só vez? Considerando que a UE tem uma população de mais de 500 milhões (dos quais 2% serão muçulmanos), absorver 4 milhões de pessoas (nem todos muçulmanos) deveria ser relativamente desde que todos trabalhem para isso.
Até que estas questões sejam respondidas, toda e qualquer reflexão sobre a actual crise de refugiados sofrerá do seu carácter ad hoc. Sem existir um objectivo, não pode existir uma estratégia. Se não se aceitarem todos os refugiados e migrantes, será necessário decidir o que fazer na origem, na Síria, Iraque e outros países. Uma intervenção militar? Tentar apoiar antes os campos de refugiados nos países da região? Outros? Estas decisões urgem, não só para tentar ao máximo evitar a morte dos refugiados (que aumentará à medida que o tempo piorar) mas também para evitar que a união europeia se desmembre.
A liberdade de movimentos será, pelo menos no imaginário da população europeia, o mais óbvio resultado da União Europeia. A economia surge mais tarde (mesmo que tenha sido o verdadeiro motor inicial de integração dos países). Se os países começarem a agir apenas em torno dos seus próprios interesses, a solidariedade europeia desintegrar-se-à (já não andava famosa) e todo o edifício da UE cairá.
Eu não tenho dificuldades em imaginar a Hungria como motivada por egoísmo e xenofobia. O passado do governo de Órban, que tomou medidas popular-nacionalistas para tentar conter o crescimento do Jobbik, indiciam que a sua preocupação não são as regras de asilo da UE nem as fronteiras de Schengen. O populismo também justifica a decisão da Eslováquia e Holanda de voltar a controlar as fronteiras, dado que a percentagem de pessoas que entrarão directamente nesses países será bastante reduzida. Tentar justificar os controles com a necessidade de limitar os traficantes não é só errado - é estúpido. Como se diz na região dos balcãs: enquanto houver ovelhas, haverá camisolas.
Como já muita gente escreveu, a Grécia foi (e continuará a ser) um teste da solidariedade da UE. A crise de refugiados é cada vez mais um teste de Litmus, mas ameaça avançar para se tornar em breve uma escolha de Hobson.
Obama manobrou para que os países da Zona Euro perdoassem dívida e enviassem mais dinheiro para a Grécia mas recusa-se a ajudar Porto Rico, que acaba de entrar em incumprimento.
Eu dou plena razão a Paulo Almeida Sande: "Em todas as críticas sobre o euro há um défice profundo de entendimento sobre o que é a União Europeia (UE)". As pessoas deviam saber que a União Europeia tem um Presidente da Comissão, que é o Senhor Jean-Claude Juncker, que tem defendido as posições da União em forma totalmente independente dos Estados Membros. E tem também uma Alta Representante da União para a Política Externa e de Segurança Comum, a Senhora Federica Mogherini, que tem coordenado com elevado brilhantismo toda a política externa e de segurança comum na União Europeia.
Abaixo pode ver-se o mais recente sucesso da União Europeia, agora na obtenção de um acordo de paz na Ucrânia. Na fotografia são visíveis o Senhor Jean-Claude Juncker e a Senhora Federica Mogherini entre os presidentes russo e ucraniano depois da obtenção do acordo de paz na Ucrânia, que totalmente se deve ao trabalho exaustivo destes carismáticos dirigentes da União Europeia.
Por isso, é defensável que Portugal tenha uma posição clara e inflexível sobre o assunto: queremos exatamente as mesmas condições que forem oferecidas aos gregos. Se quiserem usar esquemas que só se apliquem a eles, estamos contra, em nome da igualdade na Europa. Se as negociações não forem a lado nenhum, não temos problema com isso. Não defendemos as propostas gregas, não temos de concordar com elas, nem podemos ser contados como aliados de ninguém nas negociações ou gastar qualquer capital em nenhuma negociação. Entramos nas reuniões mudos e saímos calados.
Ricardo Reis, no Dinheiro Vivo. Vale a pena ler o resto do artigo, no qual se abordam as questões da conversão da dívida grega em perpetuidades e do pagamento indexado à taxa de crescimento da economia.
