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Delito de Opinião

Sobre os direitos dos animais

Teresa Ribeiro, 19.05.16

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Acho justa a classificação, face à lei, dos animais como "seres sensíveis", por duas razões: porque são, indiscutivelmente, seres e porque a experiência já me deu suficientes provas de que sentem.

A acrimónia que as iniciativas do PAN tem provocado espanta-me. Não falo dos caçadores e dos aficionados, pois esses, naturalmente, vêem a instituição de medidas de protecção animal como uma caixa de pandora que a prazo poderá ameaçar rituais que os apaixonam. Mas sei de muita gente que não se encaixa nesse perfil e mesmo assim trepa às paredes quando se fala de "direitos dos animais". Desde logo argumentam que os animais não são sujeito de Direito, logo não podem ter direitos. Entrincheiram-se nesta lógica e daqui não saem esquecendo que uma das principais funções da lei é criar fundamentos de justiça e contribuir para a civilidade num Estado de Direito.

Quem como eu tem acesso regular a informação sobre o que aparece em clínicas veterinárias e associações de proteção animal, só pode congratular-se com estas iniciativas, porque entendo que o sadismo, mesmo o que é exercido sobre animais, deve ser punido. Quem não quiser fazer como a avestruz veja no google, de preferência com o estômago vazio, o que acontece a alguns "animais de estimação".

As leis servem para, à falta de melhor, nos civilizar. Já li que "a sensibilidade não se decreta por lei". Nada mais falso. As leis também educam, porque criam massa crítica, e sobretudo funcionam como aceleradores de bons costumes, que o digam as mulheres que num passado recente nem sequer podiam votar ou abrir uma empresa.

A palavra eu vence a palavra nós

Pedro Correia, 19.03.16

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"Nunca devemos confundir movimento com acção", ensinava Hemingway. Tenho-me lembrado com frequência desta frase sábia que parecia antecipar o tempo actual, em que tudo se banaliza. É um tempo de anestesia colectiva, potenciado pelo efeito reprodutivo da internet, das redes sociais, dos canais de notícias, da televisão em fluxo contínuo. Já quase nada surpreende, já quase nada escandaliza ninguém. E o mais chocante nesta permanente girândola de imagens em movimento é o facto de as "consumirmos" (palavra muito em voga) numa total falta de enquadramento hierárquico de valores, proporcionada pela diluição do jornalismo clássico que funcionava como mediador neste circuito.

Hoje tudo é importante. O que equivale a dizer que nada é importante. Somos bombardeados com imagens de "famosos" a levar com frívolos baldes de água fria intercaladas com o vídeo do jornalista americano prestes a ser decapitado por um carrasco encapuzado, exibido até à náusea por todos os meios disponíveis como veículo de propaganda da face mais repugnante do islamismo radical. E depois disto voltam os baldes de água fria. Ou o bebé assassinado pelo pai. Ou um banco em crise. Ou a contratação do enésimo "reforço" para um clube de futebol. Ou outro homicida ovacionado por "populares" à entrada de um tribunal neste país de alegados brandos costumes. Ou mais um avião que cai sabe-se lá onde, derrubado sabe-se lá por quem.

Nada choca, nada impressiona, nada fica, nada se retém numa sociedade narcísica onde se dilui a noção de privacidade à medida que tudo se "partilha" no instagram e no facebook, e que elege as selfies como supremo grito da moda: virar a câmara não para o mundo ou para os outros mas para o próprio fotógrafo que transforma o foco digital em espelho. A palavra eu sobrepondo-se à palavra tu e à palavra nós.

O início da era pós-impostos

José António Abreu, 22.02.16

O BE quer alargar a aplicação da tarifa social de energia, que neste momento beneficia cerca de 120 mil pessoas. A ideia é dar acesso automático à tarifa social a todos os beneficiários do abono de família do 1º e 2º escalões, complemento social de idosos, pensão social de invalidez ou de velhice, subsidio social de desemprego e rendimento social de inserção. O partido liderado por Catarina Martins propõe ainda que os custos desta tarifa passem a ser integralmente suportados pela EDP Produção, deixando de onerar o Estado em cerca de seis milhões de euros.

