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Delito de Opinião

Conferência sobre Portugal Agora, ideias para o país

Patrícia Reis, 12.12.13

Eu ia ler isto hoje no pavilhão da ciência no âmbito do evento Portugal é Agora, organizado pelo Fernando Alvim, depois improvisei:)

A grande diferença entre ser-se uma pessoa – ou povo culto – não está no dinheiro, está na cultura geral. Dito isto, frase que ouvi uma vida inteira de um tio autodidacta que nunca teve a oportunidade de ir à escola, mas que aprendeu a ler e sabia distinguir as suites de Bach, posso ser acusada de falta de originalidade já que a ideia que trago é quase – reforço o quase – banal.

Este ano o meu filho mais velho foi, com 17 anos, para a universidade e, como todos os adolescentes, detesta e não compreende por que carga de água é que o sistema de ensino o anda a castrar há anos. É a versão dele. Não me admira, eu tive o mesmo sentimento.

Agora, quase a fazer 43, posso dizer sem qualquer sentimento de amargura: abençoada educação que tive. Tudo se resume a isto. À educação.

Querem mudar o país? Força.

Mas temos de mudar a forma como a educação está integrada nas famílias e nas escolas. Começo pelas famílias por saber que a maioria dos miúdos não tem os suportes que deveria ter, nem as possibilidades que eu tive.

O meu tio-avô, por se achar, porventura, em desvantagem, achou por bem enfiar-me num caldo de educação e cultura semelhante à sopa da pedra. Sim, porque a educação, ou a cultura, não se resume a saber um canto dos Lusíadas ou a conhecer Bach ou a não responder, como sucedeu no início deste ano lectivo, à porta das universidades, que Leonardo di Caprio pintou a Mona Lisa.  A educação implica saber que os gestos de cidadania são uma forma de estar em sociedade e que podem contribuir para mudar o mundo. O racismo existe e é preciso falar dele. Os abusos nas famílias são, estatisticamente, assustadores e a estatística não mostra tudo. De Janeiro a Maio deste ano, 27 mulheres foram mortas pelos maridos. Há miúdos que passam fome e há uma comunidade de sem abrigos, mesmo aqui ao lado, na Gare do Oriente, onde já não se vêem apenas os drogados, os alcoólicos, vêem-se famílias.

Mudar o país? Começa em casa. Começa por sabermos viver sem medo e sem nos escudarmos no anonimato para apresentar queixa. Ou, se preferirem, passa ainda por não ir para as redes sociais mal dizer tudo e todos. Os portugueses são, por reputação, pessimistas. É um facto. Não aprendemos a celebrar o sucesso do outro e, nos dias que correm, tão pouco sabemos ter tempo para o outro ou simplesmente para ouvir. Educar também é isto. Ouvir. Explorar. Deixar falar. Não ter planos para o futuro dos filhos que não são a nossa folha de excell.

Educar não é o papel exclusivo das famílias, os miúdos estão no mundo e, nos dias que correm, têm mais acesso à informação do que alguma vez tiveram. Tudo está disponível. Uma mãe, um pai, não faz ideia do que se passa na cabeça de um adolescente. Os adultos são mais previsíveis, portanto eles dão-nos a volta com facilidade. Mas, voltando à educação, não sendo exclusivo das famílias, teremos de aceitar que não é uma tarefa que possa ser entregue a cem por cento aos professores. E não me importam os maus professores, há maus professores, maus pais, maus jornalistas, maus escritores, maus homens do lixo. Mas há os bons. A educação eficaz é um compromisso entre a família e a escola e, uma vez na escola, os miúdos são expostos a realidades distintas.

Há dois anos, numa conversa mais séria, fui acusada de não educar os meus filhos para serem salsichas nobre. Eles não encaixam no padrão. Eu também não encaixava. Quando a acusação me foi feita, por um adolescente, meu filho, pois limitei-me a dizer que sim, sim, ok, mas se tivermos de voltar atrás, faço tudo como fiz, mal ou bem, e aos 20 anos, com um pouco de sorte, o dito rapaz fará o favor de me agradecer. Ou queixar-se ao psiquiatra.

