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Delito de Opinião

Na morte de Odete Santos

Pedro Correia, 28.12.23

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Foto: Global Imagens

 

Quando Odete Santos abandonou por vontade própria a Assembleia da República, em 2007, deputados de todas as bancadas tributaram-lhe uma calorosa ovação em plenário. Acompanhei esse momento e questiono-me se aquela rara unanimidade voltaria a ser hoje possível, fosse quem fosse a figura em causa. Sinto-me inclinado a supor que não: os hábitos políticos mudaram muito, a crispação acentuou-se, as trincheiras foram-se aprofundando.

Odete estava há muito retirada dos palcos mediáticos. Depois do Parlamento, chegou a fazer teatro em Setúbal, cidade adoptiva desta jurista natural da Guarda. Era pessoa de verbo fácil e gargalhada espontânea. Não escondia o que pensava nem temia ser inconveniente, por vezes face ao próprio cânone do PCP, que representou durante 27 anos no hemiciclo de São Bento. «Calma, Odete» era a frase-bordão que lhe dizia o secretário-geral Carlos Carvalhas, ambos caricaturados nos bonecos da divertida e saudosa Contra-Informação da RTP.

Isso ficou patente, aliás, na entrevista que lhe fiz para o Diário de Notícias, a última que concedeu enquanto deputada. 

Quando lhe perguntei se devia haver «mais mulheres» na cúpula dirigente dos comunistas, ela não hesitou um segundo na resposta: «Sim. Deveria haver mais mulheres. Não tenho dúvidas nenhumas.»

 

Sempre simpatizei com ela. Tinha o coração ao pé da boca. Entre ortodoxos e moderados nas fileiras comunistas, alinhava com os primeiros. Mas não por cálculo ou conveniência: era isso o que sentia, era isso o que realmente pensava. Fazia parte da sua maneira de ser e da fidelidade de longa data ao magnético «camarada Álvaro» que a levou à militância no pós-25 de Abril.

No entanto, na rua Soeiro Pereira Gomes nem todos lhe apreciavam o estilo algo dissonante e a popularidade que granjeou fora das paredes partidárias. Odete nunca fez parte dos organismos executivos (Secretariado, Comissão Política), nunca foi líder parlamentar, nunca foi candidata presidencial - ao contrário dos cinzentos e sensaborões António Abreu, Francisco Lopes e Edgar Silva, funcionários diligentes mas totalmente desprovidos de carisma.

Apreciava teatro, cinema, literatura. Era vibrante declamadora de poesia. Gostava de acampar. Nunca fugia a um debate, mesmo com quem estivesse nos antípodas do seu pensamento: permanece na memória de muitos a sua vigorosa defesa de Cunhal, na RTP, como "maior português de sempre" num simulacro de concurso em que emergiu como vencedor Salazar, enaltecido por Jaime Nogueira Pinto. Nem D. Afonso Henriques, nem D. Dinis, nem D. João II, nem Vasco da Gama, nem Camões. A memória histórica é curta, os extremos exercem sobre muitos uma atracção irresistível. 

 

Nessa entrevista que lhe fiz em Abril de 2007, confessava abandonar o parlamento com «uma sensação de alívio». Saudades, só as «do futuro» - parafraseando o "poeta militante" José Gomes Ferreira. Deixando no entanto antever alguma mágoa: sentia que devia ter sido mais bem aproveitada pelo partido que nunca renegou. «Tenho pena de não ter criado condições para fazer trabalho de organização, que é importante.» Por uma vez, ficou-se pelas entrelinhas - aliás facilmente entendíveis.

Lembrei-me de várias ocasiões em que privei com ela - nomeadamente em campanhas eleitorais - ao saber ontem a triste notícia do seu falecimento, aos 82 anos. Era de um tempo em que vultos de diversos partidos se cruzavam nos corredores parlamentares sem confundirem divergência com ódio ou insulto ao adversário. Parece uma era já remota, nestes dias em que abunda o carreirismo político, cada um fala quase só para a sua bolha e as personalidades com voz própria e autonomia profissional estão cada vez mais distantes da vida parlamentar.

