O esbulho fiscal dos salários
É vulgar e fácil de concluir que os salários em Portugal são demasiado baixos.
Não me quero meter na lavra dos economistas e começar para aqui debitar tiradas sobre rendimento real ou nominal e sobre ganhos de produtividade. Propus-me apenas a observar, de forma muito simplista, alguns dados que sendo públicos quis o governo que fossem ocultados. Para isso recorri ao simulador de salários líquidos para o ano de 2020 do site doutorfinancas.pt.
Como é práctica corrente, e fazendo tábua rasa do significado da expressão “subsidio de refeição”, considerei que o valor creditado no cartão refeição é também um rendimento. Não considerei o subsídio de férias nem de natal.
Tendo em mente os jovens da geração mais bem preparada de sempre e a sua capacidade em se tornarem financeiramente independentes escolhi os dados que lhe fossem adequados e por isso os cenários que simulei referem-se a um sujeito não casado e sem dependentes.
O primeiro cenário respeita a um jovem recém-formado que tenha negociado com a sua entidade patronal um salário de 1.000€ líquidos.
O valor do salário base indicado foi definido por tentativas de forma a encontrar o salário liquido pretendido. Neste caso 1, em que o empregado recebe 1.000€ líquidos, o seu patrão tem um custo de 1.531€ e por isso podemos afirmar que este jovem apenas recebe uma parcela de 65% do custo suportado pela empresa.
Consideremos agora que o empregador está muito satisfeito com o desempenho deste jovem ao ponto de o querer aumentar. Nesse caso (cenário 2) para um aumento líquido de 100€ o empregador terá de gastar mais 208€. O valor final auferido é assim reduzido para 63% da totalidade do custo salarial da empresa.
Se imaginarmos que este jovem é um engenheiro informático que foi contratado por uma startup criativa de capitais irlandeses que por cá assentou arraiais na vaga do Web Summit, então as suas referências salariais são outras. Considerando que o SMN Irlandês é de 1.656€, a empresa oferece a este jovem engenheiro 2.000€ líquidos. Assim teremos:
Neste caso o jovem engenheiro irá receber apenas 52% do custo suportado pela empresa que quis investir no nosso mercado. O Estado retém 48% do valor que a startup desembolsa.
Para quem possa pensar que esta dimensão do valor retido pelo estado respeita apenas a altos (?) ordenados veja então o casos do nosso SMN.
Este caso 4 respeita ao SMN e o caso 5 a um salário líquido de SMN+100€. Mesmo nestes casos de salários baixos o estado retém no mínimo 23% para logo imediatamente a seguir, pela fartura de mais 100€ passar a reter 31%.
A segurança social paga pelo empregador, não consta no recibo de ordenado por opção política. O discurso anti-capitalista é uma marca cultural do regime fundado pela constituição socialista de 1976. Ora, se o empregado não tiver conhecimento de quanto efectivamente custa à empresa onde trabalha será mais fácil alinhar numa atitude anti-patronato, e isso agrada ao mainstreem socialista. A IL propôs em novembro do ano passado que esta informação passasse a ser dada ao empregado, mas essa proposta não passou no Parlamento.
Acrescento ainda que estes valores aqui apresentados não incluem a totalidade dos custos obrigatórios e igualmente suportados pela empresa empregadora, como sendo formação, seguros de acidentes de trabalho, segurança e higiene no trabalho e equipamento de segurança. E haverão outros, que me escaparam.
Perante estes dados, uma infinidade de diferentes interpretações podem ser feitas. Cada um de nós terá a sua que aqui pode partilhar. Eu, em breve aqui regressarei com a minha.