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Delito de Opinião

Sulfúricas

Laura Ramos, 23.08.11

 

Segundo uma lei conhecida, os homens, considerados colectivamente, são mais estúpidos do que tomados individualmente. Numa conversa a dois, convém que respeitemos o parceiro, mas essa regra de conduta já não é tão indispensável num debate público em que se trata de dispor as massas a nosso favor.

O mimetismo é a mola principal para mover as massas no sentido do entusiasmo, do respeito ou do ódio. Mesmo perante um pequeno público de trinta pessoas, há sempre algo de religioso que provém da coagulação dos sentimentos individuais em expressão colectiva.

No meio de um grupo, é necessária energia para pensar contra a maioria e coragem para exprimir abertamente essa opinião.

 

Georges Picard

Sulfúricas

Laura Ramos, 19.08.11

 

Os nossos líderes têm pedido que partilhemos sacrifícios. No entanto, quando fizeram esse pedido, esqueceram-se de mim.

Informei-me junto dos meus amigos milionários para saber que sacrifícios lhes foram pedidos, mas também eles ficaram intactos.

Enquanto muitos americanos lutam para chegar ao fim do mês e pagar as despesas, nós, os mega-ricos, continuamos com as nossas extraordinárias isenções fiscais.

Paguei ao Estado Federal 17.4% dos meus vencimentos do ano passado, enquanto a vintena de pessoas que trabalham no meu escritório pagou uma percentagem que oscila entre os 33% e os 41%.

 

Warren Buffet, tido como o 3º homem mais rico do mundo

«Parem de mimar os super-ricos», The NYT, 14.08.2011

Sulfúricas

Laura Ramos, 17.08.11

 

Muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados. É raro alguém manter com exactidão a justa medida. Aqueles que, por intermédio de esforços e esperanças, vivem apenas no futuro e olham sempre para a frente, indo impacientes ao encontro das coisas que hão-de vir, são, apesar dos seus ares petulantes, comparáveis àqueles asnos da Itália, cujos passos são apressados por um feixe de feno que, preso por um bastão, pende diante da sua cabeça. Tais indivíduos enganam-se a si mesmos em relação a toda a sua existência, na medida em que vivem ad interim (interinamente), até morrer. 
Só o presente é verdadeiro e real; ele é o tempo realmente preenchido e é nele que repousa exclusivamente a nossa existência. Dessa forma, deveríamos sempre dedicar-lhe um acolhimento jovial e fruir com consciência cada hora suportável e livre de contrariedades ou dores, ou seja, não a turvar com feições carrancudas acerca de esperanças malogradas no passado ou com ansiedades pelo futuro.

 

A. Schopenhauer

Sulfúricas

Laura Ramos, 15.08.11

 

Escrever, para eles, era ainda moral. Hoje, muitas vezes escrever pode parecer não significar nada. Por vezes sei disto: a partir do momento em que não for, confundidas todas as coisas, ir ao sabor da vaidade e do vento, escrever é nada. A partir do momento em que não for, sempre, todas as coisas confundidas numa única por essência inqualificável, escrever é nada mais que publicidade. Mas na maioria das vezes não tenho opinião sobre isso, vejo que todos os campos estão abertos, que não haverá mais muros, que a palavra escrita não saberá mais onde se esconder, se fazer, ser lida, que sua inconveniência fundamental não será mais respeitada. Mas nem penso mais nisso.


Marguerite Duras

Sulfúricas

Laura Ramos, 13.08.11

 

 

O prestígio é uma armadilha dos nossos semelhantes. Um artista consciente saberá que o êxito é prejuízo. Deve-se estar disponível para decepcionar os que confiaram em nós. Decepcionar é garantir o movimento. A confiança dos outros diz-lhes respeito. A nós mesmos diz respeito outra espécie de confiança. A de que somos insubstituíveis na nossa aventura e de que ninguém a fará por nós. De que ela se fará à margem da confiança alheia.

 

Herberto Hélder

Sulfúricas

Laura Ramos, 11.08.11

 

A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.

 

Sinto uma consideração quase nula pelo que, em Portugal, se publica. Desgosta-me a infinidade de romances desonestos, entendendo por desonestidade não a falta de valor intrínseco óbvio (isso existe em toda a parte) mas a rede de lucro rápido através da banalização da vida. Livros reles de autores reles.