Não tenho a menor dúvida: a democracia portuguesa perde com isso.

Sem surpresa e sem vergonha

Pedro Correia, 07.09.23

Ontem, na Assembleia da República, o PCP votou contra a visita (já realizada) do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa à Ucrânia. Foi, sem surpresa, o único partido parlamentar a fazê-lo - comprovando a sua colagem à tirania de Vladimir Putin, invasor da Ucrânia. Este voto aconteceu no próprio dia em que o ditador russo voltou a castigar a população civil do martirizado país vizinho, como responsável máximo pelo ataque a um mercado da cidade de Kostiantinivka, em Donetsk. Com consequências trágicas: pelo menos 17 mortos e 34 feridos. Gente simples, gente pobre - a tal gente que os comunistas tanto gostam de evocar na sua propaganda.                                                      

Votaram contra a ida (já consumada) de Marcelo. Sem uma palavra, mesmo que simbólica, de compaixão pelas vítimas. Sem um pingo de vergonha.

 

Ao lado de quem estão

Pedro Correia, 24.08.23

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Falta pouco para começar uma nova Festa do Avante! Organizada por um partido que apoia a invasão da Ucrânia pela Rússia. Um partido que recusou estar presente na sessão especial da Assembleia da República em que Volodimir Zelenski - lider da nação agredida e violentada - discursou por videoconferência. Um partido que votou contra uma resolução do Parlamento Europeu que condenou a agressão imperialista à soberania ucraniana ordenada pelo ditador russo. Um partido que se opôs, isoladamente, à visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Kiev.

Um partido que descreve assim o Presidente da Ucrânia: «Personifica um poder xenófobo e belicista, rodeado e sustentado por forças de cariz fascista e neonazi, incluindo de carácter paramilitar.» Palavras que replicam as de Putin. Podiam - e já foram - ter sido proferidas por ele.

 

Vale a pena indagar quem são os artistas que se preparam para actuar numa festa promovida pelo PCP. Artistas, aparentemente, sem um rebate de consciência por se associarem ao partido que em Portugal tem actuado como aliado objectivo da Rússia, potência invasora da Ucrânia. Em violação flagrante do direito internacional e da Carta da Organização das Nações Unidas.

Eis alguns dos nomes, estampados no cartaz oficial da Festa do Avante!:

Agir

Carolina Deslandes

Jorge Palma 

Mísia

Paulo de Carvalho

Ricardo Ribeiro

Rodrigo Leão

Rui Reininho

Tim

 

Vale a pena fixá-los. Para sabermos ao lado de quem estão. E para mais tarde recordar.

Engonhas, sovinas ou caloteiros?

Sérgio de Almeida Correia, 30.06.23

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(créditos: foto daqui)

A notícia de que o PCP, à semelhança de qualquer mau patrão capitalista, não cumpre as suas obrigações para com os trabalhadores ao seu serviço não é nova, não obstante ser lamentável que um partido que se reclama dos trabalhadores e está sempre a atacar as grandes empresas, os capitalistas, o patronato em geral, de cada vez que tem um problema laboral com os seus próprios trabalhadores se remeta ao silêncio. 

Com o património imobiliário que tem, beneficiando de isenções fiscais que há muito deviam ter terminado em relação a todos os partidos políticos, recebendo as subvenções a que por lei tem direito e com os lucros que também obtém da sua actividade empresarial, o mínimo que seria de esperar era que não se comportasse da maneira que o faz, fugindo às suas responsabilidades, não pagando contribuições obrigatórias por lei, de valor irrisório, e fazendo propostas manhosas, de "legalidade duvidosa", como referiu o advogado da queixosa.

Em suma, prejudicando quem para si trabalhou, mostrando falta de seriedade e de carácter, comportando-se como um desses vulgares caloteiros que contratam mão-de-obra no exterior em regime de semi-escravidão a redes mafiosas para também não terem responsabilidades, não fazendo os descontos devidos, não pagando o que deve, prejudicando os trabalhadores e o Estado.

