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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.08.24

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José António Abreu: «António Granado é professor na Universidade Nova de Lisboa. Mantém um blogue sobre jornalismo e comunicação social há mais de uma dezena de anos. Agora está de férias (conveniente para quem ande com as leituras tão atrasadas como eu) mas promete voltar em Setembro. O blogue da semana é o Ponto Media.»

 

Eu: «"Nunca devemos confundir movimento com acção", ensinava Hemingway. Tenho-me lembrado com frequência desta frase sábia que parecia antecipar o tempo actual, em que tudo se banaliza. É um tempo de anestesia colectiva, potenciado pelo efeito reprodutivo da internet, das redes sociais, dos canais de notícias, da televisão em fluxo contínuo. Já quase nada surpreende, já quase nada escandaliza ninguém. E o mais chocante nesta permanente girândola de imagens em movimento é o facto de as "consumirmos" (palavra muito em voga) numa total falta de enquadramento hierárquico de valores, proporcionada pela diluição do jornalismo clássico que funcionava como mediador neste circuito. Hoje tudo é importante. O que equivale a dizer que nada é importante.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 24.08.24

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João André: «Em tempos, os EUA criaram a internet. Pouco depois, Barners-Lee criou a World Wide Web. A meio da década de 90 do século XX, surgiu o Napster. Isto é semelhante a falar em criação do mundo, criação do Homem e abertura da caixa de Pandora. Não vejo de maneira nenhuma a troca de ficheiros na internet como "os males do mundo", mas a verdade é que como a caixa de Pandora, aquilo que saiu daquele momento já não pode ser desfeito. A partilha de ficheiros chegou para ficar e ainda bem que assim é.»

 

Luís Naves: «Em Março de 1951, o presidente da Argentina, general Juan Perón, anunciou ao mundo que o seu país conseguira o extraordinário feito tecnológico de obter “libertação controlada de energia atómica”, o que significava o domínio da mesma energia produzida no interior do Sol. Perón era um dos líderes mais admirados no mundo, um populista que fazia uma equipa imbatível com a sua mulher, Eva, mais conhecida por Evita Perón (...). O casal tinha carisma invulgar e tentava criar uma potência sul-americana, rival dos dois grandes, misturando políticas sociais, independência económica, nacionalizações, corporações, acções de massas e uma boa dose de autocracia. Quando o general anunciou que o seu país domara a energia das estrelas, a notícia era credível, pois se havia alguém capaz desse milagre era mesmo Perón. A Argentina teria acesso a energia barata e abundante, seria uma potência industrial, mas infelizmente o anúncio foi prematuro e a notícia era falsa: em vez de conseguir a fusão termonuclear, Perón embarcara num dos episódios mais bizarros e dispendiosos da história da ciência.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 23.08.24

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Luís Naves: «As contas externas mostram degradação em relação ao ano passado, mas continuam a ser (pelo menos até agora) um dos principais triunfos do período de ajustamento. No entanto, a ligeira recuperação da economia é demasiado frágil. Muita gente continua a não ver o filme.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Aquilo em que se acredita e nos faz continuar a acreditar. Sem vergonha, sem remorso. Olhando para o horizonte de olhos abertos. Sem tremer.»

 

Eu: «Traduzida em 58 idiomas, com mais de dez milhões de exemplares vendidos por todo o mundo, inscrita nos currículos escolares, A Oeste Nada de Novo perdura como uma das mais dramáticas descidas ao abismo da espécie humana degradada pelo horror da guerra. É, infelizmente, um livro que jamais passa de moda. Porque nunca sabemos extrair devidamente as lições que a História nos transmite e continuamos incapazes de vislumbrar num inimigo um olhar de um ser humano, tão precário e desamparado como qualquer de nós.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 22.08.24