 

 

Nós, nascidos na década de 70, fazemos parte da geração que não fez o 25 de Abril, temos uma democracia muito nova do ponto de vista histórico, são apenas 40 anos. A única vez que nos manifestámos antes da Troika? Não se lembram? Foi por Timor-Leste. Portugal saiu à rua por um país que abandonou em 1975. Um dos países mais jovens do mundo. E se tivesse que  fazer um país de novo, e no nosso caso é uma utopia e até por termos as fronteiras mais antigas da Europa, continuaria a apostar fortemente na educação.

Porque a escola é o espaço mais democrático que temos: todas as crianças têm acesso e direito à educação, a escolaridade obrigatória é finalmente de doze anos, os mesmos conhecimentos e valores são ensinados a todos.

A democracia começa na escola, aí onde nos são dadas as ferramentas essenciais para o desenvolvimento intelectual e social dos jovens.

Independentemente da classe social, do estatuto económico, da religião dos pais, da etnia, todos têm acesso à educação.

Dentro da escola, todos os alunos são iguais e aprendem a viver em comunidade.

A partir dos anos 90, a escola acelerou o seu processo de democratização, começado anteriormente, após o 25 de Abril: turmas em que se aprende consoante as capacidades, a ritmos diferentes, a educação centrada no aluno.

Criaram-se os territórios de intervenção prioritária onde, à semelhança de outros países da Europa, nas zonas de maior carência económica, o

investimento é ainda maior e mais personalizado.

A educação de adultos estendeu-se a todo o país, não apenas para tirar a 4ª classe obrigatória para a carta de condução, mas para aprender a ler e escrever, para progredir no emprego, para acabar com o fosso entre pais e filhos.

Pela 1ª vez, a percentagem de analfabetismo desceu dos 2 dígitos que caracterizava o nosso país.

 

Mas é preciso não desinvestir, o trabalho em educação exige que não haja retrocessos, pode perder-se em curto espaço de tempo o trabalho das últimas 3 décadas.

 

Em resumo: O que importa? Não se pode só criticar, tem de se dizer que o papel da escola na construção da democracia é essencial, assim como na luta contra a violência, na construção de uma ideia de paz, liberdade, cidadania e solidariedade. Ter uma boa caixa de ferramentas para o mundo e, naquilo que me respeita, não mandar as crianças pensar no futuro num outro país já que este, apesar do escárnio e mal-dizer, dá cartas desde o desporto à ciência, da literatura ao património. Ou seja, somos ou não somos uma boa sopa da pedra? Parece que somos.

Hannah Arendt

Patrícia Reis, 01.05.13

The moment we no longer have a free press, anything can happen. What makes it possible for a totalitarian or any other dictatorship to rule is that people are not informed; how can you have an opinion if you are not informed? If everybody always lies to you, the consequence is not that you believe the lies, but rather that nobody believes anything any longer. This is because lies, by their very nature, have to be changed, and a lying government has constantly to rewrite its own history. On the receiving end you get not only one lie—a lie which you could go on for the rest of your days—but you get a great number of lies, depending on how the political wind blows. And a people that no longer can believe anything cannot make up its mind. It is deprived not only of its capacity to act but also of its capacity to think and to judge. And with such a people you can then do what you please.

Rui Zink também pode dizer sobre o Estado do país? Sim.

Patrícia Reis, 09.12.12

Cinco leis que o escritor Rui Zink (o último livro chama-se Instalar o Medo e é muito bom, não está no top da Bertrand mas deveria estar) faria aprovar: 1) Proibir a hipocrisia. 2) Multar a demagogia. 3) Obrigar os filhos dos ministros a frequentarem a escola pública. 4) Interditar por dez anos que ex-governantes ocupem cargos em empresas com as quais negociaram, em nome do Estado, com prejuízo óbvio para o Estado. 5) Duplicar, no legislador e classe dirigente, os "sacrifícios" que pedem aos outros.

"Grandes ideias...