E se as coisas funcionam assim em relação a uma ex-dirigente que até foi deputada, agora imagine-se como será o tratamento em relação a outros trabalhadores de estatuto inferior. Aos que não têm voz, "às vítimas da fome" que não têm um Garcia Pereira que os defenda.

Enfim, olhando para este caso também se percebe o incómodo que é dizer alguma coisa sobre a situação dos trabalhadores na China ou em Macau e a ausência de direitos – como o direito à greve ou à contratação colectiva, por exemplo – que em Portugal são considerados sagrados pelo PCP e vistos como "conquistas irreversíveis dos trabalhadores". É, irreversíveis dos trabalhadores dos outros, não dos deles.

Por isso a luta é contra o roubo e a exploração dos trabalhadores dos patrões vizinhos, não dos próprios. É bom que no Brasil também o saibam.

Uma miséria.

Ir à bola

jpt, 24.06.23

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Há cerca de 15 meses, uns tempos após a invasão russa da Ucrânia foi anunciada uma manifestação em Lisboa, julgo que junto à sede do PCP, contestando posições explicitamente pró-russas que esse partido assumiu. Os promotores integravam imigrantes e recém-chegados refugiados ucranianos. Então eu escrevia num blog colectivo dedicado ao desporto sportinguista. Um dos co-bloguistas, um tipo com simpatia (e porventura militância) pelo PCP, escreveu no seu recanto pessoal refutando o direito dos estrangeiros se manifestarem contra os portugueses "que pagam os impostos". Indignado com aquela imundície fasciszante, que em muito ultrapassava  uma diversidade de interpretações sobre questões de política internacional, saí do blog comum, ainda que este excêntrico à temática pois monopolizado pelas coisas do futebol. Fi-lo pois sigo subordinado a um fundamental princípio, omnipresente ainda que apenas ocasionalmente de necessária invocação: o de que "não vou à bola com estes gajos". Um dito que neste caso tinha sentido literal! Alguns sportinguistas leitores contactaram-me, dizendo-me "exaltado", "exagerado", naquilo do "não havia necessidade".

Passaram os tais 15 meses. Nos discursos difundidos pelos líderes de Moscovo foi-se invisibilizando a inicial justificação para a acção militar - que os seus líderes julgaram que seria célere: a de enfrentarem um poder ucraniano "drogado" e "nazi", ilegítimo pois emanado de um "golpe". Primeiro sendo esquecido o item relativo aos psicotrópicos, este um tópico já antigo, herdado do propagandear desde o ocaso soviético da degenerescência "ocidental", dada ao hedonismo drogado - as pessoas que queriam passar para o lado ocidental faziam-no pelo anseio de terem acesso às drogas, era argumento de então, assumido por vários "quadros intelectuais" do PCP - e agora também à "homossexualidade", esta uma inovação invectivadora do mesmo teor sob a matriz discursiva de Putin.

E depois, de modo mais gradual, foi-se subalternizando a redução das particularidades políticas ucranianas ao seu nazismo - esta que fora uma evidente mobilização do nacionalismo russo, exponenciado na II Guerra Mundial, e às históricas tensões naquele terra, potenciadas já sob o sovietismo. E nisso vem ficando como legitimação da guerra o ser a Ucrânia um títere do expansionismo belicoso norte-americano e da UE, cujo apoio a Kiev é considerado a causa da guerra.

Após os tais 15 meses, de uma guerra terrível e de inúmeras ameaças russas de utilização de armas atómicas, e nas vésperas das recentes confrontações internas entre os próceres de Moscovo - e só por si é inenarrável a adesão de políticos portugueses a um regime que inclui um "warlord" como o é o chefe da empresa Wagner -, a inominável líder parlamentar do PCP vem invectivar a presidente do  Parlamento Europeu, continuando a perfilhar os tópicos discursivos do regime imperialista de Moscovo: o nazismo de Kiev, a responsabilização da UE (só não  refere a "droga").

