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Delito de Opinião

Tapam Michelle e deixam o Óscar nu

Pedro Correia, 26.02.13

 

A fanática brigada antipecado que domina com mão de ferro o Irão - e tem bons amigos em Portugal - sentiu a pulsação muito acelerada ao vislumbrar o generoso decote de Michelle Obama na noite da distribuição dos Óscares. Como se já não lhes bastasse ver Argo - uma longa-metragem que denuncia sem pudores a ditadura islâmica - conquistar o Óscar de melhor filme.

Num país onde as mulheres continuam a ser severamente reprimidas a pretexto da manutenção da pureza islâmica, os censores de serviço não tardaram a obedecer aos ditames dos aiatolás, cobrindo a primeira dama norte-americana com tecido photoshopado, em prol dos bons costumes, como se pode perceber na imagem da direita - a que passou nos televisores de Teerão e arredores.

Mas podia ser pior: escapou ao rigor da teocracia iraniana o pecaminoso cabelo de Michelle, que noutros tempos só por lá surgiria abrigado sob um véu igualmente tecido pela censura.

Fica-me uma pequena dúvida: porque será que os censores se esqueceram também de cobrir com um pudico paninho o próprio Óscar, estatueta de um homem nu?

 

Também aqui

Não se brinca com o fogo.

Luís Menezes Leitão, 29.01.12

Há dias escrevi aqui sobre o disparate que representa a União Europeia lançar um embargo petrolífero ao Irão quando os seus membros em situação mais complicada, como a Grécia, França e Itália, estão absolutamente dependentes do petróleo iraniano. Parece, no entanto, que a Baronesa Catherine Ashton que, por escolha não se sabe de quem, dirige brilhantemente a política externa europeia, achava que depois de anunciar o embargo o conseguia realizar a prazo ou às pinguinhas, sem que o Irão reagisse. Mas o Irão acaba de demonstrar que está disposto a subir a parada neste jogo de poker que lhe propõem e ameaça cortar o petróleo à Europa já na próxima semana. A União Europeia vai por isso confrontar-se de imediato com um choque petrolífero a somar aos inúmeros sarilhos em que está envolvida. Eu só me pergunto como é que é possível termos tanta

 incompetência e falta de sentido da realidade à frente dos destinos da União Europeia. Porque o que os líderes europeus andam presentemente a fazer chama-se brincar com o fogo.

Uma ideia genial!

Luís Menezes Leitão, 23.01.12

 

De facto, o que a União Europeia neste momento realmente precisava era de um embargo petrolífero ao Irão. No mesmo dia em que Christine Lagarde avisa a União Europeia para ter cuidado, pois a crise do euro pode significar uma nova Grande Depressão, nada melhor para apimentar ainda mais a coisa que criar um novo choque petrolífero, fazendo o preço dos combustíveis disparar ainda mais. E como a Espanha e a Itália estão em risco de precisar de uma ajuda externa que ninguém lhes pode dar, não há melhor que retirar-lhes desde já o acesso ao seu tradicional fornecedor de petróleo, forçando-as a procurar alternativas seguramente mais caras. Não sei quem foi o autor da ideia, mas ela merece desde já o prémio do disparate do ano ou, se calhar, do século.

Cautela e caldos de galinha

Ana Margarida Craveiro, 14.11.11

É disso que a política externa mais precisa. Parece que já há por aqui quem ande aos pulinhos para invadir o Irão, e as declarações a esse respeito sucedem-se. Pelos vistos, podemos tirar os neoconservadores da Casa Branca, mas a Casa Branca não sai do neoconservadorismo. Ora, a esse respeito vale bem a pena ler o bom senso de Fareed Zakaria:

 

Meanwhile, we do have a containment policy towards Iran that appears to be having some effect. Its neighbors are allied against it and with the United States. The pressure has restricted the regime's room for maneuver. There appear to be internal tensions within the regime.  And yet, rather than keeping the pressure on and seeing if we can find a way to get inspectors in, we now hear calls for war one more time.

 

Let's be clear: We are talking about a preventive war against a country that has not attacked us. We are talking about war on the basis of intelligence reports. It is easy to start a war. It is very difficult to predict how it will go and where it might end. I think we need to ask some hard questions before we start launching the missiles.

Todas as ditaduras são más

Pedro Correia, 16.02.11

 

Todas as ditaduras são más. A de Cuba, a da Coreia do Norte, a do Zimbábue, a do Irão - e a que acaba de ser derrubada no Egipto. Se amanhã a ditadura iraniana caísse, seria um motivo de alegria e de congratulação para todos os democratas. Como o é hoje a queda da ditadura egípcia. Não podemos ser democratas até metade da bacia do Mediterrâneo e 'compreender' a ditadura na outra metade.

Certos povos e certas culturas não estão preparados para a democracia? Esse foi o argumento invocado durante quase meio século por Salazar para justificar a ditadura portuguesa. Simetricamente, invocou-se esse argumento para justificar a ditadura soviética. Afinal, mal ou bem, Portugal e a Rússia vivem hoje em democracia, que segundo Churchill é o pior dos sistemas excepto os outros todos.
E não me digam, por favor, que é impossível instituir um sistema de governo democrático nos países islâmicos, por estes dias varridos por ventos de liberdade. Que é a Indonésia senão um país islâmico - por sinal o maior país islâmico do mundo?

 

Imagem: protestos antigovernamentais em Teerão (Junho de 2009)

Egipto: o que escreve Vargas Llosa

Pedro Correia, 14.02.11

 

 

Uma pequena multidão de comentadores domésticos continua a dirigir farpas aos movimentos pró-democracia nos países árabes, chorando a queda dos ditadores Ben Ali e Mubarak. Neste desfile, Alberto Gonçalves não podia faltar à chamada. Lá vem ele, no DN, juntar-se ao coro: "Após a queda de Mubarak, as odes dos jornalistas à alegria do povo e as invectivas aos 'cínicos' que não a partilham resultam de óptimas intenções, mas de péssima memória. A História recente ensina que a felicidade de certos transtornados religiosos tem um preço: a nossa."

Extraordinário: assume-se a defesa póstuma da ditadura para lançar um vigoroso anátema sobre a democracia que ainda nem começou a ser construída. Como se o mundo árabe sofresse de um atavismo genético que o torna incapaz de conviver ad seculum seculorum com estados de direito e o respeito escrupuloso dos direitos humanos. Nessa convicção, Gonçalves vergasta os repórteres que têm relatado o que testemunham no Egipto: "Se calhar, os jornalistas confundem o seu ofício com a repetição de clichés, na convicção um bocadinho infantil de que qualquer protesto público contra uma ditadura acarinha valores opostos aos ditatoriais."

Não sei se entre esses jornalistas que tanto enojam o colunista do DN se inclui John Simpson, o prestigiado editor de assuntos internacionais da BBC, que escreve do Cairo sem a menor dúvida: "A deposição do presidente Hosni Mubarak é tão significativa como o colapso do bloco soviético na Europa de Leste em 1989." Um cliché, diria certamente Alberto Gonçalves, talvez saudoso daqueles tranquilos tempos em que o Muro de Berlim se erguia como fronteira natural à expansão da democracia. E o que dirá este sociólogo do mais recente artigo de Mario Vargas Llosa publicado no El País, precisamente sobre os ventos da liberdade que percorrem o Magrebe e o Médio Oriente? "O Ocidente liberal e democrático deveria celebrar este facto como uma extraordinária confirmação da vigência universal dos valores que representa a cultura da liberdade e dirigir todo o seu apoio aos povos árabes neste momento da sua luta contra os tiranos»,  sublinha o Nobel da Literatura-2010.

Felizmente Simpson e Vargas Llosa têm vistas menos curtas do que a agremiação de admiradores portugueses de Mubarak. Como nada acontece por acaso, é precisamente do Irão que nos chegam hoje notícias de corajosos levantamentos populares contra a ditadura, na linha das impressionantes manifestações de Junho de 2009. É óbvio o efeito de contágio dos acontecimentos da Tunísia e do Egipto. Perante tanta "agitação", os cínicos de serviço por cá, tal como os aiatolas por lá, devem estremecer de horror.

 

Imagem: manifestação contra a ditadura iraniana

Teerão sem motivos para sorrir

Pedro Correia, 12.02.11

 

 

