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Delito de Opinião

Manuel Alegre e a gelatina política

Rui Rocha, 09.01.11

Manuel Alegre retomou ontem a actividade eleitoral. Constato, com satisfação, que aparenta estar recuperado da febre dos pântanos. É um bom sinal para a democracia. A vantagem para o debate que resulta de se ter estancado o derrame de lama é a de evidenciar o gelatinoso substrato político de Alegre. Na verdade, o candidato apoiado em regime de time-sharing pelo BE e pelo PS afirmou que o actual Presidente da República não pode lavar as mãos de uma eventual intervenção do FMI. E não pode, naturalmente. Mas, então que dizer do actual Primeiro-Ministro? Se Cavaco Silva não pode lavar as mãos, Sócrates não pode tomar banho. Durante, pelo menos, uma década. E Alegre não se pode enxugar do facto evidente de ter Sócrates na manga. Alegre, contudo, consegue fazer pior. Do alto da torre de um castelo situado em ParaLádeAlfaCentauro, declarou a sua oposição à entrada do FMI em Portugal. Como se, na verdade, tal circunstância estivesse na dependência da vontade do bardo lusitano. A oposição de Alegre vale tanto como a aversão que eu possa ter ao movimento de rotação da terra. Rigorosamente nada. Alegre promete, por isso, o que não pode cumprir. Mas, imparável na sua cruzada, Alegre afirmou ainda: 

Na Irlanda, onde o FMI já está presente, milhares e milhares de funcionários foram despedidos. Houve cortes de salários mas também de pensões, houve diminuição do salário mínimo e só falta cortar a cabeça aos irlandeses. É isso que querem em Portugal os irresponsáveis ou os imaturos que abrem as portas ao FMI?

Ora, isto já não é só inconsistência ou falta de visão da realidade. É, sobretudo, uma absoluta irresponsabilidade. Desde logo, porque a intervenção externa é praticamente inevitável. Se esta vier a acontecer, como tudo indica, que credibilidade teria Alegre para acompanhar o processo na qualidade de Presidente da República? Não me custa imaginá-lo a receber o Sr. Strauss-Khan ataviado com uma armadura e empunhando uma fisga... E que credibilidade teria para apaziguar movimentos de contestação social que viessem a descambar em violência, como aconteceu na Grécia e na Irlanda? E depois, com que fundamento se pode hoje afirmar que é melhor para o país continuar a pagar juros elevadíssimos que comprometem definitivamente o futuro? Juros que representam em cada ano, só por si, 10% do PIB? Juros que já implicam em Portugal (confesso que desconheço o ponto de situação em ParaLádeAlfaCentauro) desemprego, despedimentos e cortes de salários e de pensões. A única justificação para tal é a de continuarmos a beneficiar da subida honra de sermos governados por José Sócrates. Acontece que, infelizmente, para esse peditório já demos. Muito mais do que devíamos. Manuel Alegre pretende que a abstenção fique à direita, o que constitui um belo exemplo de maturidade democrática. Mas, o que seria realmente útil é que evitasse situar a irresponsabilidade na esquerda que diz representar.

As presidenciais e a vida

Rui Rocha, 08.01.11

Depois de uns dias de férias por altura das Festas, uma semana de trabalho em Madrid. A espera no aeroporto é um bom momento para reflexões soltas. Saborosas por não terem preocupação de rigor.  Por serem só para mim e, por uma vez, não estarem sujeitas ao escrutínio exigente  dos leitores do DO. Entretenho-me a encontrar uma palavra que distinga espanhóis e portugueses. Não tenho a certeza, mas parece-me que pode ser intensidade. A vida em Espanha está à flor da pele. E vive-se com os dentes cerrados. Para o bem e para o mal. Nas qualidades e nos defeitos. Em Portugal, desistimos mais quando se trata de desistir. Seja de coisas boas ou más. E apostamos menos quando se trata de apostar. Seja em coisas louváveis ou criticáveis. Não somos melhores, nem piores que nuestros hermanos. Mas, somos diferentes. O reverso português da intensidade espanhola será brando, complacente ou terá a delicadeza própria de tudo o que é suave? Provavelmente, depende dos dias. Corre solto o pensamento até se aquietar na saudade. É falso que seja só nossa. Os espanhóis também têm a añoranza deles. A diferença é que a deles não me diz nada. E esta que sinto descreve tudo o que me é essencial. Dizem que as novas tecnologias encurtaram as distâncias. Não é de todo verdade. O que acontece é que praticamente todo o mundo ficou à mesma distância. O Skype põe-me em casa a partir de Madrid ou de Montevideu. Num ou noutro sítio a distância é a mesma: um click e a falta de intensidade. Mas, é ainda distância. E ausência. E saudade. Tenho comigo o El Mundo e o El País. Duas linhas editoriais distintas que se unem sob uma mesma notícia de capa: Portugal perante o descalabro iminente. Que pode arrastar a Espanha. Sócrates e Zapatero, irmãos gémeos que se aprestam a mergulhar de mãos dadas no desastre. Ainda aqui, a diferença de intensidade. Em Espanha já se tomaram várias medidas duras. Em Portugal, vamos agora implementá-las. Ou estamos a discuti-las e a tentar dissimulá-las. Que Portugal vou encontrar quando aterrar? A racionalidade diz-me que o mesmo. Ainda mais atolado no caso BPN, numas presidenciais em que se discute tudo menos ideias, políticas e futuro. E ele vai cair-nos em cima, não tarda nada. Pode bem ser que suceda já na próxima quarta-feira, quando formos leiloar a nossa desesperança aos mercados da dívida. Percebo que a angústia dos títulos dos jornais não tem relação directa com o presente. Está toda projectada nos olhos dos meus filhos que há umas horas não pude beijar no Skype. Que país vão aqueles olhos ver daqui por uns anos? Uma angústia traz outra. Creio que é a isto que os franceses chamam malaise. Será que o que sinto e tenho escrito em relação à eleição presidencial é a visão correcta? Dá-me conforto a ideia de que só não se questiona quem não tem princípios. E vou buscar ao baú dos ensinamentos jurídicos (que tenho cada vez mais esquecidos) um princípio que adiciono ao elenco das minhas certezas: qualquer cidadão que tenha conhecimento da prática de um crime deve denunciá-lo. Transponho para a política: qualquer político que tenha conhecimento de uma prática ilícita ou de um tratamento de favor deve denunciá-lo. Onde andou Manuel Alegre, durante todos estes anos, em que se manteve calado sobre o negócio de Cavaco Silva com o BPN? Guardou-se para Janeiro de 2011 para o fazer? Pois. Porque aquilo que lhe interessa é o seu caminho político. Tanto como não lhe interessou o país enquanto esteve calado. Estou agora tão seguro disto como da arrogância de Cavaco Silva e da sua inabilidade na gestão do caso. Tenho que ler umas coisas sobre a ética e os seus fundamentos. Mas, intuo que a ética só pode ser uma questão pessoal. Não me parece que exista uma ética lusitana como o Luís M. Jorge sugeriu algures no DO. Como também não existe uma ética de esquerda. Ou de direita. Ou de brancos e tintos. Ou de chineses. O que há é uma ética, ou falta dela, das pessoas que governam a China. Ou Portugal. E depois há o exemplo. E a força das instituições. E a liberdade e a exigência da sociedade civil. E a educação. O avião, entretanto, descolou. Quando a instalação sonora do aeroporto anunciou o voo para Portugal ia jurar que milhares de olhos espanhóis se viraram, carrancudos, para os passageiros que se levantaram. Impressão minha, claro. Afastado esse pensamento, permaneceu a tristeza de ele me ter assaltado. Na aproximação ao destino, vejo campos alagados. Confirma-se: estamos a meter água por todos os lados. Desvio os olhos para os jornais portugueses que o passageiro do lado entretanto me cedeu. Nos de Espanha, o caos da dívida. Nos de Portugal, o caos da pré-campanha eleitoral. Um dia hei-de perder algum tempo a meditar sobre as variantes da intensidade. Pressinto que a diferença também pode estar em focar, ou não, o essencial. Oitenta/vinte, disse Pareto. Agora,  tudo o que quero é abrigar-me na antecipação dos abraços e dos beijos que me esperam ali em baixo. Esses que o Skype não me deu ainda hoje de manhã.