Não haja qualquer dúvida, não sou eu o "exaltado". Pois não dá mesmo para "ir à bola com este tipo" de gente. Nem numa mera e pacífica geringonça bloguística, quanto mais em coligações políticas. Tamanho o asco que provocam estes malandros.

Se fosse

Pedro Correia, 16.06.23

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Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, foi esta manhã convidada de honra da Assembleia da República, tendo participado na tribuna de São Bento, ao lado de Augusto Santos Silva, na sessão parlamentar, onde discursou e respondeu a questões que lhe foram dirigidas de todas as bancadas.

Após a intervenção que ali fez, os deputados do Bloco de Esquerda e do PCP recusaram aplaudir a convidada. Se fosse um ditador "socialista", até pediam autógrafo.

A coerência dos comunistas

Pedro Correia, 16.05.23

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O PCP é muito crítico da Ucrânia, nação violentada, e mantém uma atitude fofinha em relação à Rússia, potência violadora. Entre outros motivos, justificam os comunistas, porque «não se pode ignorar que o regime da Ucrânia suspendeu a actividade de diversos partidos».

Eis, portanto, um motivo que deveria levar o PCP - geralmente elogiado pela sua inabalável coerência - a criticar a República Popular da China, país onde todos os partidos estão proibidos, como no Portugal de Salazar, excepto o partido único, o do poder absoluto, o que governa aquele país com punho de ferro há 74 anos. 

Afinal a coerência dos comunistas portugueses é como as ondas na praia: vêm e vão. Por isso lá anda o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, em visita de amizade à China, a convite do partido homólogo. O tal partido único, o tal do punho de ferro, o tal que desde 1949 empurrou toda a oposição para a cadeia, o exílio ou a morgue. 

Também em nome da coerência, espera-se que Raimundo faça como o seu antecessor no partido, Jerónimo de Sousa, que numa visita a Pequim em 2013 apelou ao reforço do investimento chinês em Portugal. Não consta que por lá tenha levantado a voz contra a participação chinesa na EDP, através da China Gorges, e na REN, através da Fosun. 

O apelo de Jerónimo aos seus camaradas chineses foi escutado: a República Popular da China é já o quinto país estrangeiro que mais investe em Portugal e o maior investidor no nosso mercado de capitais - a tal «economia de casino» a que aludem os comunistas cá no burgo.

Bom tema de conversa entre Raimundo e os seus amáveis anfitriões à hora do chá.

PCP contra o Papa e a favor de Kim

Pedro Correia, 14.03.23

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15 de Março de 2013, voto parlamentar:

«A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, saúda o Estado do Vaticano, a Igreja Católica e todos os que professam a sua fé, pela eleição do novo Sumo Pontífice.»

O PCP recusou votar a favor.

 

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28 de Fevereiro de 2014, voto parlamentar:

«Pela primeira vez, a ONU denunciou crimes contra a humanidade a serem cometidos contra o povo norte-coreano, numa demonstração preocupante e denunciadora da intolerância, da repressão, do ódio e do clima de terror empregues pelo regime de Pyongyang.

A actuação da Coreia do Norte constitui, evidentemente, uma ameaça séria à paz nos limites das suas próprias fronteiras, como representa uma ameaça à segurança regional e internacional. E, por isso, deve merecer uma condenação firme e consensual da comunidade internacional.

Portugal e os povos da Europa têm na tolerância um valor de referência. A demonstração do repúdio e condenação por actos premeditados contra a segurança, a liberdade, a integridade e a dignidade humanas é um imperativo moral constitutivo ou integrante da democracia.

Assim, a Assembleia da República associa-se à Organização das Nações Unidas na condenação dos crimes cometidos pelo regime norte-coreano contra o seu próprio povo e lamenta as vidas perdidas às mãos de um regime autocrático e repressivo.»

O PCP votou contra.

Sempre, sempre, ao lado dos torcionários

Sérgio de Almeida Correia, 17.02.23

A nota de imprensa do Partido Comunista Português sobre a condecoração que o Presidente da República atribuirá ao Presidente ucraniano não desilude.