Nos tempos modernos, a Grécia nunca foi rica. Portugal também não e mesmo Espanha e Itália nunca conseguiram os níveis médios de rendimento e bem-estar de países como a Alemanha, a Áustria ou a Holanda. Os países do Sul (como, de resto, os seus 'discípulos' da América Latina) nunca perceberam as vantagens de manter contas públicas equilibradas. O exemplo português é elucidativo. Nos últimos séculos, os dois únicos períodos prolongados de crescimento deveram-se à acção de dois déspotas com preocupações de equilíbrio orçamental: o Marquês de Pombal e António de Oliveira Salazar. (O rendimento médio em Portugal era de cerca de 30% do rendimento médio europeu quando Salazar chegou ao poder e, apesar das medidas iniciais de austeridade, da guerra colonial e da filosofia de favorecimento de meia dúzia de grupos económicos, subira para mais de 50% no final do regime.) No Sul, a solução para os problemas passou invariavelmente pela desvalorização da moeda e subsequente inflação. Tome-se como exemplo o ano de 1981 (escolhido por ser o primeiro disponível para todos estes países nos Outlooks do FMI). A inflação nos sete países referidos foi de 21,2% (Portugal), 24,4 % (Grécia), 14,5% (Espanha), 19,5% (Itália), 6,3% (Alemanha), 6,8% (Áustria e Holanda). A separação de águas é demasiado notória para ser irrelevante (neste link podem ser comparados outros anos; a tendência mantém-se).
O euro fez com que, num primeiro momento, todos ganhassem: os países do Norte ficaram ainda mais competitivos e os países do Sul acederam a taxas de juro bastante mais favoráveis do que as suas economias recomendavam. Isto levou-os primeiro a níveis insensatos de investimento improdutivo e de endividamento e, depois, à inevitabilidade de corrigir abruptamente a trajectória (a austeridade é um efeito, não uma causa). Discute-se agora se é desejável atenuar – na verdade, eliminar – essa trajectória, perdoando dívidas e acabando com a austeridade. Para que tal suceda, será necessário assumir uma política em tudo contrária àquela que permitiu o enriquecimento dos países do Centro e Norte da Europa e em quase tudo idêntica à que nunca permitiu o enriquecimento dos países do Sul: aceitar os desequilíbrios em vez de os corrigir, emitir moeda, transferir fundos do Norte para o Sul (assumindo que é constitucionalmente possível). E o pior é que, permanecendo os países do Sul reticentes à aplicação de reformas que os possam tornar mais competitivos, nada permite considerar esta situação como temporária. Ou seja: quando o Syriza promete o fim da austeridade e o reforço das políticas públicas, está a fazê-lo às custas dos contribuintes alemães e holandeses e austríacos (e também portugueses e espanhóis e italianos mas estes têm razões para acreditar poderem sair beneficiados do processo) e nem sequer lhes permite a esperança de que dentro de poucos anos a economia grega consiga auto-sustentar-se. No fundo, a Grécia admite oficialmente desejar ser uma espécie de desempregado da Europa, recebendo o correspondente – e, tudo o indica, eterno – subsídio. Obviamente, caso tenha sucesso, outros lhe seguirão o exemplo.
De um inconsciente António Costa a uma bem consciente Marine Le Pen, muita gente ficou satisfeita com a vitória do Syriza. A curto prazo, ceder ao essencial das exigências de Tsipras e seus correligionários poderá permitir a sensação de que tudo melhora. A longo prazo, é um suicídio para a Europa.
Aproveito o facto de ter mencionado a Finlândia no texto anterior para voltar a esta tabela. Publiquei-a há quase dois anos, acompanhada da frase «se em 2013 o PIB português cair menos de 3% e em 2014 já crescer qualquer coisinha poderemos dar-nos por muito satisfeitos». Sempre achei curioso o post não ter suscitado um único comentário. Pois bem, apesar de tudo, podemos dar-nos por satisfeitos: entre 2011 e 2013 o PIB português caiu cerca de 60% do que caiu o finlandês entre 1991 e 1993 (dados actuais do FMI: -1,3/-3,2/-1,4 contra -6,0/-3,5/-0,8) e caiu igualmente menos do que qualquer dos restantes casos apresentados na tabela. Se é verdade que, no primeiro ano de recuperação, o PIB finlandês cresceu 3,6% e o português deverá crescer aproximadamente 1%, nessa altura a taxa de desemprego na Finlândia ainda andava pelos 16,6% e apenas desceu dos 14% no terceiro ano de crescimento do PIB. Pertencer à União Europeia (esse monstro incapaz de solidariedade a que a Finlândia aderiu logo a seguir) e ao euro (que diminui o ritmo da recuperação mas aumenta as probabilidades de que ela seja sustentável) é de facto trágico.