Sondagem BPP/BPN

Rui Rocha, 07.01.11

Resultados:  

Manuel Alegre - 1.500€

Cavaco Silva - 140%

 

Ficha técnica:  

A sondagem foi realizada entre 15 de Dezembro de 2010 e 7 de Janeiro de 2011, com o objectivo de conhecer o carácter dos dois principais candidatos à eleição presidencial. O universo é constituído por indivíduos pouco recomendáveis de ambos os lados, sendo que 51,2 por cento são mulheres. No total, foram feitos 330 ataques pessoais com simulação de honestidade em urna. Os inquiridos têm idade superior a 18 anos e estão receosos dos efeitos eleitorais. O erro da amostra de lama para um intervalo de 95 por cento de desconfiança ronda os 5,4 por cento.

Paulo Rangel comenta as presidenciais e falha dois alvos com um só tiro

Rui Rocha, 07.01.11

Paulo Rangel falou sobre as presidenciais e:

1º - Declarou que as polémicas do BPN em torno de Cavaco Silva são um foco endémico. Ora, por estas alturas, já sabemos que o diagnóstico aponta para gastroenterite. Uma doença que ocorre, normalmente, quando não se tem cuidado com o que se põe na boca.

2º -  Disse ainda que as ditas polémicas “terão um efeito contrário” ao que os outros candidatos pretendem, porque “vão aumentar ainda mais a confiança que os portugueses depositaram em Cavaco Silva”. Nas actuais circunstâncias, talvez seja melhor evitar  a associação entre Cavaco Silva e  o verbo depositar.

A importância das presidenciais e o que falta esclarecer

Rui Rocha, 07.01.11

Há quem defenda que as eleições presidenciais não têm grande importância. Em geral, discordo. Mas, as próximas eleições presidenciais são ainda mais importantes do que algumas que as antecederam. Pelos seguintes motivos: i) o ano de 2011 vai trazer situações limite que obrigarão a decisões centradas na Presidência da República; ii) a inexistência de uma maioria parlamentar estável; iii) o estado de erosão do sistema político; iv) o esgotamento de soluções parlamentares (sempre a rotatividade PS/PSD, o Bloco Central e a eventual muleta do PP); v) a ideia generalizada de falta de credibilidade dos políticos (quantas vezes já ouvimos o "estes são maus, mas os outros são iguais"); vi) a ostensiva falta de credibilidade do actual governo.

Neste cenário, é fundamental que se esclareçam alguns pontos que se tornaram decisivos na pré-campanha: a) quanto a Cavaco Silva, importa perceber se recebeu um tratamento de favor no negócio das acções da SLN. E, tal como disse ontem Lobo Xavier, se esse favor era conhecido e desejado por Cavaco; b) no que diz respeito a Manuel Alegre, deve exigir-se-lhe relativamente à questão BPP que clarifique o que ele pretende ver esclarecido por Cavaco. Com quem celebrou o contrato que deu origem ao texto que escreveu. Em que termos foi celebrado? Houve troca de documentos, mails, propostas? Existe um contrato escrito? Foi enganado ou agiu de forma ingénua? O que recebeu? Como recebeu? Devolveu? Como? Certificou-se que o fez ou acabou por ficar com o dinheiro na conta? Quem recebe a pelintrice do ordenado de deputado não sabe se tem 1.500€ a mais na conta bancária?  Promoveu o esclarecimento do público sobre a sua intervenção depois de constatar, se foi esse o caso, que a sua imagem foi usada indevidamente?   

Depois disso, importa que todos os candidatos esclareçam aspectos essenciais da sua intervenção política no futuro mandato: Que interpretação fazem dos poderes do Presidente da República? Se houver necessidade de recurso a ajuda externa, qual o destino do actual governo? E que solução para a sua substituição se for esse o caso? Ainda no actual quadro parlamentar ou convocação de novas eleições? Qual a concepção do papel do Estado? Estado Social, dizendo o que entendem que subjaz a este rótulo, ou outro? Segurança Social pública obrigatória, voluntária ou mista? Que sistema nacional de saúde? Quais as alterações que são aceitáveis, aquelas a que se opõem e as que gostariam de promover? Que organização do Estado? Devemos ter Governos Civis? É necessário racionalizar o mapa autárquico? Que modelo de ensino e que papel para a escola particular. Que visão da relação de trabalho? Despedimento individual apenas com justa causa ou menos do que isso? Grandes obras públicas. Parar ou fazer? Neste caso, quando? Participações do Estado em empresas como Caixa e PT. Que estratégia? Adopção por casais homossexuais, sim ou não? O que pensam sobre o sistema de quotas para promover a igualdade de género? Que posição face aos direitos de autor? Protecção do copyright ou gratuitidade de acesso a conteúdos? Que tipo de alterações nos Tratados Europeus justificam referendo? Nas relações externas interessa o fundamento ético ou vale apenas a realpolitik? Que papel para as forças armadas? Como estão e para onde devem ir? Que relação com instituições como a Igreja Católica? É necessário aprofundar o laicismo do Estado?

Todas estas questões são essenciais. E não me digam que algumas estão fora do âmbito de intervenção do Presidente da República. Concedo que seja pertinente apreciar o carácter do candidato. Mas, também é muitíssimo importante saber o que o mais alto magistrado da Nação pensa de Portugal e do Mundo. Para percebermos em que sentido serão exercidos os seus poderes constitucionais estritos e a sua magistratura de influência. Neste sentido, a lista de questões pecará sempre por escassa. A discussão destes temas deve ser feita em clima de respeito, com seriedade e exigência democrática. Se a campanha eleitoral que se inicia não as esclarecer e não for também utilizada para promover o escrutínio político do mandato anterior de Cavaco Silva, não terá servido para nada. E correremos o risco de ter um desconhecido a decidir o nosso destino incerto.  

Um par de Purdeys

Rui Rocha, 06.01.11

Apesar de ontem ter escrito sobre a caça ao Cavaco, confesso que não sou grande especialista na arte venatória. E que estava longe de imaginar que os tiros eram dados com o gatilho aristocrático de um par de Purdeys. Por isso, transcrevo na íntegra, com a devida vénia, um texto do Miguel Abrantes (que disto sabe bastante mais do que eu) publicado na Arrecadação Corporativa em Dezembro de 2008. A palavra ao especialista:

Quem diria que o insuspeito homem de esquerda — da verdadeira, a da Bayer —, sempre pronto a atacar qualquer suposto desvio à linha justa e a fazer uma ampla coligação com os órfãos de Trotsky, Brejnev e Enver Hoxha, seria capaz de acreditar no capital financeiro? Ai o maroto, ainda por cima precisamente em relação ao “banco das grandes fortunas”?

Pois é, de Manuel Alegre seria de esperar tudo — menos isto. Cantar Che Guevara em poesia, desancar o PS, caçar perdizes ou coelhos em ambiente bucólico, declamar com voz grave Os Lusíadas, etc., etc., etc., é habitual e ninguém se surpreende. Mas, no meio de tudo isto, Manuel Alegre ainda ter tempo para nos alertar para os perigos de salvar bancos, quando por “um par de Purdeys” (as Roll-Royce das espingardas) andou a cantar loas ao banco de João Rendeiro, mostra um amor desmesurado pela caça — e uma profunda convicção de que em política não há memória.

 

Adenda às 16.28: a cave corporativa acaba de publicar a nova posição abrantina sobre o mesmo assunto. O autor é o mesmo.