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Luís Naves: «Os americanos perderam o Iraque e a intervenção de 2003 foi um erro crasso, como preveniram autores então acusados de idiotas. Ironicamente, os melhores amigos da América na região, os sauditas, ajudaram a financiar este grupo, pelo menos no seu início. O Estado Islâmico do Iraque e do Levante era potencialmente útil para os interesses da monarquia saudita, pois punha em causa o poder de Bachar al-Assad na Síria. Claro que o génio saiu da lâmpada e, como na história de Aladino, é preciso ter cuidado com o que se deseja. Bombardeando o EI na Síria, a América vai agora ajudar Bachar, aliando-se a Teerão, outro inimigo, para ser possível salvar ainda alguma coisa no Iraque, que se prepara para um conflito de anos. O mundo islâmico que conhecemos está a mudar de forma imprevisível e no meio de um banho de sangue.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «O facto de Obama ter chegado à Casa Branca não mudou nada. A mentalidade continua a ser a mesma. E a quantidade de casos em que a violência se repete sem qualquer justificação continuará a fazer dos EUA um país semimedieval, onde a conquista do espaço se confunde com o barbarismo dos seus polícias, onde o último grito em novas tecnologias se confunde com o radicalismo da NRA, a ignorância de uma Palin ou o primarismo de alguns congressistas. Contrastes pelos quais depois pagam os James Fowley que um dia tiveram o azar de nascer norte-americanos. Aquilo em que se acredita e nos faz continuar a acreditar. Sem vergonha, sem remorso. Olhando para o horizonte de olhos abertos. Sem tremer.»

 

Eu: «Foi o primeiro filme de grande impacto que nos mostra um estadista assassinado quase em directo. Aconteceu a 9 de Outubro de 1934, em Marselha, momentos após o desembarque na segunda maior cidade francesa do Rei Alexandre da Jugoslávia. O cortejo automóvel em que seguia, ao lado do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, rodara poucas centenas de metros quando o monarca foi assassinado à queima-roupa por um anarquista búlgaro, no banco traseiro de uma viatura parcialmente aberta.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 21.08.24

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Luís Naves: «Hoje poucos sabem o que foi o Império Corásmio, mas na época em que Portugal se formou, esta era uma das forças políticas mais importantes da Ásia Central e talvez uma das mais promissoras em todo o mundo conhecido. Em 1218, foi ali que ocorreu um dos grandes ‘ses’ da História. E se Mohamed II não tivesse insultado o grande Gengis Khan? Quando se verificou este funesto episódio, o império tinha dois séculos de fértil existência e ocupava o actual Irão, parte do Afeganistão e do Cazaquistão e a totalidade do Uzbequistão e Turquemenistão. Era, pois, um território enorme para o seu tempo, governado por uma dinastia sunita de língua turca, que descendia de um antigo escravo. Tudo acabou muito depressa, como se fosse engolido pelas areias do deserto e pelo recuo do Mar Aral.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «A primeira coisa que um líder sério, cujo poder é posto em causa por um "sistema de jagunços", deveria fazer seria esclarecer essas situações e promover a instauração de processos disciplinares, visando a expulsão de quem pagou as quotas dos falecidos e dos terceiros que, ainda vivos e com voz, se queixaram. Porque é essa jagunçada que descredibiliza a política e os partidos.»

 

Eu: «Nunca os economistas estiveram tanto em voga: quanto maior é a crise, mais rivalizam com os futebolistas enquanto campeões da permanência nos ecrãs televisivos. A esmagadora maioria limita-se a dizer-nos o que todos já sabemos, embora o diga com indisfarçável convicção: que as coisas estão más, que a situação é difícil, que a recuperação será lenta e penosa, que os problemas sociais poderão multiplicar-se, que a criação de emprego é um objectivo prioritário mas de concretização problemática. Ouço este corrupio de génios a desfilar na pantalha, noite após noite, e questiono-me por que motivo não terão eles surgido com a sua palavra avisada e esclarecida quando o rumo dos acontecimentos era ainda incerto e a prosperidade parecia prolongar-se em rota ascendente, ao contrário do que sucedeu depois

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 20.08.24

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Helena Sacadura Cabral: «Durante dois terços do jornal de um dos canais noticiosos, assisti a todo o tipo de desgraças: um jornalista americano degolado, um homem que queimara com água fervente a filha bebé porque ela não parava de chorar, um incêndio que matara pai e filho, que já se encontravam litigados em tribunal, a guerra na Crimeia e na Síria, os bombardeamentos na faixa de Gaza, a eventualidade do Papa Francisco abdicar, enfim, até a venda do Hospital da Luz a um grupo mexicano.»

 

Luís Naves: «Os casamentos entre pessoas de religiões diferentes representam em Israel um pesadelo para os noivos e isto aplica-se a todas as comunidades, incluindo a casamentos entre judeus e cristãos. A situação é mais grave se envolver um muçulmano, sobretudo do sexo masculino, mas os jornais israelitas dizem que o clima de intolerância piorou. Helena Matos tem o direito de não escrever sobre isso e preferir a notícia defeituosa, mas o problema não vai desaparecer apenas pelo facto de haver um texto mal escrito: o radicalismo não existe só num dos lados do conflito, existe em ambos. E o mundo muda e mudará de muitas maneiras, não necessariamente como os radicais desejam.»

 

Eu: «Entre os notáveis detractores que Churchill teve durante a década de 30, em que alertou os britânicos para a necessidade de rearmar o Reino Unido, destacam-se John Maynard Keynes e Bertrand Russell. O primeiro, já com Hitler no poder, justificou perante a opinião pública em Londres a atitude dos alemães, apontando o dedo acusador ao Tratado de Versalhes, que procurou impor uma "paz cartaginense" a Berlim. Russell, um pacifista de sempre, preferiu traçar cenários de horror no caso de um suposto ataque nazi à capital britânica: "Bastam 50 bombardeiros de gás para envenenar Londres inteira", declarou em 1934. Estes intelectuais prepararam o terreno para a "paz com honra" assinada por Neville Chamberlain com Hitler em Munique, 11 meses antes do início da II Guerra Mundial. "Teremos a desonra - e a guerra", alertou Churchill. Cheio de razão antes de tempo.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 19.08.24

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Adolfo Mesquita Nunes: «"A vida ser-nos-ia insuportável, mesmo nas condições mais felizes, se nos estivesse vedada a possibilidade do suicidio", diz-nos Endriade do Grande Retrato de Dino Buzzati, que tenho trazido comigo. Fiquei nesta frase por algum tempo, procurando ir além do deleite aforístico, e descobri-lhe uma interessante ilustração da liberdade enquanto valor primeiro e anterior a qualquer outro. O valor da vida, assim como o valor do bem, existe na medida em que esta se funda também numa escolha. O que seria de nós, como nos provoca Endriade, se soubéssemos que não díspunhamos da nossa própria vida? Que sentido lhe encontraríamos?»

 

Luís Naves: «O que sucedeu a 19 de Agosto de 1989 em Sopronpuszta estava além dos sonhos mais desvairados de qualquer crítico dos regimes comunistas. A fronteira era agora uma simples cancela e os alemães orientais que tinham acorrido ao local limitaram-se a puxar a barreira, enquanto os polícias austríacos e húngaros olhavam, espantados. Depois, foi o caos: as pessoas correram, atropelaram-se e, em minutos, tinham escapado mais de 600, que largaram tudo para trás.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Podem continuar a fazer reformas como até aqui, a promover primárias, directas, prós e contras, comissões de inquérito, novos acordos ortográficos, a constituir fundações e a endeusarem desportistas ricos, que sendo muito bons no que fazem não deixam de ser quem são, e miúdas giras. Daquelas que usam telemóvel "xpto" com a boca cheia e levam a faca à boca enquanto mostram os aveludados seios fartos nos matutinos e revistas da sociedade.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 18.08.24

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José António Abreu: «Assustador é pensar (mas pensar é quase sempre assustador) que podemos estar no limiar de uma nova crise financeira sem verdadeiramente termos saído da anterior (i.e., sem margem para novos cortes de rendimento) e com os bancos centrais atulhados de garantias sem valor e praticamente desprovidos de munições (circunstância que pelo menos os deverá impedir de, mais uma vez, adiar - e agravar - o problema). A próxima correcção vai ser a sério.»

 

Luís Naves: «No segundo texto da sua coluna, Alberto Gonçalves considera idiota a indignação com a Faixa de Gaza enquanto houver jihadistas a degolar curdos no Iraque. Ele usa mesmo esta expressão, idiota. O segundo texto da coluna (Onde fica a Embaixada da Letónia?) usa o método retórico da ironia para defender a tese de que há graus de mal e não faz sentido a crítica aos graus menores enquanto persistem os maiores. Hoje assisti a um assalto na minha rua, um matulão a bater numa velhinha e, quando pensei em intervir, moderei a indignação e pensei nos curdos degolados por jihadistas; a velhinha ficou maltratada, mas julgo que fiz bem em não travar o assalto, por causa dos jihadistas que degolam curdos.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 17.08.24

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Ivone Mendes da Silva: «Depois do encerramento de Last Tapes, oh que belas memórias, Rui Manuel Amaral começou a escrever a solo Bicho Ruim. Um fundo branco, letras bem visíveis. Textos curtos, trabalhados. E uma coisa que me agrada: raras por lá são as fotografiazinhas. Uma ou outra, se for muitíssima boa e vier realmente a propósito. Excepção feita, que não sou parva, aos blogues de fotografia. Agora se não o forem, é texto sobre o template e mais nada. Eu não sei por que razão faço sempre destas desmesuradas declarações de voto.»

 

Luís Naves: «Através de Smiley, Le Carré capta o mundo de sombras onde a lealdade foi sacrificada a cálculos distorcidos, onde trair se tornou um jogo trivial e a verdade se esconde no nevoeiro de mil enganos. Mas este mundo de espiões não é mais do que uma analogia do nosso próprio mundo. A ambiguidade e o efémero comandam as relação entre as pessoas. Valores como lealdade são hoje pouco valorizados, os nossos amigos são descartáveis, em nome das vantagens tácticas e da visão de curto prazo. Enganar tornou-se um vício, o desprezo pelo outro é a norma, até à desumanização, se isso for necessário para preservar as pequenas ilusões do poder.»

 

Eu: «Este romance [O Adeus às Armas], escrito precisamente a meio do intervalo entre as duas guerras mundiais, tem ainda um carácter premonitório raras vezes sublinhado pela crítica. O filho que não chega a nascer funciona como metáfora da esperança adiada num planeta limpo desse pecado original que é a guerra. Escrevendo noutro tempo, e num contexto muito diferente, Sophia de Mello Breyner Andresen resumiu em versos admiráveis este dilema existencial do frágil ser humano confrontado com os horrores do mundo: "Mal de te amar neste lugar de imperfeição / Onde tudo nos quebra e emudece / Onde tudo nos mente e nos separa." Versos que Catherine poderia ter sussurrado a Frederic naquela noite de despedida em que a tempestade se abateu sobre Milão.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 16.08.24

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Luís Naves: «Os críticos da União Europeia insistem na ideia da mediocridade política da Europa e os exemplos parecem confirmar a tese. Israel ignora as opiniões europeias e até as desdenha; durante a intervenção da Líbia faltaram munições; e, mais recentemente, foi difícil concordar nas sanções contra a Rússia, com os 28 divididos entre pombas e falcões, com a Alemanha no meio. O caso da Rússia é exemplar: este império em declínio hostiliza um país vizinho com quem tem afinidades e confia na fraqueza da resposta europeia. E ocorre o seguinte paradoxo: embora a Rússia tenha uma economia 12 vezes inferior à da UE, as sanções decididas pela Rússia contra interesses europeus tiveram forte impacto mediático. Na Ucrânia, país europeu entre a Rússia e a UE, trava-se de novo uma guerra, aliás a poucas centenas de quilómetros da região onde há cem anos, em Agosto e Setembro de 1914, combateram enormes exércitos, tendo os russos batido os austro-húngaros de forma tão completa que a Áustria nunca recuperou.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 15.08.24

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Patrícia Reis: «Durante o intervalo, no pátio da escola primária, brincava-se a um jogo que sempre detestei: um lenço vermelho emprestado pela Professora Isabel da terceira classe, era amarrado à volta dos olhos da cabra-cega-A vítima que ficava acocorada, com os olhos escondidos pelo tecido, no centro de uma roda de mãos das outras crianças.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Guterres tem boa imprensa - tal como Cavaco Silva no seu tempo e Passos Coelho ainda mantém -, mas para conseguir ser bem sucedido vai ter de se afastar da imagem que deixou no espírito de muitos portugueses de ser um "mole" demasiado palavroso. O ACNUR deu-lhe outra dimensão e mostrou que é um homem que não foge à luta, sendo capaz de compreender a dimensão do sofrimento humano.»