Por estes dias, algumas Cassandras de turno têm atrasado o calendário 32 anos para apontarem um dedo cheio de suspeições ao movimento popular egípcio. Lembrando que a chamada revolução islâmica que derrubou o xá do Irão em 1979 também prometia muito mas terminou da pior maneira, com a instalação de uma ditadura ainda mais feroz. Por que motivo nenhum outro exemplo de uma revolução falhada é invocado por estes dias? Talvez porque não haja mais nenhum para mostrar. Nos últimos 40 anos, dezenas de ditaduras deram lugar a sistemas democráticos nos mais diversos pontos do planeta – de Portugal às Filipinas, da Polónia a Moçambique, da Rússia ao Brasil – sem que nenhum vaticínio catastrofista se concretizasse. Caiu o Muro de Berlim, foi desmantelado o apartheid na África do Sul, as tiranias de caserna foram substituídas por estados de direito na América Latina, Timor-Leste alcançou enfim a liberdade. Sem convulsões, sem retrocessos históricos, sem o cumprimento das habituais promessas negras dos profetas da desgraça. No Irão, de resto, a clique teocrática não tem motivos para se congratular com as manifestações no Egipto, um país onde 20 milhões de pessoas – cerca de um quarto da população – utilizam regularmente a Internet. No Cairo, por estes dias, foi possível ver muçulmanos e cristãos orar em conjunto. Ali não se queimou uma só bandeira americana nem se gritaram palavras de ódio contra Israel.
O fracasso da “revolução islâmica”, há 32 anos, serve aliás de aviso e de vacina a novos movimentos destinados a destituir ditaduras: podem não saber ao certo por onde vão nem para onde vão, mas todos sabem que não irão por aí.

 

Publicado no DN

Uma chapada em Ahmadinejad (a sério!)

Rui Rocha, 30.12.10

O El País divulgou hoje mais um wikicoiso. Este é especialmente saboroso. Algum tempo depois do pico de agitação da chamada Revolução Verde no Irão, a questão da segurança interna do país foi discutida no Conselho Supremo da Segurança Nacional iraniano. Perante uma intenção de alguma abertura do regime manifestada por Ahmadinejad (uau!), o Chefe da Guarda Revolucionária terá dado uma bofetada ao pequeno líder. É claro que foi uma chapada pelas piores razões. O autor do acto manifestou assim a sua repulsa por qualquer fresta de alívio da mão-de-ferro do regime. É claro também que o Irão bloqueou já a página internet do El País. Mas, a imagem fica. E vale mil palavras. Eu cá, que não sou de violências, também lhe dava um calduço.

Em Teerão: luzes, câmara... condenação

Rui Rocha, 23.12.10

Jafar Panhai (na foto) é um cineasta iraniano. Foi preso pelo regime de Teerão em Fevereiro deste ano. Sob a acusação de rodar um filme sem autorização (sic) e de incitar os protestos oposicionistas com a sua obra. Há um par de dias foi conhecida a decisão de condenação a 6 anos de prisão e de 20 anos de interdição de qualquer actividade cinematográfica. Na mesma altura, foi igualmente condenado Mohammad Rassoulof que com ele colaborava.

O cineasta, já premiado em Cannes e Veneza tem, para além de talento indiscutível, hábitos nada recomendáveis em certas paragens onde o iluminismo das sombras é de tal forma intenso que ofusca: o de pensar pela sua cabeça e o de exteriorizar o que pensa. Na verdade, Jafar Panhai apoiou o candidato da oposição ao regime nas últimas eleições presidenciais e manifestou publicamente a sua posição política. Estes são alguns dos argumentos da defesa que apresentou ao Tribunal:

 - "I do not comprehend the charge of obscenity directed at the classics of film history, nor do I understand the crime I am accused of,"

- "If these charges are true, you are putting not only us on trial but the socially conscious, humanistic and artistic Iranian cinema as well,"

- "My case is a perfect example of being punished before committing a crime. You are putting me on trial for making a film that, at the time of our arrest, was only 30 percent shot,".

A condenação de Panahi por Delito de Opinião confirma, se necessário fosse, a obscenidade de um regime incapaz de conviver com os princípios mínimos da decência. Para além disso, priva-nos do contacto com uma sociedade iraniana que, para lá da cortina de ferro do fundamentalismo teocrático, se apresentava em alguns filmes de Panahi com modos de vida simples que deixavam imagens de simpatia  e de gente comum. Isto porque os filmes de Panahi sempre foram retratos sociológicos e nunca questionaram de forma directa o poder político ou a religião. Trata-se, pois, de mais uma cena de barbárie rodada em Teerão. Perante factos como este, todas as tentativas de branquear o regime que os encena são filmes. Da pior qualidade.

* o texto integral da defesa de Panahi pode encontrar-se aqui (em inglês).

É preciso ter calma

Pedro Correia, 01.09.10

Parece que andam aí umas almas muito alvoroçadas por haver quem registe presenças e ausências numa manifestação. Gostaria de tranquilizá-las: isso é comum fazer-se em qualquer manifestação - e acreditem que percebo alguma coisa desta matéria. Recordo-me, por exemplo, de o DN ter publicado na capa a fotografia da mulher de um destacado dirigente socialista numa manifestação de professores contra o Governo. É um facto tão relevante como a ausência, numa manifestação pelos direitos humanos, de pessoas conotadas com partidos que fazem profissão de fé "humanista".