O caso BPN na modalidade de caça ao Cavaco

Rui Rocha, 05.01.11

Diz-se que o caso BPN entrou definitivamente na ordem dia. Por acaso, não concordo. O que de facto está em discussão é a abertura da época de caça. Ao Cavaco. Convém esclarecer que não defendo que o Cavaco deva ser considerado uma espécie protegida. Não existe nenhuma razão que justifique a sua protecção relativamente aos tiros políticos a que todos os candidatos presidenciais estão sujeitos. Quem vai à guerra dá e leva. E devo dizer, por isso, que não me revejo numa certa sobranceria que resvala do "tem que nascer duas vezes" ou do "já dei todas as explicações". Assim como é importante referir que não tenho qualquer apreço por uma certa visão do país e da sociedade, mesquinha e tacanha, a que Cavaco se associa. E, para nos entendermos, digo também que não me interessa a avaliação das implicações tácticas da caça ao Cavaco. Vai prejudicá-lo ou beneficiá-lo? Problema dele e dos outros candidatos. Posto isto, creio que o interesse do país impõe que se coloque o caso BPN, na modalidade de caça ao Cavaco, no seu devido lugar. Do que estamos a falar é de um negócio particular, realizado em 2002, por um cidadão que não tinha, à data, exercício efectivo de funções políticas. Um negócio que envolveu a venda de acções de um Banco que estoirou em 2008. Isto é, 6 anos depois. De um banco que até ao estoiro foi acompanhado pela supervisão do Banco de Portugal (bom dia, Sr. Dr. Vítor Constâncio) sem que esta vislumbrasse qualquer sinal de preocupação ou de gestão que pudesse ser criticada. De um Banco no qual o Estado confiava ao ponto de lá ter, em 2008, depósitos significativos (bom dia, Srs. Eng. José Sócrates e Dr. Teixeira dos Santos). De um Banco que foi resgatado na sequência de uma opinião técnica do Banco de Portugal (creio que já cumprimentei o então Governador do BP) e de uma decisão política (creio que já cumprimentei o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças). Solução à qual Cavaco se associou pela assinatura mas, que não promoveu porque tal não lhe competia. Aliás, é curioso notar que Cavaco se apresenta a uma reeleição. E que o exame de carácter teria feito muito mais sentido antes da primeira eleição. Não foi feito? Claro que não foi feito. Na eleição anterior, o BPN ainda não tinha estoirado. Mas, à data, o negócio das acções já se tinha realizado. O que se pretende é, portanto, fazer do negócio de Cavaco causa directa da ruína do BPN e do martírio dos contribuintes que se seguiu e que há-de continuar. Ora, isso é uma completa perversão dos factos. E tem o efeito pernicioso de absolver a gestão do BPN antes e depois do estoiro, o regulador e os políticos que aprovaram a solução e que continuam a insistir em manter o BPN ligado à máquina à custa dos nossos impostos. Convém, aliás, não esquecer que a decisão política poderia ter sido a de liquidação imediata do BPN em 2008. E já não estaríamos a arrancar a barba na discussão sobre o negócio de Cavaco. O negócio das acções deve ser esclarecido. Mas, é também fundamental esclarecer o quanto, o quando e o como do custo do BPN para o contribuinte. E quais as relações da Caixa com o BPN e as consequências que estas podem ter. E as implicações dos veículos que estão a ser criados, com clara sobreavaliação de activos, na credibilidade do país. Para além de tudo isto, o caso BPN, tal como está a ser abordado, tem também a nefasta consequência de fazer esquecer que Cavaco tem atrás dele um mandato cheio de decisões políticas questionáveis pelas quais devia ser avaliado. E ainda o de existirem questões políticas fundamentais no futuro sobre as quais devíamos conhecer a posição de todos os candidatos. Que estão a passar despercebidas devido à espessa cortina de fumo que o caso BPN, na modalidade de caça ao Cavaco, está a provocar. Perante esta situação, não termino sem dizer que não votarei em Cavaco. Mas, também não posso pactuar com um Manuel Alegre descabelado no que diz respeito ao negócio das acções do BPN. Porque não o vi com o mesmo frenesim relativamente a outras questões de carácter que lhe estão muito próximas. E porque não reconheço autoridade moral a quem discursa com total inconsistência sobre questões como o Estado Social ou a gestão das contas públicas. Confesso que não suporto quem tem os pobres e os desfavorecidos na boca com o único objectivo de continuar a comer. E para dizer tudo, e já que falamos de carácter, repugna-me profundamente quem tem das mulheres a visão de criaditas ao serviço de jogos de iniciação sexual de meninos burgueses.

Tudo converge para um mesmo ponto

Sérgio de Almeida Correia, 10.12.10

Há cerca de um mês, escrevia eu neste mesmo espaço que "uma remodelação feita já, além de ser prova de humildade, constituiria uma renovada prova de confiança no País e nas suas potencialidades, um sinal aos mercados da importância que a situação está a merecer e uma forma rápida e indolor de retirar a Cavaco Silva qualquer veleidade de dissolução do Parlamento no pós-presidenciais". E, logo a seguir, acrescentava que "uma remodelação deve ser feita nos momentos de crise, quando importa insuflar sangue novo na corrente e conferir um estímulo acrescido para enfrentar os desafios que se seguem", para concluir que em meu entender "uma remodelação feita a tempo e horas, antes das presidenciais, retiraria a Cavaco Silva quaisquer argumentos de dissolver o Parlamento no Verão, tal como é desejo, cada vez menos escondido, da actual liderança do PSD".