 

Teresa Ribeiro: «Tinha sido condenado à morte, mas não se preocupou, pois sabia que para escapar-lhe só teria de se aspergir, no momento certo, com a fragrância que ele próprio criara, a sua obra-prima.»

 

Eu: «Como era de esperar, os brasileiros não estão satisfeitos com o "acordo" ortográfico. E avançam já com novas sugestões para desfigurar ainda mais a ortografia portuguesa: eliminar a consoante H no início das palavras e substituir CH por X. Genial. Homens honestos tornam-se omens onestos da noite para o dia e a honra encurta-se para onra. Tudo a golpe de engenharia legislativa liderada por analfabetos funcionais.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 14.08.24

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Luís Naves: «Infelizmente, Portugal entrou num período de paralisia, pois as instituições parecem incapazes de compreender o problema e estão a fazer as manobras políticas a que se habituaram no passado, posicionando-se para uma longa luta pelo poder.  As últimas decisões do Tribunal Constitucional fazem parte desse jogo político, mas tornam quase impossível o cumprimento do Tratado Orçamental, forçando o Governo a uma crise, a um aumento de impostos que não deseja e que o condena a uma derrota nas urnas.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Sabendo-se que conta com todos, com excepção daqueles que antecipadamente excluiu, espero que António José Seguro anuncie rapidamente o seu governo de coligação. E as pastas.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 13.08.24

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Helena Sacadura Cabral: «Trabalhei com Emídio Rangel, quando da estreia da SIC, com um programa de entrevistas chamado "Segredos". Guardo dessa época uma grata recordação. Rangel era um homem polémico mas competente. Encarou a doença com uma enorme dignidade e, confesso, fui apanhada de surpresa com a notícia da sua morte. A televisão nacional perde alguém que sabia do seu ofício.»

 

José António Abreu: «Na adolescência, apesar da minha desesperante falta de jeito para assobiar, To Have and Have Not era o meu filme favorito. Ainda hoje continuará perto do topo (evito fazer esse tipo de listas). Tinha suspense, música, humor e, acima de tudo, Lauren Bacall, envolvida num delicioso jogo de sedução com Humphrey Bogart. Um jogo baseado em olhares (the Bacall look, nascido do nervosismo inicial aquando dos screen tests, que a levou a baixar a cabeça e a rodar os olhos para cima) e frases provocantes, tão inocente pelo padrões actuais mas tão verdadeiro que, como o surpreendido e ligeiramente enamorado Howard Hawks comprovou, extravasou das personagens para os actores, dando origem a uma das relações mais sólidas (ainda que, como qualquer relação, não isenta de tensões) que Hollywood já viu.»

 

Luís Naves: «A democracia recebe a culpa pelos ‘excessos’ do liberalismo e do politicamente correcto. Os políticos vão pedir condições de estabilidade e oferecer em troca mais autoridade. Vamos ouvir falar muitas vezes em comunidade nacional, valores tradicionais, segurança. Nos próximos anos, vamos ouvir falar menos vezes em tolerância cultural e em liberdade.»

 

Teresa Ribeiro: «Robin Williams matou-se e eu, assim que soube a notícia, lembrei-me daquela tristeza irreparável que lhe velava os olhos mesmo quando interpretava papéis cómicos. Gostava muito dele. Dois filmes de cabeceira, Clube dos Poetas Mortos O Bom Rebelde, ligaram-nos para sempre. Talvez esse laço afectivo me tenha ajudado a ver aquele desamparo metódico que o afastava do mundo e que segunda-feira tornou oficial. Apetecia-me perguntar-lhe "para quê a pressa?"»

 

Eu: «Emídio Rangel não foi apenas mais um jornalista: fez a diferença, sem recear a polémica, pulverizando consensos, dividindo opiniões, sabendo andar sempre à frente do seu tempo. Criou a TSF em 1988, desengravatando a rádio, aproximando-a das pessoas, rompendo o monopólio das agendas oficiais. Criou a SIC em 1992, pondo fim a um longo ciclo do "Portugal sentado" nos telejornais da estação única, estatal, governamentalizada. Criou um estilo muito próprio. Com um talento que já lhe vinha de trás, dos tempos em que trabalhou na rádio pública e foi justamente galardoado com um prestigiado prémio de jornalismo. Foi amado e odiado, mas nunca deixou de ir à luta. Perdeu algumas batalhas, mas venceu as mais decisivas. Deixando a sua impressão digital em todos os sítios por onde passou.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 12.08.24

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José António Abreu: «A rapariga, provavelmente ainda adolescente, caminha pelo passeio na minha direcção. É bonita mas pesa no mínimo vinte quilos mais do que as normas estéticas em vigor recomendariam. Veste uma blusa roxa com duas palavras escritas na zona do peito, em letras formadas por pontos brilhantes: Love Sucks. Sei que a adolescência é um período complicado para toda a gente mas, enquanto passamos um pelo outro, não consigo evitar perguntar-me se, pesando menos os tais vinte quilos, ela a teria comprado. Tão cedo.»

 

Luís Naves: «Visto a partir da segurança do extremo ocidental da Europa, o Médio Oriente parece uma zona de desastre e colapso. A tragédia em Gaza é quase inexplicável: os habitantes daquele território vivem como autênticos prisioneiros num campo de concentração; as poucas indústrias foram destruídas, não há água ou electricidade, a reconstrução será inútil, centenas de milhares perderam a casa ou ficaram traumatizados. Em cada novo espancamento, Gaza radicaliza-se um pouco mais. Aliás, a radicalização dos perdedores ajuda talvez a explicar a insanidade do Estado Islâmico do Iraque e Síria. Esta organização fez milhões de pessoas recuar um milénio, conquistou um território assinalável e combate todas as outras forças da região.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Com o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal em silêncio, sabe-se lá porquê, com o Presidente da República ainda a pensar como vai justificar a actuação do supervisor depois das infelizes declarações que fez, e perante a catadupa de notícias sobre a actuação do Banco de Portugal, o empréstimo (a fundo perdido?) ao cair do pano que a SIC confirmou, a acta dada a conhecer por um escritório de advogados e os accionistas que se livraram do mau papel mesmo em cima do acontecimento, estou admirado com a ausência de Nuno Melo. Só com Marques Mendes a explicar as coisas os portugueses ficam sem o contraditório. Logo agora é que nos havia de acontecer uma coisa destas.»

 

Eu: «Há qualquer coisa que me escapa nestes cifrões do futebol. E que não augura nada de bom enquanto vemos milionários oriundos de paragens longínquas tomar posse de históricos clubes europeus e empresários especializados em olear circuitos de transferências de profissionais do futebol engordarem cada vez mais as respectivas contas bancárias. Os tentáculos desse gigantesco polvo em que se tornou o futebol-negócio vão-se ampliando na proporção inversa da dimensão hoje reservada ao futebol-desporto, confinando-a a uma memória cada vez mais difusa de tempos passados. Há aqui uma enorme borbulha em potência que, quando estoirar, não deixará de provocar muitas vítimas inocentes.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 11.08.24

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Helena Sacadura Cabral: «Ontem fui ver o filme O Homem Mais Procurado, cujo título original, A Most Wanted Man, por uma vez, não se afasta da tradução. Trata-se de uma adaptação ao cinema do livro de espionagem do escritor John Le Carré, autor que muito aprecio e que tem como protagonistas Philip Seymour Hoffmann e Rachel McAdams. Hoffman, que se suicidou há uns meses tem, como sempre, uma interpretação excelente. Nos secundários Willem Dafoe é dos meus preferidos também.»

 

Luís Naves: «As elites deixaram de ler romances, que eram escritos por membros das classes altas. A literatura foi extremamente popular entre as pessoas influentes dos dois séculos anteriores, tema de conversa nos salões da aristocracia e, depois, nas festas dos burgueses da revolução industrial. O desconhecimento das novidades castigava-se com sarcasmo e a ignorância dos clássicos era impensável. Isto já não é assim e os escritores, que no passado tinham certa fama, pelo menos na sua cidade, estão agora inteiramente proletarizados. A literatura perdeu a aura intelectual que possuía, deixando de ser um farol das consciências. O mesmo é válido para pintores, violinistas ou maestros: o impacto social dos artistas é hoje tanto maior quanto mais se massificou a arte.»

 

Teresa Ribeiro: «O inspector tinha um animal de estimação fora do comum. Qual era?»