Independentemente da maior ou menor justeza da sua atribuição, e há fortes motivos para discordar da sua imposição neste momento, o PCP faz sua a linguagem e a adjectivação putinista para manifestar a sua indignação pela imposição da Ordem da Liberdade a um líder político eleito democraticamente, internacionalmente reconhecido, cujo país foi invadido pela Rússia dos oligarcas, autocratas e ex-KBG, estando parcialmente ocupado e destruído pelo exército russo e os mercenários do grupo Wagner, e cujo povo sofre as maiores provações e privações, acumulando milhares de mortos para defender aquilo que é legitimamente seu e o seu direito a viver em paz na sua própria terra sem estar sob constante ameaça dos vizinhos.

Fosse essa condecoração atribuída a Maduro, a Ortega, a Kim ou a Xi, ou a um ditador sírio ou cubano, e isso seria motivo da "mais ampla" satisfação para o PCP.

Aguardo as devidas manifestação de apoio

Paulo Sousa, 09.12.22

Pedro Castillo surgiu há uns meses nos media internacionais como sendo o candidato peruano da esquerda. Este professor primário, com uma carreira de sindicalista, representava à época "um travão ao espectro da direita corrupta e autoritária". Este excerto faz parte do Comunicado divulgado pelo Secretariado do Bloco de Esquerda, aquando da sua eleição.

O PCP saudou também a sua eleição, elaborando certamente sobre a ameaça à democracia que a direita autoritária constituía, mas para saber mais só mesmo assinando o Avante, sendo necessário para isso pagar, e em moeda forte.

Este excerto de uma entrevista dada pelo então candidato, não deixa de ser revelador do seu elevado nível.

Entretanto soubemos que Bolsonaro, perdão, Pedro Castillo tentou levar a sua luta a outro nível, anunciando a dissolução do Congresso, o que mais não era que um golpe de estado. Depois disso, já foi preso e as investigações de corrupção e tráfico de influências que recaem sobre ele, continuarão a decorrer.

Certamente que o BE e o PCP virão a público comentar este contratempo na luta contra o autoritarismo e a corrupção na América do Sul. Até lá fico sentado, e até vou buscar uma manta para agasalhar as pernas, que o preço do gás está pela hora da morte.

Paulo quê?

Pedro Correia, 13.11.22

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Nem o Avante!, na sua edição mais recente, dava nota da existência de um tal Paulo Raimundo, assumido sucessor de Jerónimo de Sousa no cargo de secretário-geral do PCP: não há a menor alusão a tal figura nesta capa, digna de antologia.

O desconhecimento não impediu que, em estrita fidelidade ao mandamento leninista, o Comité Central do partido da foice e do martelo tivesse dado o aval unânime ao ungido: neste aspecto os comunistas cá da terra não se distinguem dos camaradas norte-coreanos. As reuniões mais alargadas só servem para carimbar o que já estava decidido em circuito fechado pelos mesmos de sempre, que raras vezes saem da sombra.

Paulo quê? - devem interrogar-se muitos militantes de base. Tanto faz. Pode ser Paulo Cunhal, Paulo Carvalhas, Paulo de Sousa. A obediência ao novo chefe de turno está antecipadamente garantida, porque o Patrão Partido assim ordena. Manda quem pode, obedece quem deve.

Na substituição de Jerónimo de Sousa

jpt, 10.11.22

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(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

O PCP substitui o secretário-geral. O processo é menos relevante do que os anteriores semelhantes - Cunhal foi um vulto maior e Carvalhas liderou um partido bem mais relevante do que o é hoje. E tem esta dimensão de farsa, a da rábula da "construção biográfica" do novo secretário-geral, apressadamente enfarinhado como padeiro, carpinteiro (que não aprendiz) e até de acólito católico - esta última uma dimensão bem interessante, até exemplar, que ainda não vi analisada. Enfim, adornos curriculares ridículos mas menos graves - pois desprovidos de dimensões administrativas e até jurídicas - do que os antes cometidos por ministros alemães. E não só... 