José Gomes André, 12.07.12

... impossíveis de provar". Eis o sugestivo título de um magnífico livro editado pela Tinta da China, que recolhe dezenas de contributos de reputados cientistas das mais diversas áreas (astrofísica, biologia, informática, medicina, psicologia, filosofia, etc.). O desafio? Indicar em meia dúzia de linhas um palpite sobre uma hipótese científica que o autor julga ser verdadeiro, mas que as limitações da ciência actual impedem para já de comprovar. O resultado é uma espécie de viagem ao futuro promovida pela imaginação humana, que nos aponta notáveis possibilidades - a vida noutros planetas, a aplicação da teoria da evolução ao mundo virtual, a existência de consciência nos animais, universos paralelos, entre muitas outras abordagens aos mistérios da ciência.

 

Deseja o caro leitor entrar no jogo? Deixe-nos o seu palpite: "O que acredita ser verdade, mesmo sem poder prová-lo?"

Uma ideia genial!

Luís Menezes Leitão, 23.01.12

 

De facto, o que a União Europeia neste momento realmente precisava era de um embargo petrolífero ao Irão. No mesmo dia em que Christine Lagarde avisa a União Europeia para ter cuidado, pois a crise do euro pode significar uma nova Grande Depressão, nada melhor para apimentar ainda mais a coisa que criar um novo choque petrolífero, fazendo o preço dos combustíveis disparar ainda mais. E como a Espanha e a Itália estão em risco de precisar de uma ajuda externa que ninguém lhes pode dar, não há melhor que retirar-lhes desde já o acesso ao seu tradicional fornecedor de petróleo, forçando-as a procurar alternativas seguramente mais caras. Não sei quem foi o autor da ideia, mas ela merece desde já o prémio do disparate do ano ou, se calhar, do século.

O pregão

João Carvalho, 12.09.11

Haverá coisa mais básica, mais primária por natureza, mais falha de sentido real do que o pregão «as pessoas estão primeiro»? A falta de ideias só não é triste enquanto não se manifesta.

Meio século sem Camus

Pedro Correia, 03.01.10

 

Às vezes, basta um parágrafo - um simples parágrafo de abertura. Albert Camus, naquele que seria o seu romance de estreia, em 1942, conseguiu escrever esse parágrafo que fica a perdurar na memória de qualquer leitor: "Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: 'Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.' Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem."

É assim o começo d' O Estrangeiro, um dos livros de ficção do século XX que melhor reflectem o desamparo do homem perante as encruzilhadas da existência: Camus, com apenas 29 anos, revelava-se desde logo como um dos grandes nomes da literatura universal, que a Academia de Estocolmo confirmaria em 1957, ao atribuir-lhe o Prémio Nobel. O Estrangeiro, traduzido para mais de 40 idiomas, é hoje o recordista absoluto de vendas em formato de bolso em França. E a actualidade do pensamento de Camus - tão ou mais notável como ensaísta do que como romancista - é indiscutível. Na sua recusa intransigente do compromisso dos intelectuais com sistemas totalitários, na sua obstinada luta contra a violência como instrumento de acção política e na sua afirmação de que "todo o despotismo, mesmo provisório", deve ser rejeitado. Na sua denúncia simultânea dos campos de extermínio nazis e dos gulags soviéticos. E também no modo inequívoco como se pronunciou, logo em Agosto de 1945, contra o lançamento das bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáqui: "Marx não recuou em 1870 perante o elogio da guerra, que ele pensava que deveria fazer progredir, pelas suas consequências, os movimentos de emancipação. Mas tratava-se de uma guerra relativamente económica e Marx raciocinava em função de uma espingarda com baioneta, que é uma arma de crianças. Hoje em dia, vocês e eu sabemos que as consequências de uma guerra atómica são inimagináveis e que falar da emancipação humana num mundo devastado por uma III Guerra Mundial é algo que se parece com uma provocação."

Ao princípio da tarde de 4 de Janeiro, faz amanhã 50 anos, o Facel-Véga em que Camus seguia, conduzido pelo seu editor e amigo Michel Gallimard, embatia inexplicavelmente contra um plátano situado na berma da estrada perto de Sens, quando fazia o trajecto entre a Provença e Paris. Numa recta, à luz do dia, com plena visibilidade. O escritor, cuspido do carro, teve morte instantânea. No interior do veículo estava o manuscrito do seu romance autobiográfico O Primeiro Homem, deixado inacabado mas publicado em 1994.