 

Eu: «O que havemos de esperar deste admirável mundo novo que troca o ser humano pelo ecrã digital? Sentimentos mecanizados. Emoções virtuais. Distância maquinal. Tudo se acende com um clique para se apagar logo depois, à mercê de outro clique. Num mundo assim, a única atitude rebelde é estar off line. Olhar nos olhos, falar de viva voz, tocar como se costumava fazer há anos, antes de o virtual se apossar do real e as paixões andarem diluídas de tecla em tecla.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 10.08.24

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Helena Sacadura Cabral: «Quando era nova vestia o tamanho 38/40. Não era gorda, mas estava longe de ser um conjunto de ossos ligados por tecido muscular. Era o que se chama de portuguesa padrão, talvez mais alta do que a média, com os meus 1,67. Nesse tempo as mulheres desejavam-se relativamente roliças e ainda não tinha despontado a moda dos modelos S ou XS, que protagonizam seres famélicos que só a maquilhagem consegue valorizar. E que quando desfilam exibem entre pernas um arco que compete com o da Rua Augusta. Inveja, dirão uns e, possivelmente, têm razão...»

 

Luís Naves: «Se António Costa vencer as primárias do PS, o efeito de novidade será talvez mais importante do que foi com [Pedro] Sánchez. Em vez de empate, teremos os socialistas perto da maioria, a poderem governar com um ou dois movimentos populistas da esquerda, por exemplo, com Marinho Pinto e o Livre. O desvio de eleitores para as franjas será provavelmente menos acentuado e, neste cenário, a Direita precisará mesmo de apertar os cintos de segurança.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 09.08.24

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Helena Sacadura Cabral: «Dolores Aveiro é muito mais do que a mãe de Cristiano Ronaldo e merece que se fale dela. Há dois dias, ouvi a entrevista que Júlia Pinheiro lhe fez a propósito de um livro lançado sobre a sua vida. Confesso que, ao arrepio dos elitistas cá do burgo, a senhora me enterneceu. Directa, sem papas na língua, nem poses de "lady com dinheiro", falou deste e das transformações que o mesmo trouxe ao seu quotidiano que, no passado, não foi um caminho de rosas.»

 

João André: «Um mês mais tarde, volto ao momento do último mundial de futebol que mais perdurará na memória colectiva. Daqui por 4 anos estaremos a perguntar se alguém repetirá aquele resultado. Daqui por 8 anos perguntar-nos-emos se a dor terá diminuído. Daqui por 16 anos falaremos no jogo que trará a vingança. Daqui por 32 escrever-se-á, no momento da final, que é o momento de exorcisar a memória, a dor e a humilhação.»

 

Luís Naves: «O cinema é um exercício da indústria, como o fabrico de um automóvel, mas que recorre a capital de risco; complexo, sem dúvida, com exigências estéticas e técnicas, mas que sai de uma fábrica. Hollywood matou tudo o resto. A pintura é efémera e a música aproximou-se da complexidade, já suficientemente incompreensível para que possa em breve ser feita por computadores. Ninguém dará pela diferença. A arte tem medo do risco, dispersa-se na vastidão dos pequenos eventos, na diversidade das experiências humanas e da linguagem, submete-se ao poder dos negócios, da moda e do falso exótico, reflectindo uma sociedade que declina para a irrelevância.»

 

Teresa Ribeiro: «Os embrulhos eram iguais, daí a troca. A tia, claro, não lhe perdoou. Consegue situar esta história?»

 

Eu: «O que leva um pacato burguês de meia idade a largar família, emprego, cidade e país natal para se aventurar numa existência errante em Paris, à margem de todas as convenções sociais? O que leva um indivíduo sem história, homem cinzento com uma vida cinzenta, a tornar-se notícia de primeira página e a ser procurado por dezenas de polícias? Eis o ponto de partida do mais fascinante romance de Georges Simenon, O Homem que Via Passar os Comboios

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 08.08.24

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Luís Naves: «Le Carré consegue casar a guerra fria e o extremismo islâmico, mas a sua teia de intriga leva-nos aos territórios pantanosos da rivalidade internacional e da alta finança. Em música de fundo, o desconhecimento ocidental sobre os movimentos radicais islâmicos, com críticas ácidas à estratégia americana na chamada luta contra o terror.»

