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Delito de Opinião

O Clima, aqui em Bruxelas

jpt, 21.11.18

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Ontem cerca de 300 estudantes liceais manifestaram-se contra a global apatia institucional face às emissões poluentes e seus (muito) presumíveis efeitos climatéricos. Foi aqui mesmo na minha vizinhança, geográfica e pessoal, uma congregação de alunos de várias escolas bruxelenses na praça Schuman, centro das instituições europeias, o coração do “bairro europeu” da capital administrativa da UE.

Os jovens apontam aos organismos multilaterais e governos nacionais o escamotear dos dados reais da situação ecológica actual e dos concomitantes indícios para o futuro. Exigem a divulgação da gravidade da situação e aceleração de novas políticas. Não há aqui o bucólico do sonho pastoral, anti-industrialista e anti-capitalista, que alimentou ecologistas de décadas passadas. Há sim a consciência da necessidade de preservação ambiental – algo que este mais-velho poderá sintetizar como implicando novos moldes produtivos, novas formas de consumo, com novos processos de produção identitária. É um novo radicalismo, bem distinto dos anteriores radicalismos estetizantes, e nisso eunucos, dos ecologismos ocidentais.

A reacção a esta demonstração foi muito interessante. Um dos vice-presidentes da Comissão Europeia, o finlandês Jyrki Katainen, desceu à praça para conversar com os jovens manifestantes (algo que um político da Europa Austral dificilmente faria). E chegou, simpaticamente, com os argumentos de medidas já tomadas ou anunciadas sobre reclicagem ou substituição de plásticos, temas actuais, decerto que importantes e saudáveis, mas de facto apenas presumidas panaceias face à grandeza dos desafios que se enfrentam, até símbolos da modorra político-institucional. Ou seja, Katainen veio, simpática e até paternalmente … desconversar, elidir o fundamental que os manifestantes colocam, assim tentar inconsciencializá-los (algo que um político da Europa Austral facilmente faria), acantoná-los no comezinho do “ecologicamente aceitável” e do folclore a que muitos bem-intencionados ainda se deixam vincular.

À melíflua iniciativa de Katainen a reacção deste jovens foi fantástica. Mal ele enunciou as suas ideias apaziguadoras, o rame-rame do costume, face a quem apela a um debate sobre verdadeiras soluções, um dos manifestantes, um tipo para aí com 17 anos (!) , teve o sangue-frio de improvisar, clamando “Temos uma mensagem para o Vice-Presidente da CE“: “Dois minutos de silêncio“. E todos se calaram, olhando para o homem.  Pois para resposta à desconversa que melhor do que o silêncio?

Isto sim, é um grande radicalismo. O radicalismo nada folclórico do realismo. Exigente.

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Adenda: Deixo um trecho de um documento dos manifestantes. Pode ser que os adultos, ainda que decadentes e já degenerados, possam aprender algo:

 

People have underestimated the power of silence. The omission of climate change facts and solutions has prevailed for way too long in our society – and this needs to change immediately. Indeed, politicians, the media and institutions themselves censor each other due to their inherent conflict and because of external pressure. However, people do not yet know the scale of this censorship and how self-censorship has taken over in modern days and become a power that in fact, culminates in the control of everyone, everywhere. This is so ingrained in society that the population does not seem to either notice it, realize it, or care. We live in an increasingly smaller world, under the impression that it is a more open place, where public and private spheres have blended together and become almost undistinguishable. In this intensely globalized world people do trust politicians and institutions because, after all, in who would they trust? However, people do not see through the curtain. So many powers lie behind these organizations, but their sole interests are all the same: to not scare people and cause endemic panic to society, yet most importantly: to protect our economy, our insatiable economy.

Bolsonaro e o clima

jpt, 16.11.18

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Bolsonaro apresentou o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Ernesto Araújo, assim mais explicitando o seu enquadramento ideológico. Para o novo ministro as questões ecológicas, e a preocupação com o mais que provável processo de alterações climáticas, são reduzidas a uma ideologia ("climatismo"), fruto de um "marxismo cultural" cujo objectivo é transferir o poder económico do ocidente para a China (ler este seu texto de blog do mês passado). Ou seja, os "inimigos internos" já não são os comunistas, esses que serviam para tudo justificar em décadas passadas, são os "pró-chineses", avençados dos neo-Ming que por lá mandam. É este o novo poder do Brasil do Amazonas. 