Mersault, o anti-herói d' O Estrangeiro - que mata "por causa do sol" e sobe ao cadafalso afirmando que "fora feliz e que o era ainda" -, não se importaria decerto de terminar assim os seus dias. De forma tanto mais absurda por ser tão trágica e tanto mais trágica por ser tão absurda.

Os fins não justificam os meios

Pedro Correia, 13.12.09

 

Neste tempo onde as modas florescem e falecem a uma velocidade estonteante, poucos escritores assistem a uma glória póstuma semelhante à de Albert Camus. Quando faltam poucas semanas para ser assinalado o 50º aniversário da sua trágica morte, num brutal acidente rodoviário, anunciam-se novos lançamentos editoriais em Paris que se destinam a iluminar o legado do autor d’ A Peste: um vasto Dictionnaire sobre a sua obra, com 992 páginas; Les Derniers Jours de la Vie d’ Albert Camus, de José Lenzini, com a chancela da editora Actes Sud; e a biografia elaborada pela sua filha Catherine, para a editora Lafon, que promete imagens e documentos inéditos, sob o título Solitaire e Solidarie. Título perfeito que vem juntar-se a tantos outros dedicados ao vencedor do Nobel da Literatura de 1957, de quem Jean-Paul Sartre – que foi seu amigo antes do tão propalado corte de relações entre ambos, em 1952, por divergências políticas – chegou a censurar por escrever “demasiado bem”.
 
Militante comunista em 1934, na sua Argélia natal, de pai operário e mãe analfabeta, Camus rompeu com o marxismo ao tomar conhecimento dos crimes de Estaline. Ao contrário de Sartre, e remando contra os postulados de Marx, rejeitou o conceito de “violência progressista” insurgindo-se contra os totalitarismos de todos os matizes e o terrorismo como forma de acção política com o mesmo vigor com que, enquanto jovem jornalista, se indignara contra a exploração colonial nas páginas do Alger Républicain com uma série de reportagens na Cabília que deixaram rasto. Ficou célebre a sua declaração proferida em 1957 na Suécia, quando ali se deslocou para receber o Nobel: “Neste momento, lançam-se bombas sobre os eléctricos em Argel. A minha mãe poderá ir num desses eléctricos. Se isso é a justiça, prefiro a minha mãe.” As bombas da Frente de Libertação Nacional, que se opunha ao domínio colonial francês, eram a seu ver tão injustificadas como os tiros mortais contra os dispersos soldados alemães que restavam em Paris após a Libertação, em Agosto de 1944. “Uma vez mais a Justiça tem de ser comprada com o sangue dos homens”, protestou num célebre editorial do Combat. Eis um tema recorrente na sua obra literária e jornalística: os fins não justificam os meios.
 
A memória deste homem que desconfiava de todos os poderes é hoje cortejada pelo poder político: o presidente Nicolas Sarkozy anunciou a intenção de transferir os seus restos mortais da aldeia de Loumarin, na Provença, para o Panteão – honra apenas concedida, na última década e meia, a André Malraux (1996) e Alexandre Dumas (2002). Proclama-se admirador da sua obra, a tal ponto que quis conhecer a praia de Tipaza, cenário de uma cena capital d'O Estrangeiro – um livro que não cessa de ser campeão de vendas – durante uma recente visita oficial à Argélia. E foi ao ponto de sublinhar: “Graças a Albert Camus, sinto a nostalgia, cada vez que venho à Argélia, de não ter nascido no norte de África.” Palavras que poderiam ser subscritas por milhares de admiradores do escritor.
Camus está na moda - o que não deixa de ser irónico, pois ele definia o intelectual como "um homem que sabe resistir à moda dos tempos". A explicação para isto pode ser encontrada no inesquecível obituário que Sartre lhe dedicou no France-Observateur, a 7 de Janeiro de 1960: "O seu humanismo teimoso, estreito e puro, austero e sensual, travava um combate incerto contra os acontecimentos maciços e disformes deste tempo. Mas, inversamente, pela espontaneidade das suas recusas, reafirmava, no coração da nossa época, contra os maquiavelismos, contra o bezerro de ouro do realismo, a existência do facto moral."