 

Patrícia Reis: «Dentro desta mala tenho todos os meus segredos. Consigo transformar-me de corpo e alma. Faço o meu papel. Do outro lado do espelho há uma estranha que me cumprimenta. Tenho medo dela, mas não digo a ninguém.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 07.08.24

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Luís Menezes Leitão: «Se o Fundo de Resolução reclamar dos restantes bancos o dinheiro que o Estado meteu no BES, a banca pura e simplesmente afunda. E depois da experiência do BES nenhum investidor vai querer apostar um cêntimo que seja em acções dos bancos portugueses. Na verdade, se há coisa que o país não pode fazer é pôr-se a experimentar soluções ainda não implementadas e que não têm condições para o ser na presente fase. Um Fundo de Resolução capitalizado, pronto a acudir ao salvamento dos Bancos, é capaz de ser uma boa ideia. Um Fundo de Resolução sem fundos, que precisa de pedir dinheiro emprestado ao Estado, e que ele diz que vai pedir depois à restante banca, não passa de uma anedota.»

 

Luís Naves: «Este espírito das redes sociais alastrou ao jornalismo dito de referência e dá trabalho remar contra a maré das opiniões pré-fabricadas e dos freios intelectuais. Em Portugal, tornou-se quase impossível dizer que a situação do País não é tão desesperada como a pintam. Nas redes sociais, essa afirmação implica insultos imediatos, leituras enviesadas e a reputação destruída. Muitos autores não estão para isso e desistem, pelo que se agrava a tendência para certa limitação à liberdade de expressão, que alguns parecem aceitar sem problemas.»

 

Eu: «Durante oito meses, circularam nas televisões e nos jornais as teses mais desencontradas e mirabolantes sobre o chamado "caso do Meco", que custou a vida a seis jovens universitários numa trágica madrugada de Dezembro. A opinião pública foi bombardeada com teorias e supostas verdades propagadas por quem se pôs a adivinhar e viu nesses palpites uma excelente forma de ganhar audiências e vender papel. Faltava escutar a única voz autorizada para falar sobre o que se passou. João Gouveia, o solitário sobrevivente, fala enfim.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 06.08.24

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Ana Vidal: «Hoje fui tomar um café à Vila, para espairecer e andar um bocado. Nesta altura do ano Sintra é dos turistas, um formigueiro deles a perguntar-nos tudo, a fotografar-nos à porta de casa como se nós, indígenas, fôssemos assim uma espécie de hobbits a sair dos nossos cogumelos com telhas. Mas uma destas, juro, nunca me tinha acontecido. No largo do palácio, entre mil outros turistas, vejo um casal com um filho adolescente, todos de ar ansioso e olhar fixo na escadaria da porta principal. Quando me aproximo, perguntam-me (num castelhano com sotaque) a que horas saem... os reis de Portugal! Ok, estão a brincar, claro... entro na onda e respondo, com o mesmo ar sério, que só aos sábados os reis saem à rua para cumprimentar os seus súbditos.»

 

Luís Menezes Leitão: «Como não podia deixar de ser, houve imediatamente uma série de comentadores que cantaram loas e hossanas à intervenção do Estado no BES. Uma análise mais atenta tornaria, porém, evidente que a solução arranjada pelo Banco de Portugal, e depois aprovada pelo Conselho de Ministros reunido na praia, tem mais buracos do que o próprio buraco do BES.»

 

Luís Naves: «Pessoas que há uma semana defendiam a tese da responsabilidade colectiva do povo português pela dívida pública defendem agora que os accionistas do BES não podem ser responsabilizados pela dívida contraída pelo seu banco. Estes autores acharam no passado que os portugueses são colectivamente culpados pelos gastos excessivos e o modelo errado e, se isso implicava austeridade por vinte anos, pois então que assim acontecesse. Por milagre, estas regras já não se aplicam aos accionistas de um banco que, dizem, foram ‘enganados’.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Ainda nos havemos de lembrar por muitos e bons anos da troika dos três cês: Cavaco, Coelho e Costa. Razão tinha o Honório Mau, quer dizer, Novo, enquanto um certo camarada dormia na forma à espera de ser primeiro-ministro.»