Antes das eleições o projecto político-económico fora explicitado pelo candidato Bolsonaro: incrementar a utilização da floresta (entenda-se, o desmatar). Em concordância com interesses terratenentes nacionais e industriais internacionais. O projecto político-ideológico? Explicita este Ernesto Araújo, a luta contra o tal "marxismo cultural", esse "sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante. O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história.”. Isto no âmbito de um "ocidentalismo" (às três pancadas), de uma superficialidade pungente ainda que glosando Heidegger (um resumo respeitoso da verve de Araújo está aqui), enquanto se alimenta de Spengler. É este o estado a que aquilo chegou. Com impactos ambientais que serão terríveis, articulados com a política americana nesta matéria, em que Trump canta a mesma boçal melodia (após Obama, que trauteava diferente mas pouco ou nada fez de relevante sobre as questões ecológicas). 

Há mesmo um "marxismo cultural", na pobre definição do agora ministro. Um neomarxismo, comunitarista, que coloca no centro da discussão pública o "género dos anjos", um identitarismo que se tornou uma verdadeira "maré negra" na discussão política. O processo eleitoral que catapultou Bolsonaro é mostra dessa poluição: as suas ligações agro-industriais mal eram afloradas, os seus propósitos ecológicos ignorados. As (ineficazes) acusações que contavam para a oposição eram o seu machismo (e ele não legislará contra as mulheres) ou o seu racismo (e ele não legislará sobre raças). De facto, o que essas suas diatribes anunciavam era a recusa de políticas estatais de discriminação positiva, e foi isso que se tornou a questão central, devido aos grupos corporativos a elas ligadas, quando se tratam de meros epifenómenos.

Esvaizamento do debate que se mostrou nas acusações de racismo (que com toda a certeza correspondem aos seus preconceitos): vi ene vezes partilhadas declarações do candidato sobre a sua visita a um quilombo (habitado por negros). Disse o homem que lá só encontrou "gordos", que o mais magro ia tão obeso "que nem para cobridor servia".  As pessoas ficam agarradas à linguagem provocatória, e perdem o fundamental, caem na esparrela: pois o relevante não é que os "negros" sejam isto ou aquilo ("gordos", "preguiçosos"). O relevante é a oposição à demarcação de terra (protecção ecológica por via de fundamentações histórico-culturais) e o radical confronto com políticas assistencialistas. Mas, claro, a omnipresente questão do "género (e raça) dos anjos", imposta pelo neomarxismo, venda os olhares sobre as dimensões relevantes deste rumo, no Brasil e alhures. Neste caso, a ecologia, e a protecção desenfreada à agro-indústria.

Uma questão paroquial (porque o relevante é o impacto ecológico das políticas de Brasília): leio gente integrante deste novo partido (um partido-birra, de facto) de Santana Lopes a defender Bolsonaro. Leio membros e adeptos do CDS a defender Bolsonaro. Não leio ninguém do partido-Ventura porque presumo que não consigam escrever, mas também se deliciarão com estas bolsonarices. Alguns deles gozam com os "moderados", os não-esquerdistas que não aderem a este bolsonarismo, como se em frémitos anais os gritassem emasculados. Isto levanta uma questão até porque, como aflorei acima, não vivemos na Guerra Fria, onde as piores tropelias eram justificadas pelo omnipresente comunismo. Como se relacionam, como simpatizam, estes quadros (intelectuais, pois vivem da escrita, como funcionários ou da comunicação social) com este trogloditismo intelectual? O que resta da herança filosófica liberal nestes putativos liberais, onde pára o esqueleto da democracia-cristã, diante desta trapalhada bolçada? Onde reside o pensamento ecológico, estruturante do conservadorismo (nacionalista) europeu, romântico ou deste sucessor ? Em lado nenhum, parece, pois os tais frémitos anais destes santanistas, perdão, santanettes e dos assunções, só aceleram mesmo face a este boçalismo. 