Hoje, na sua habitual crónica no Público, Vasco Pulido Valente escreve que "eleito, Cavaco dissolverá o Parlamento e correrá com Sócrates. Alegre com certeza que não. A eleição de Janeiro é um plebiscito sobre Sócrates".

Não tenho qualquer dúvida de que assim será e que o "plebiscito" de Janeiro, caso dê a vitória a Cavaco Silva, retirará o tapete a José Sócrates que de um momento para o outro se verá estatelado no chão. A remodelação era o único caminho para evitar ao PS e a José Sócrates o cenário pós-plebiscitário e cada dia que passa cimenta mais esta ideia.

Um líder que não anda no terreno, que passa o tempo fechado em aviões e salões, rodeado de alguns sobas do partido, medrosos, bajuladores e subservientes, única forma que têm de manterem o estatuto a que sem esforço ascenderam e as mordomias respectivas, terá sempre muita dificuldade em perceber o que se passa no tecido social e as razões para a não aceitação de algumas das decisões que toma.

Cavaco Silva é a antítese de Sá Carneiro. Este, numa entrevista ao Cambio 16, publicada em 4 de Dezembro de 1980, disse uma frase que a Visão do passado dia 2 recuperou, quando lhe terão colocado a hipótese de ser ele próprio candidato: "gosto demasiado da política para ser Presidente da República".

Cavaco foi primeiro-ministro durante uma década e quando saiu deixou um País macambúzio, que delapidou sem proveito visível os fundos comunitários que foram postos à sua disposição, mergulhado em escândalos e com muitos dos seus ex-colaboradores em posições susceptíveis de lhes conferirem o estatuto e o conforto com que nunca sonharam. Vinte anos volvidos quase todas as reformas continuam por fazer. Ele está confortavelmente instalado em Belém, dando-se ares de estadista, e vai perorando por aí pelas reformas que foi incapaz de fazer, não obstante a maioria absoluta de que dispôs. Como disse Dias Loureiro, e ele sabe bem do que fala, Cavaco Silva "não é um criador de jogos, mas sabe movimentar-se bem neles". O melhor exemplo disso foi o que aconteceu com as escutas e o seu assessor Fernando Lima. Ora, o gosto que Sá Carneiro tinha pela política, que o impedia de ser Presidente da República, não o tem Cavaco Silva para quem, e isso é claramente perceptível do enfado e paternalismo que ressalta das declarações que profere, a política é uma actividade maçadora que consome os recursos da economia e nos obriga regularmente a gastar dinheiro em eleições. Cavaco Silva entende ser-lhe devida a reeleição não porque ele a partir de Belém tenha algum poder real de intervenção nas políticas do País, mas porque acredita que desse posto ser-lhe-á mais fácil jogar em vários tabuleiros usando os seus peões. Numa palavra, condicionando as escolhas e o futuro.

Admito, contudo,que Cavaco Silva não esteja na posição de um De Gaulle e não possa fazer uso das mesmas armas. Mas, no final, mais do que uma eleição presidencial, o que está em causa é um verdadeiro plebiscito, como bem escreveu Vasco Pulido Valente. Um plebiscito a uma certa maneira de não fazer política.

Aquilo que Cavaco Silva foi incapaz de fazer enquanto primeiro-ministro pretende agora fazê-lo a partir de Belém por interposta pessoa. E quanto a esta, não haja qualquer dúvida de que Passos Coelho será o peão ideal para a sua estratégia. Se José Sócrates não consegue ver isto e não tem quem lho mostre, então estará tudo dito.

Prognósticos só no final do jogo

Paulo Gorjão, 29.05.10

A realidade encarrega-se quase sempre de inviabilizar cenários perfeitos. Não estou seguro que o surgimento de uma candidatura de direita, porventura patrocinada pelo CDS, não contribuísse para a vitória de Aníbal Cavaco Silva. Se, por um lado, essa alternativa poderia desviar votos, por outro seria um factor de mobilização para muitos dos eleitores que votaram em Cavaco Silva em 2005 e que sentem nesta altura alguma insatisfação com o mandato do Presidente da República. Claro, tudo isto é mera teoria e as campanhas podem gerar dinâmicas imprevisíveis. Isto dito, repito, parece-me precipitado o receio.

Fernando Nobre

Paulo Gorjão, 18.02.10

O que conheço das suas declarações políticas, por regra, discordo. Acresce que não percebo a sua candidatura. Mal preparada. Mal explicada. Um não-assunto.

P.S. -- Ler "O cordeiro sacrificial".

 

[Adenda]

Se esta candidatura for patrocinada pelos Soaristas, como li algures, é um sinal de desespero e de completa ausência de alternativas. Tenho dificuldade em acreditar que o seja. Não tem sentido. Nobre em circunstância alguma teria o apoio do PS e, nesse sentido, não é uma verdadeira alternativa a Manuel Alegre.

Estar no terreno

Paulo Gorjão, 19.01.10

Ao contrário do que afirma Ana Gomes, não é por Manuel Alegre “estar no terreno” que o PS deve apoiar a candidatura presidencial de Manuel Alegre. Estar no terreno, enquanto critério de decisão, vale zero. O PS não é -- nem deve ser -- refém de uma estratégia de facto consumado.

O eventual apoio do PS à candidatura de Alegre deve ser um pouco mais ponderado do que isso e deve resultar de uma análise mais sistematizada dos seus prós e contras.

Não vejo nenhuma razão para o PS se precipitar. Falta um ano para as eleições presidenciais. Há diversas variáveis cuja previsibilidade, nesta altura, é diminuta. Com ou sem Alegre no terreno, o PS não deve abdicar de controlar o tempo político, por muito que isso desagrade ao pré-candidato e ao Bloco de Esquerda.

Qual a finalidade estratégica?

Paulo Gorjão, 17.01.10

Confesso desde já a minha completa incapacidade para perceber o timing do anúncio de Manuel Alegre quanto à sua disponibilidade para se candidatar à Presidência da República. A minha limitação deve-se em larga medida ao facto de não conseguir vislumbrar qualquer ganho ou vantagem.

Em primeiro lugar o anúncio permitiu perceber que não houve qualquer tipo de coordenação com a direcção do PS. Não houve nenhuma estratégia concertada. Estamos perante um gesto isolado -- que quanto muito foi antecedido por um telefonema de cortesia -- que apenas veio tornar ainda mais visível o facto de a candidatura de Manuel Alegre não reunir um amplo consenso no PS. Acresce que a forma como o BE desde logo abraçou o anúncio cria acrescidas dificuldades ao PS, por um lado, e por outro potencia o capital político de quem no interior do PS quer rejeitar esta candidatura. Uma vez mais, em vez de surgir como uma candidatura suprapartidária, Alegre aparece colado ao BE.

Em segundo lugar, o anúncio não impede, nem diminui, a possibilidade de surgirem candidaturas alternativas. A antecipação do calendário não tem qualquer efeito dissuasor desse ponto de vista. Mais. O anúncio não gerou qualquer tipo de efeito de dominó em termos de declarações públicas de apoio.

Em terceiro lugar, Alegre perde parcialmente o controlo do calendário. Ontem como hoje, Alegre continua a ter de aguardar pela decisão do PS, impotente para forçar o desfecho que deseja.

Last but not the least, Alegre desde já concentra sobre si os holofotes, num acréscimo de escrutínio sem que o gesto tenha gerado qualquer tipo de dinâmica eleitoral. Tanto quanto consigo perceber, o anúncio foi extemporâneo e sem qualquer vantagem aparente.

Passos Coelho e Cavaco Silva (2)

Paulo Gorjão, 07.11.09

Ainda na sequência do post anterior, mas já um pouco à margem. Convém aprender com os erros. A pior coisa que poderia acontecer à recandidatura de Aníbal Cavaco Silva era a sua transformação num projecto de uma facção interna do PSD. A sua recandidatura deve ter uma base de apoio o mais inclusiva possível e não deve ser tomada de assalto por ninguém em detrimento de terceiros. Todos deverão ter espaço para o apoiar. Cavaco Silva, melhor do que ninguém, sabe isso. Pragmático como é, caso seja necessário, na devida altura fará o favor de o lembrar. Digo isto porque vejo alguma instrumentalização do seu nome por interesses e dinâmicas às quais Cavaco Silva é seguramente alheio.