Da janela viu aproximar-se a carripana cujo ruído feria aquela serena manhã de domingo. Era uma moto com atrelado, como as que os vendedores ambulantes usam para vender fruta, o género de veículo que faz aquele barulho. Quem o conduzia era um homem ainda novo de boné de orelhas pendentes e roupa encardida. No atrelado vinha uma rapariguita que não tinha mais de doze anos. Seria a filha?
Pararam junto aos contentores do lixo e começaram, com um desembaraço profissional, a recolher coisas. O espectáculo colou-a, comovida, à vidraça. Por entre os sacos do lixo a mulher-menina, com as pernas mal tapadas por uma camisola que lhe servia de vestido, fazia o seu bailado. Seria a filha? Tinha as pernas bem feitas e esguias. Bem vestida e lavadinha ficaria linda. Seria a filha? Com esta gente tudo é possível.
O gato, que a rondava há uns minutos, roça-lhe as pernas. Sorri para a bola de pelo reluzente. Queres papa, fofo? O bichano, saracoteando-se, guia-lhe os passos, sem dificuldade, até ao armário onde ela guarda as latinhas de mousse de salmão e paté de caça para gatos esterilizados. Em fundo ouve a moto a afastar-se.