Nota: aos hipotéticos comentadores que aqui apareçam a bolçar que o "aquecimento global" não é algo científico, pois não há certezas sobre o fenómeno mas apenas previsões, proponho que se poupem ao trabalho de teclar. Eu não aceitarei os comentários. Pois para quem me venha em 2018 dizer que a ciência se resume ao que é comprovadamente certo eu respondo desde já: as aulas do ensino secundário eram más, os explicadores que os papás vos pagaram eram maus, as aulas das universidades eram más, não ganham o suficiente para comprar livros, não têm vagar para irem às "novas oportunidades" ou à Universidade Aberta ou à da Terceira Idade, não têm capacidade para aceder ao youtube e ao vimeo, que a ligação à internet em vossa casa é má, não percebem línguas estrangeiras, como o português de Portugal ou o do Brasil? Lamento. Mas não é agora, tarde e más horas, que um bloguista, ainda para mais à borla, vos vai ensinar que a ciência não é o que as vossas cabeças mui relapsas julgam.

As abelhas e Assunção Cristas

jpt, 01.05.13

 

Através de ligações colocadas no facebook chego a esta página do Bloco de Esquerda. Como sempre duvido deste locutores, populistas demagogos, procuro confirmar o conteúdo da notícia. Faço-o na SIC. Nas páginas em português não há muito mais informação substantiva actual. Mas fica o fundamental: as causas para a surpreendente e avassaladora hecatombe das abelhas europeias estão encontradas, um trio de pesticidas (ImidaclopridClothianidin e Tiametoxam).  Os indícios científicos são relativamente explícitos, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (que julgo ser um organismo consultivo das instituições europeias) também o considera.

Houve agora uma votação no seio da Comissão Europeia intentando banir estes pesticidas, protegendo a população das abelhas. Mas neste processo não só se introduziram "nuances" (daquelas que minoram os efeitos positivos almejados - no caso julgo que, pelo menos, restringindo a proibição a culturas directamente procuradas por abelhas), como sete países se recusaram a votar favoravelmente, impedindo uma maioria qualificada na votação que permitiria uma rápida, abrangente e eficaz política de protecção.

Portugal, que neste assunto se representa pela ministra Assunção Cristas, numa questão desta gravidade ecológica decidiu ... abster-se. Em defesa das indústrias produtoras (Bayer, Syngenta), pedindo (tal e qual num blockbuster americano) "mais estudos", o velho argumento dilatório. Mais não percebo, pois a imprensa apenas reproduz um qualquer despacho noticioso - e não há um jornalismo "europólogo" em Portugal. Por exemplo, qual a razão efectiva de se constituirem "blocos" de países numa votação destas? Um voto atlântico (abstenção  junto à Grã-Bretanha) contra um voto continental (a Alemanha, casa da Bayer já agora, votou favoravelmente o banimento dos químicos em causa)?  

É sabido que nestas coisas há sempre uns tontos idólatras do mercado livre contra as restrições do demo estatal, que vociferam contra as protecções ecológicas. Virão resmungar contra o catastrofismo, virão com o sarcasmo eunuco apoucando as "abelhas". A questão é simples, são precisos mais estudos? Façam-se. Primeiro trancam-se os pesticidas, depois estuda-se. Se se infirmar a causalidade volta-se a utilizar. Perde-se dinheiro? Paciência. E é também sabido que nestas coisas de cutucar os grandes interesses industriais a pressão sobre os governos e governantes é enorme.


Sem rodeios, numa questão desta importância e com este conteúdo a atitude do governo português é vergonhosa. Inadmissível. É de exigir um volte-face, e um imediato empenho no combate a esta "guerra química". E que caia a ministra Cristas, aqui face de uma política tacanha e selvagem. Não há "política real" que justifique tamanha mediocridade, tamanha inconsciência.

E para que não se diga que quero a cabeça (metaforicamente, por enquanto) de Cristas por  "indignismo" oposicionista, recordo que há dois anos bloguei apelando ao voto no seu partido, que há pouco tempo aqui no DO apelei a que Portas fosse içado a PM. E que há um mês calei, meio por fastio meio por patriotismo, a minha irritação aquando da visita de Cristas a Maputo. Uma viagem risível, que "correu mal" (na suave linguagem diplomática), uma pura pantomina. Mais uma do pacote da indigência política, pois nisto da incompetência para as relações externas e da falta de sentido de estado, a gente está mais do que habituado a encontrá-las nos políticos içados ao poder. Cristas foi, aqui, mais um exemplo dos passeios tontos.

Mas agora, com esta asquerosa abstenção, ultrapassou os limites da mediocridade. Que vá já a ex-ministra. E com o ónus da indecência. A colher o desprezo dos compatriotas. Das várias "cores". (E com menos um voto, com toda a certeza. O meu.)

Elefantes do Mpumalanga

jpt, 01.04.13

 

Páscoa na África do Sul. "Deitado abaixo" por uma qualquer maldita gargantite, a pior de que tenho memória adulta. Impediu-me este manso mas magnífico trilho, a do Santuário de Elefantes de Hazyview. Fui apenas cocheiro da princesa e da rainha, e da sua magnífica companhia.

 

 

Voltaram entusiasmados. Radiantes. Eu invejando.

 

 

Esperei-os durante algumas horas, bebericando chá para combater o frio do Mpumalanga. E no seu entusiasmado regresso lembrei-me daqueles que acham o marfim um recurso, e tantos são eles. Pois nada mais são do que pobres. Não sentem. Não pensam. Não aprenderam.

 

 

 

Pois não os ensinaram. Ou, se calhar, não conseguiram aprender. Pois, insisto na minha crença, a virtude ensina-se. Visitem. Nunca é tarde para isto.

 

[As fotografias são do sítio do "Santuário"]

O dente de elefante

jpt, 13.03.13

AP/Bullit Marquez

 

(Fotografia AP/Bullit Marquez)

 

O texto na minha coluna "Ao Balcão da Cantina" na edição de hoje do "Canal de Moçambique" (também colocado no ma-schamba). Vai dedicado aos que divulgam as notícias da matança internacional dos paquidermes e de tantas outras desgraças ecológicas que nós-outros, distraídos, desacompanhamos nos nossos pobres quotidianos de mastigação. 

 

O Dente de Elefante

 

Os elefantes são animais de farto alimento, todos os dias percorrem uma larga área e comem imensa vegetação. Estão confinados, em estreitas áreas cada vez mais exíguas, “reservas ecológicas” ainda não devastadas pelos gafanhotos bípedes, esses museus do mundo que testemunham a nossa demência omnívora e histriónica. Pois se os elefantes comem muito os homens são glutões desvairados.

Em sendo preservados os elefantes tornam-se excedentários nessas, afinal reduzidas, zonas que habitam. Reproduzem-se, crescem e, repito-me, comem. Por isso por vezes se intenta a difícil transferência de alguns indivíduos para outras áreas. Ou abatem-se excedentários, para evitar a sobre-exploração dos recursos alimentares (e espaciais).

Que fazer com o precioso marfim, com os dentes dos elefantes abatidos? Há quem defenda que deve ser vendido, um recurso. Há quem diga – e diz com razão, e nem sequer o discuto, é-me dogma – que o marfim das presas dos elefantes não é um recurso, não deve ser vendido. Ou seja, que não é precioso, pois não tem preço. Mesmo que o abate controlado seja necessário, o marfim não é um bem transaccionável, não é um bem utilizável.

E talvez essa seja a grande questão, bem para além dos elefantes: o necessário combate a essa histórica e demencial ideia de que tudo o que nos rodeia é um recurso, consumível. Comercializável. Em suma, que tudo é taco … que tudo é dólar. Mas enfrentar esta ideia ultrapassa as forças do meu teclado e o espaço deste jornal. Mesmo num país Moçambique em que, por quase todo o lado, essa ideia de preservação (até sagrada) de áreas de flora e de espécies de fauna existe nas “visões do mundo” das populações. Mesmo que o crescimento populacional e a baixa produtividade agrícola as empurre para o constante destroncar, para as descontroladas queimadas, a ideia de que tudo é recurso apropriável e comerciável vive muito mais nos compêndios de Gestão e similares, nas almas dos (candidatos a) PHDs e nas dos grandes possidentes, do que nas práticas de quem vive da terra e convive, conflituando, com os animais.

Em suma, retirar totalmente as presas de elefante do mercado, impedir a sua utilização, é a única forma de tentar evitar a sua extinção. Evitar o comércio. E punir a sua utilização. Punições legais, claro. Mas, e se calhar acima de tudo, as punições morais. A desvalorização de quem usa os enfeites ou outros produtos delas derivadas. Nesta questão eu sempre uso o mesmo exemplo: há décadas no Ocidente era costume as mulheres usarem peles de leopardo. Caríssimas, bens de luxo. Ou imitações. Acontece que as vestes de pele de leopardo (ou a sua imitação) passaram a ser associadas a mulheres de mau porte, “profissionais do sexo” entenda-se. Terá sido a melhor forma de as desvalorizar.