 

Esta é a verdade em todo o mundo. As pessoas compram coisas que falam sobre o hoje e quando o hoje se tornar ontem já ninguém vai ler aquilo.

 

António Lobo Antunes

Sulfúricas

Laura Ramos, 09.08.11

"Audiência", de Norman Rockwell

 

Sendo da maior importância, a questão do poder de que usufruem os actuais juízes não tem uma resposta simples. O cidadão parece considerar que eles têm simultaneamente muito e pouco poder. Por vezes, o juiz é considerado como um funcionário público, que está ali para ditar sentenças, de acordo com os desejos de quem manda. Noutras ocasiões, é visto como um déspota acima de qualquer vigilância, a quem incumbe a tarefa de fazer cumprir leis que ninguém respeita.

De facto, os portugueses obedecem à lei, não porque a achem justa, mas por terem medo das sanções. Custou-lhes sempre reconhecer a fria imparcialidade dos tribunais. O que não nos deve admirar. (…) Mesmo se infundada, a noção tradicional de que é necessária uma «cunha» para se obter o que quer que seja continua a ser predominante. (…)

 

É provável que, como no passado, os poderosos continuem a intimidar os juízes. Mas a recente intromissão de factores de natureza psico-sociológica na elaboração das sentenças é inédita. Quando se afirma ser o pai do arguido alcoólico, dedicar-se a irmã à prostituição e o irmão à prática de actos homossexuais, estamos a entrar num plano inclinado que só pode conduzir ao desastre. O mesmo crime corre o risco de receber uma sentença mais dura, se o réu pertencer a uma «família normal» do que a uma família «desagregada». Como o mundo é feito de votas e reviravoltas, convém reflectir sobre isto, antes que um vento contrário se abata sobre os tribunais.

 

Maria Filomena Mónica

Sulfúricas

Laura Ramos, 07.08.11

 

Não se espante, por conseguinte, o leitor de que um qualquer idiota possa, ao mesmo tempo, ser feliz. É, até, assaz corrente. Há idiotas que se consideram inteligentíssimos, o que é uma forma muito comum de idiotia, e extraem dessa certeza alguma felicidade, aquela maneira de felicidade que consiste em uma pessoa se julgar muito superior às que a rodeiam.
O leitor gostaria de ser ministro ou secretário de Estado? Pois fique sabendo que há quem goste, embora - será justo dizê-lo - também há quem o seja a contra-gosto, por dever partidário ou patriótico.

Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima como poder, é, quase sempre, um perigo.

Oremos.

Alexandre O'Neill

Sulfúricas

Laura Ramos, 05.08.11

 

O pudor é um sentimento masculino. Quando uma mulher conhece outra, ao fim de dez minutos está já a explicar-lhe como é que o marido trabalha na cama. Ao fim de dez anos ou de uma vida, um homem não explica a outro como trabalha a mulher. É que o homem não é um novo-rico do sexo. Ou respeita a mulher por simples machismo?

Porque é por machismo, por exemplo, que muitas vezes admira uma mulher que se distinguiu nas artes ou nas ciências. Implicitamente tem-se a ideia de que o normal seria não se distinguir. Se portanto se distingue, é isso tão extraordinário como um trapezista de circo ou coisa assim. Admirando-se então a mulher, simultaneamente se humilha. Dessa humilhação se fazem muitas admirações.

 

Vergílio Ferreira

Sulfúricas

Laura Ramos, 02.08.11

 

As raparigas perguntavam frequentemente: «Tens namorada?» Eu respondia: «Mais ou menos». Ficavam confortadas ou furiosas, era conforme. Quando choravam muito, eu acrescentava: «Mais menos que menos». Mas não ajudava muito. Sou capaz de mentir acerca de tudo, menos de ti. O máximo que consigo, em momentos de crise, é menosprezar-te: «Tenho uma namorada, mais ou menos, mas tu és a principal».
Mas era preciso embebedar-me, porque o conceito
'principal' faz-me rir como uma hiena.


Miguel Esteves Cardoso, "O amor é fodido"

Sulfúricas

Laura Ramos, 28.07.11

 

«Eis a vida conjugal, uma associação de homicidas que se focam nos outros antes mesmo de se focarem em si, um longo caminho para a morte que deixa cadáveres pela estrada. Quando virem uma mulher e um homem em frente ao Conservador, interroguem-se sobre qual dos dois virá a ser o assassino»

 

Eric-Emmanuel Schmitt, "Petits Crimes Conjugaux"

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