Mas nesta substituição o que mais me impressiona é a reincidência do elogio generalizado ao anterior secretário-geral do PCP. Mais uma vez - como quando tombou doente e foi operado - é quase unânime a vontade de o elogiar, sua integridade, gentileza, educação e coerente pertinência, a sua democraticidade, o seu "contributo". Vem isso dos responsáveis políticos do país e dos articulistas mais mediáticos, bem como dos feixes de cidadãos opinadores nas "redes sociais". Não me parece necessário, nem mesmo justo, convocar toda a história do movimento comunista internacional (qual "Livro Negro do Comunismo") para a confrontar com Jerónimo de Sousa, e dever-se-á respeitar a especificidade histórica do PCP e a autonomia deste seu secretário-geral. Mas esta saudação generalizada, verdadeira ovação à saída, esconde a realidade das concepções defendidas pelo PCP sob a direcção deste seu secretário-geral, as mundividências protegidas e promovidas, as leituras da História e, assim, os anseios de futuro.

Vou-me repetir - pois já aqui perorei mais longamente sobre o assunto. Em 2022 - ou seja, não num recuado tempo, de desconhecimento produzido pelas repressões e censuras -, logo após o começo da guerra na Ucrânia, o PCP de Jerónimo de Sousa proclamou, invocando-a, a "notável solução que a União Soviética encontrou para a questão das nacionalidades e o respeito pelos povos e suas culturas". Esta é uma consideração inaceitável, que se diria "negacionista" se viesse de outros recantos da paisagem política. E é, também, horrível. E é este homem, responsável pelo partido que promove esta ignomínia, que as pessoas vêm saudar, em nome de uns quaisquer dotes pessoais, que até dizem "carácter", e de um "legado" democratizador.

É uma paisagem intelectual patética.

Ungido no conclave da Soeiro

Pedro Correia, 08.11.22

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Até o camarada Arménio Carlos ficou surpreendido pela escolha do "padeiro do Estoril" para novo dirigente supremo dos comunistas. 

O ex-secretário-geral da CGTP, tal como milhares de outros militantes do PCP, ainda não percebeu que a falta de notoriedade foi precisamente o critério dominante para o ignoto Paulo Raimundo sair enfim da sombra em que mergulhara desde 1996 como discretíssimo funcionário do partido e apagadíssimo membro do Comité Central.

Imagino até os seis mecos que tomaram a decisão em obscuro conciliábulo lá na Soeiro. «Qual de nós é o mais desconhecido, camaradas?», murmurou um. «Aquele, o que nunca abre a boca», sussurrou outro. «Como se chama ele?», indagou um terceiro. «Raimundo», confidenciou o vizinho de cadeira. «Mas é operário?», insistiu o anterior. «Aos 12 anos pegou num martelo e pregou dois pregos na parede do balneário do Estoril», relatou o mais bem informado, sempre em tom muito discreto.

Breve silêncio conivente de todos, incluindo o visado. «Temos novo secretário-geral, aprovado sem objecções pelo colectivo», concluiu o primeiro, em primorosa síntese marxista. 

E assim, ao longo desses inspiradores três minutos, emergiu o futuro líder das "classes trabalhadoras", ungido à porta fechada. Só não houve fumo branco neste sucinto conclave porque o PCP, como todos sabem, é um partido vermelho.

Nítido nulo

Pedro Correia, 07.11.22

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Debate interno? Discussão? Listas em confronto? Votos dos militantes? Esqueçam. Isso são trivialidades dos "partidos burgueses", entretidos com discussões fúteis que não interessam ao zé-povinho. 

No PCP é tudo mais simples. Reúnem-se seis mecos à porta fechada, escolhem um deles que ninguém conhece fora das paredes blindadas do partido e toca a anunciar a boa nova por comunicado aos militantes e ao País às 21 horas de sábado, enquanto decorre um jogo de futebol. Belo exemplo do conceito comunista de "democracia".