Espero sinceramente que este meu testemunho sirva para que tais almas não se inquietem com tão pouco e possam enfim preocupar-se com coisas realmente importantes. O desprezo pelo direito à vida na República Islâmica do Irão, por exemplo. Ainda não lhes ouvi uma palavrinha sobre o assunto.

Saber dizer "não" em vez de um vulgar "talvez"

Pedro Correia, 29.08.10

 

Num mundo dominado por incertezas, onde tantas vezes escutamos a palavra "talvez", há que saber também dizer não. Com toda a clareza. Há quem se preocupe em cultivar adversativas à la carte, acrescentando um “mas” justificativo das mais brutais agressões dos direitos humanos. Em nome do respeito pelas diferenças culturais, relativizam-se atropelos de toda a espécie. Em nome de afinidades políticas ou cartilhas ideológicas, absolve-se num quadrante o crime que se denuncia noutro.
As indignações selectivas retiram autoridade moral a quem se dedica a esta prática nada recomendável. Como criticar retrospectivamente a ditadura salazarista, que organizava eleições fraudulentas e perseguia opositores políticos, enquanto se aplaudem práticas do mesmo género no mundo contemporâneo em países como o Irão, onde as presidenciais de 2009 decorreram num inaceitável contexto de coacção, violência e medo? De que vale enaltecer uma figura como a do general Humberto Delgado, com a sua impetuosidade heróica, enquanto se reservam palavras de compreensão ou mesmo de elogio aos salazares de barba e turbante que transformaram o Irão num cenário de pesadelo? De que serve hoje denunciar os desmandos da ditadura do xá derrubado em 1979 enquanto se evita qualquer crítica ao actual regime teocrático de Teerão que destina a tantos dos seus cidadãos, como opções exclusivas, o exílio ou a "justiça islâmica", com o seu brutal cortejo de condenações à morte?
Há realidades inaceitáveis, que não podem ser justificadas por quadrantes geográficos, crenças religiosas ou matizes culturais. A prática da escravatura é inaceitável. A mutilação genital feminina é inaceitável. As lapidações são inaceitáveis. E os regimes que praticam ou toleram atrocidades deste tipo são igualmente condenáveis. Sem ambiguidades, sem adversativas. Sem a palavra "talvez".

 

Publicado hoje no DN

Almas gémeas

Pedro Correia, 28.08.10

De súbito, à esquerda e à direita, certos artilheiros nada melhor têm a dizer do que procurar ridicularizar uma manifestação hoje realizada em Lisboa (e em mais outras cem cidades do mundo) a favor da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada por suposto "adultério" a ser apedrejada até à morte - a forma mais bárbara de execução. É bem verdade que os extremos se tocam. Insuspeitáveis almas gémeas aliviam-se em sintonia nestas ocasiões, não para intervir a favor das vítimas mas em generosa condescendência com os carrascos.

Lembremo-nos disto da próxima vez que alguma destas luminárias decidir impingir-nos virtuosas pregações. Em nome dos bons costumes, do "liberalismo", do "socialismo", da revolução permanente, sei lá que mais. Ou até em nome dos direitos humanos, que por vezes costumam dar jeito para alinhavar uma crónica quando falta inspiração para outro assunto.

Contra a barbárie

Pedro Correia, 27.08.10

 

Amanhã, em mais de cem cidades do mundo, haverá protestos contra a barbárie anunciada no Irão, onde nos últimos 31 anos pelo menos 150 pessoas foram apedrejadas até à morte. Em Lisboa protesta-se também. No Largo de Camões, às 18 horas.

É um protesto igualmente contra o relativismo cultural, que nos impele a "respeitar todas as culturas", mesmo aquelas que toleram, incentivam e propagam a barbárie. Estas culturas não merecem qualquer respeito. Mais: merecem que nos pronunciemos activamente e deliberadamente contra elas. Mais ainda: não merecem sequer ser associadas ao nobre substantivo "cultura", tantas vezes abastardado. Porque barbárie e cultura são realidades incompatíveis. Digam o que disserem os relativistas.

Maus cheiros de Bissau?

João Carvalho, 09.08.10

Não me cheira bem a visita do presidente da Guiné-Bissau ao Irão. Nem me cheira bem que a CPLP se arrisque a cair no descrédito internacional quando for tarde para ver uma estação de balística de longo alcance iraniana nos Bijagós para actuar no Atlântico, ou algo do género.

Devo ser eu a sonhar, claro, e espero estar enganado. Mas lá que não gosto do cheiro, não gosto. Nem sequer gosto da possibilidade de o Irão ajudar "desinteressadamente" a Guiné-Bissau. Não fica tudo muito malcheiroso?