Recordo que há alguns anos, ainda nos 1990s, acompanhei um simpático patrício, aqui [Maputo] professor universitário, ao “mercado do pau”, a feira de artesanato dos sábados na Baixa. Era ele muito dado ao bric-a-brac, coleccionador de artesanato, dele conhecedor e pesquisador. E foi-se a comprar um pequeno artefacto de marfim, uma obra belíssima. Resmunguei, sabia ele da minha dogmática oposição, e a modos que a desculpar-se disse-me “bem, o bicho já está morto”. Pois, respondi, “mas não estou preocupado com o elefante. A questão é que quem usa marfim é, literalmente, um filho da p …”, mas juntei-lhe as letras todas. Não percebi bem porquê mas ofendeu-se, como se o ofendido não fosse eu, ainda para mais ali a ver e a acompanhar aquela miserável indignidade.

Bem, mas isto são pequenas memórias, talvez até indignas de ascenderem a um jornal. Vêm elas a propósito das notícias que explodem. Da razia na fauna africana, nos últimos anos a caça furtiva (?, será mesmo furtiva?) a rinocerontes, estes agonizantes, próximos da extinção. E na devastação das populações de elefantes. Em poucos anos os países africanos perderam mais de metade dos elefantes (atenção, não é dos “seus” elefantes como a língua nos leva a dizer, atraiçoando-nos o pensamento. Pois os elefantes não “são” de ninguém, pessoas ou países).

Não falo dessa torpe “caça desportiva”, homens endinheirados que atravessam o mundo para ejacularem munições abatendo grandes mamíferos, indefesos diante da tecnologia e do saber dos caçadores profissionais, esses que ladeiam os “másculos” da frouxa aventura. Uma pobreza mental, uma miséria moral, coisa há pouco exemplificada pelo espanhol Juan Borbón, em fotos que cruzaram o mundo devido à sua posição profissional. Apenas um entre muitos.

Mas o problema fundamental é a caça desenfreada, o abate comercial. Que tem causas actuais. O crescimento económico chinês é uma delas, potenciando o apetite pelo marfim, fazendo explodir a sua importação, como o denunciam as notícias internacionais. Uma sociedade rapidamente enriquecida e que não tem sensibilidade ecológica (nem legislação, ao que parece). Vê-se na devastação própria, com as suas cidades radicalmente poluídas demonizando a vida do seu próprio povo, uma insensibilidade até suicida. Se estão num momento histórico desses ir-se-ão preocupar com os elefantes ou rinocerontes do estrangeiro? Ou com as madeiras raras, que vão comprando até à extinção e desflorestação radical? Que interessa tudo isso diante do apetite de boas mobílias e lindos objectos decorativos, esses que por lá há poucas décadas eram privilégio do topo dos “apparatichks”?

Sei que aqui logo alguém dirá “sim, mas vocês europeus …”, ilegitimando o discurso. Sim, os países industrializados devastaram o que puderam, e continuam a devastar. Mas alguns deles conheceram o desenvolvimento de concepções ecológicas, tiveram e têm conflitos sociais sobre a matéria. Neles se tenta, por legislação e práticas, impedir a destruição total do que tanto tem sido destruído. Seja em casa própria seja no restante mundo. Os gigantes emergentes, e a China é o cume disso, não têm esse percurso. E são, agora, vorazes.

As notícias desta vaga assassina chegam agora Moçambique. É a Rádio Moçambique que informa o massacre dos elefantes no Cabo Delgado e Niassa. Milhares deles foram abatidos nos últimos dois anos. Redes internacionais de comércio de marfim alimentam este processo. Que não é, ao contrário de que alguns “contextualizadores” que querem “compreender”, fruto da acção de populações empobrecidas, em busca de sobrevivência. Trata-se da renovação de uma longa tradição, de séculos, de redes de comércio internacional de marfim, agora alimentado com altas tecnologias (caça-se de helicóptero, ao que parece). É uma velha história em terrível embrulho moderno.

E nada vai sobrar. Agora aproveitam alguns, poucos, uns milhares de dólares, nem grande coisa será. Que se extinguirão. Tal como os grandes mamíferos.

Os outros, todos nós, ficaremos por cá. Mais sozinhos. Mais pobres. E mais feios. É uma desgraça. E é uma desgraça, também, que nem nisto todos concordemos.