O mais caricato, neste opaco processo de remoção de Jerónimo de Sousa de secretário-geral do quinto maior partido português, é a total ausência de biografia do camarada agora ungido para o posto máximo. Um perfeito desconhecido: Paulo Raimundo nunca se candidatou a coisa alguma, nunca exerceu qualquer função à margem da muralha partidária, não tem sequer profissão. Sabe-se que nasceu em Cascais (vila conhecida pela sua aguerrida "militância operária") há 46 anos, aderiu aos 18 à Juventude Comunista (o PCP também tem "jotinhas") e é membro do Comité Central desde 1996 - toda uma vida como funcionário do partido, sua exclusiva entidade patronal. Nunca esteve desempregado, claro. Embora vá perorar vezes sem conta sobre questões laborais quando enfim abrir a boca fora do bunker da Rua Soeiro Pereira Gomes.

Estamos perante um nítido nulo: a escolha perfeita para liderar um partido que se arrasta em penosa agonia de eleição em eleição. Nulidade a tal ponto que os "marqueteiros" comunistas tentaram criar-lhe uma página autónoma na Wikipédia, na própria noite de sábado, sem nada terem para lá pôr. Aquilo acabou por ficar bloqueado e tiveram de apagar o rascunho inicial até aparecer uma coisa mínima em que inventam ao ungido "profissões" que nunca exerceu - padeiro, carpinteiro, operário.

Processo com contornos que envergonham qualquer democrata genuíno. 

E um escárnio para os verdadeiros padeiros, os verdadeiros carpinteiros, os verdadeiros operários. 

Cada vez mais colados a Putin

Pedro Correia, 17.09.22

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O PCP arrogou-se ontem o direito de desautorizar os legítimos órgãos políticos da Finlândia e da Suécia. Em Maio, os dois países nórdicos decidiram solicitar a adesão à NATO, no pleno exercício da sua soberania. Em consequência directa da agressão da Rússia de Putin à Ucrânia iniciada a 24 de Fevereiro.

Para que a adesão se concretize, tem de ser ratificada pelos parlamentos dos 30 Estados membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Portugal foi um dos últimos a fazê-lo, algo lamentável: só faltam Eslováquia, Hungria e Turquia.

Muito pior - embora nada surpreendente - foi ver o partido da foice e do martelo atrever-se a contestar tal adesão na Assembleia da República para de novo se ajoelhar perante o ditador russo, saudoso do tempo da URSS, quando orava virado para Moscovo.

 

A líder parlamentar do PCP rejeitou categoricamente a integração daqueles dois países na NATO, organização a que Portugal pertence, argumentando que isso «aumentará a tensão» na Europa. Uma vez mais, sem um sussurro de condenação das atrocidades russas nestes mais de duzentos dias de invasão da Ucrânia.

Pelo contrário, Paula Santos mencionou o «processo de alargamento da NATO para Leste» como causa imediata da guerra. Coincidindo com a narrativa oficial do Kremlin.

 

A ratificação passou no hemiciclo, com o apoio da esmagadora maioria dos deputados, merecendo o voto favorável de seis partidos ali representados: PS, PSD, Chega, IL, PAN e Livre.

Mas o PCP não ficou sozinho: foi acompanhado no voto contra pelo Bloco de Esquerda, que desta vez deixou cair a máscara. 

 

«A história da NATO é uma história de guerra e da agressão contra os povos», bradou a deputada bloquista Joana Mortágua. Falando, também ela, como se Portugal não integrasse esta organização. E fazendo coro natural com Mariana Mortágua, sua irmã gémea e parceira de bancada parlamentar.

Lembro que em Fevereiro, na SIC-N, Mariana rendeu-se de tal maneira às posições russas que chegou a justificar a iminente agressão à Ucrânia, ainda antes de se consumar, porque Putin estaria a «sentir o seu espaço vital a ser ameaçado» - argumento similar ao das hordas nazis na invasão da Polónia que originou a II Guerra Mundial.

A posterior retórica desalinhada do BE foi meramente táctica, como a votação de ontem confirmou. No momento da verdade, comunistas e bloquistas convergiram no chocante desrespeito pela autodeterminação da Finlândia e da Suécia.

Gostaria de saber como reagiriam se deputados destes países, adoptando a mesma lógica, colidissem com decisões soberanas do parlamento português.