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Delito de Opinião

Cheeese!

Teresa Ribeiro, 30.08.19

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Muito antes das redes sociais, que nos empurram para uma noção de felicidade mais concorrencial, já nos fotografávamos a sorrir. Há puristas que consideram mentirosas essas fotos sociais e de família, mas eu fui sempre benevolente em relação à questão. Se fotografar é parar o tempo, então é natural que se deseje ter dele o ângulo mais favorável.

Nunca valorizei tanto as mentirosas fotos de família como quando comecei a perder as pessoas que me faziam mais falta. A minha família, como tantas famílias normais, era disfuncional, mas o que preciso reter dela são as imagens que mais combinam com as minhas saudades e essas, são as felizes.

O reflexo de fotografar tudo o que mexe, 365 dias no ano, que veio com os telemóveis, retirou, de alguma forma, estatuto às fotografias. São muitas, demasiadas, acumulam-se, anulam-se, esquecem-se demasiado depressa. É pena. O tempo não gira com mais vagar só porque somos vorazes a fixá-lo. Mas o hábito de mentir para a fotografia mantém-se incólume. A velha necessidade de recriar os momentos que vivemos e de sorrir, sorrir sempre. 

"Cinzas" da Beira Alta, de Miguel Valle de Figueiredo, em Lisboa

jpt, 16.10.18

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Quando foi inaugurada em Tondela referi aqui no Delito de Opinião - mostrando, em baixa definição, várias das 42 imagens - esta "Cinzas", a exposição fotográfica que o Miguel Valle de Figueiredo construiu a partir do seu trabalho de três meses nas regiões da Beira Alta devastadas pelos fogos de 2017. Agora a itinerância atinge Lisboa, inaugurando hoje, 16.10, às 17 horas, na Atmosfera M, na Rua Castilho.

 

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O Miguel Valle de Figueiredo é dali oriundo, família ancorada em Tondela. Após a calamidade percorreu a região, que bem conhece. Ele que durante anos percorreu o mundo fotografando voltou agora às raizes familiares, em trabalho de verdadeiro luto, devagar calcorreou mato, lugares, aldeias, vilas, encarou a gente que ali teima, desta ouvindo do horror de então e da violência posterior, advinda da arrogância burocrática de quem vem podendo - e de que nós todos, entretanto, fomos ouvindo parcas notícias. Nisso fotografou as "Cinzas" promovidas pela fúria dos elementos, o desnorte nacional e a incúria estatal, até abjecta. Enquanto uns, urbanos, se menearam vaidosos insanos, lamentando-se "de não ter tirado férias" ou, pelo contrário, "iam de férias" e pediam para "não os fazerem rir" a propósito destes e doutros assassinos fogos, e se gabavam de se preparar para as "cheias de inverno", inaugurando casas refeitas com dinheiro alheio, apregoando ter revolucionado as florestas como nunca desde a Idade Média, e se faziam entrevistar em quartel de bombeiros, o Miguel foi para aquele lá, verdadeiros "salvados" de um país que insiste em desistir de o querer ser por via do apreço que vota aos tocos que julga gente, e até elegível.

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Dessas suas andanças, vindas do seu fervor de fotógrafo e do seu dever de cidadão, produziu, a expensas próprias, pois não é ele daqueles capturáveis por Estado, municípios e respectivos tentáculos, tão pródigos se mostram esses para os fotógrafos "camaradas, companheiros e amigos", um manancial iconográfico, uma verdadeiro arquivo para alimentar uma memória social do acontecido, deste sofrido que a história recente do país se mancomunou para gerar. Desse acervo seleccionou esta exposição. Será muito pedagógico ir lá ver o horror e desperdício que o mvf vagorosa e condoidamente captou. Para que não o esqueçamos. Citadinos, julgados cosmopolitas e assim de memória muito chocha 

(Já agora, as fotografias estão à venda, diferentes tamanhos a diferentes preços, assim acessíveis a diferentes bolsas, revertendo os proventos para ajuda às populações. Atenção, reverte mesmo, que o Miguel é um tipo muito fora de moda, é dado às coisas da honra).

Olivais (e não só) nos anos 70s

jpt, 04.10.18

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Inaugura hoje na Casa de Cultura dos Olivais, Lisboa – à Rua Conselheiro Mariano de Carvalho, entre os Olivais Velhos e a Expo – e ficará até 27 de Outubro, esta exposição fotográfica do Sandro (João Alexandre Taborda). É uma memória única – que então fotografar era muito mais raro – da geração lisboeta, olivalense, dos anos 1970s e início dos 1980s, roupas, hábitos, personagens, artefactos usados, e a arquitectura vivida daquele bairro. Pura história cultural, se quiserem. Há dias em que custa estar longe …

Quando o Sandro morreu, há (já!?) um ano, deixei um breve postal – Driol (o grão-diminutivo que nos merecia), e recupero agora um pouco do que dele disse, e que se associa a esta exposição: 

"O Sandro era da “geração acima”, 4-5 anos mais velho. Por isso então a seita dele era outra, esses que a gente conhecia de vista e nome, cobiçando-lhes as motos e as maravilhosas namoradas. Ou pelos irmãos mais novos. Mas, vizinho, também acampava por vezes, e, mais tarde, já nós mais crescidos, ainda mais, já ombreando. O Drinô (como alguém graffitou em fugaz era de influência do “glamour rock”) era um dos tipos mais idiossincráticos que havia (...) 

Mas o que muito marcou a imagem pública do Driol foi o ter ele sido o fotógrafo “oficial” daquela nossa geração: raros eram os que tinham máquina, ainda menos os que tinham dinheiro para rolos e revelações, apenas dois ou três os que tinham o gosto, mas só ele trazia a tiracolo a paixão de fotografar. (...) E fez um arquivo lindo sobre aquela época de “dias gloriosos”.

Nesta foto (a do cartaz da exposição) estava a fotografar os irmãos mais novos da sua geração, os finais dos anos 70s, os putos a descerem (descermos) as ruas nos carrinhos de rolamentos. Em tantas outras tem os outros, as andanças de nós mais-velhos. Voltar ao acervo do Driol é uma delícia, cada um encontra-se e aos seus queridos de então, na beleza da memória. Certo, há uma “patine” afectiva que nos convoca, coisas até da nostalgia. Mas há outro registo, bem mais alargado, pois tem muito mais nesse legado do Driol. Encontra-se a memória da paisagem urbana como foi: as vestes, os tiques, os penteados, as poses – e quão cinéfilo tudo parece, ainda para mais naquele preto-e-branco. As ruas, os carros, as motos, a arquitectura então tão nova.  Mas é ainda mais do que essa memória social. Pois o Driol teve um olhar, amador, jovem de juvenil a júnior, mas muito cuidado e assim tão adulto, sobre a sua geração naquele tão especial bairro. Por isso nessa sua colecção o que nós encontramos não é o retrato daquela geração. É mesmo um auto-retrato, a voz própria de uma “malta”, esses que nos sonhámos “heróicos” naqueles confusos tempos do pós-pós-Abril. E, se calhar, fomos."

 

Vão ver, para saberem (como se que recordando) como foi, como fomos e nos fizemos: