"Audiência", de Norman Rockwell
Sendo da maior importância, a questão do poder de que usufruem os actuais juízes não tem uma resposta simples. O cidadão parece considerar que eles têm simultaneamente muito e pouco poder. Por vezes, o juiz é considerado como um funcionário público, que está ali para ditar sentenças, de acordo com os desejos de quem manda. Noutras ocasiões, é visto como um déspota acima de qualquer vigilância, a quem incumbe a tarefa de fazer cumprir leis que ninguém respeita.
De facto, os portugueses obedecem à lei, não porque a achem justa, mas por terem medo das sanções. Custou-lhes sempre reconhecer a fria imparcialidade dos tribunais. O que não nos deve admirar. (…) Mesmo se infundada, a noção tradicional de que é necessária uma «cunha» para se obter o que quer que seja continua a ser predominante. (…)
É provável que, como no passado, os poderosos continuem a intimidar os juízes. Mas a recente intromissão de factores de natureza psico-sociológica na elaboração das sentenças é inédita. Quando se afirma ser o pai do arguido alcoólico, dedicar-se a irmã à prostituição e o irmão à prática de actos homossexuais, estamos a entrar num plano inclinado que só pode conduzir ao desastre. O mesmo crime corre o risco de receber uma sentença mais dura, se o réu pertencer a uma «família normal» do que a uma família «desagregada». Como o mundo é feito de votas e reviravoltas, convém reflectir sobre isto, antes que um vento contrário se abata sobre os tribunais.
Maria Filomena Mónica