 

Há um momento na descida para a paralisia económica em que ao Estado já não basta cobrar impostos. A solução? Colocar empresas privadas a garantir o pagamento de benefícios sociais. Como a mentalidade da «verdadeira esquerda» (Bloco, PCP, actual PS) exclui o conceito de relação causa-efeito, fazê-lo não implica obrigar essas empresas a distribuir os custos da medida por todos os seus clientes ainda não suficientemente pobres para terem eles mesmos direito aos benefícios mas apenas diminuir-lhes o nível «obsceno» de lucros (é sabido: para a esquerda, uma empresa privada ou tem lucros obscenos ou gestão criminosa). Começa-se pela EDP, entidade fornecedora de um bem que muitos, consciente ou inconscientemente, acham que devia ser gratuito (ei, a electricidade é uma espécie de download, certo?) e que todos apreciam odiar. E abre-se caminho para ir mais longe. Para, sei lá, tornar obrigação do Continente, do Pingo Doce e do Lidl a distribuição mensal de cento e tal mil cabazes de compras; para tornar obrigação da Galp, da BP e da Repsol a oferta mensal do combustível correspondente a cento e tal mil depósitos; para tornar obrigação da McDonald's, da Pizza Hut e da H3 a entrega mensal de dez (ou talvez quinze) vezes cento e tal mil menus; para tornar obrigação da Fidelidade, da Tranquilidade e da Allianz a subscrição anual de cento e tal mil apólices de seguro; para tornar obrigação da MEO, da NOS e da Vodafone a disponibilização de cento e tal mil pacotes de telemóvel, televisão e internet (sem período de fidelização); para tornar obrigação da Zara, da Cortefiel e da H&M o fornecimento de cento e tal mil vales de trezentos euros em roupa e calçado (bastará por estação, que os beneficiários da medida não pertencem à esquerda-caviar); para tornar obrigação da Mota-Engil, da Teixeira Duarte e da Soares da Costa a construção e oferta de cento e tal mil habitações (mantenhamos os pés na terra e digamos em cinco anos). Ou, melhor ainda, por que não obrigar que todas as empresas privadas desviem cinco (e, mais tarde, dez) por cento da facturação para apoios que o Estado, gordo e deficitário (pudera), será cada vez mais incapaz de providenciar?

O maravilhoso país que emergirá de toda esta consciência social é, evidentemente, um país sem competitividade mas também sem empresas privadas. No fundo - e aqui se encontra afinal uma relação de causa-efeito bem delineada -, o sonho da esquerda.

Em nome de que vida?

Teresa Ribeiro, 17.02.16

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Como é óbvio, para quem defende a eutanásia e o suicídio assistido, o que está em causa é o direito a acabar com o sofrimento, quando é reconhecidamente atroz e irreversível. Quem é contra, defendendo o princípio da inviolabilidade da vida, certamente não o ignora. Então porque há-de invocar invariavelmente o recurso aos cuidados paliativos como uma alternativa, sabendo que nos casos limite, em que a questão da eutanásia e do suicídio assistido se colocam, a medicina não consegue reduzir o sofrimento para níveis suportáveis?

Não posso respeitar quem recorre a argumentos falaciosos para defender o seu ponto de vista. Quem se opõe à legalização da eutanásia deve ter coragem para assumir que o que defende pode ser de uma tremenda crueldade para alguns. 

O futebol e a fuga de cérebros

João André, 02.02.16

Ontem andava a tentar fazer o apanhado das notícias do dia e surgiram duas notícias em simultâneo e que de certa forma se fundiram (coisas de ouvir noticiários televisivos quando se lêem jornais online): a notícia sobre as transferências de futebol e sobre as fugas e movimentos de cérebros. Inicialmente não compreendi por que razão juntei os dois temas, mas após reflexão tive uma ideia meio louca. Passo a explicá-la.

 

No futebol, quando um jogador termina o contrato, pode transferir-se para outro clube sem que o clube que deixa tenha que ser compensado. Isto está de acordo com as regras de um mercado laboral livre e é perfeitamente correcto. Há algumas regras em certos países (por exemplo na Inglaterra) onde o clube que adquire o jogador tem que pagar uma compensação ao clube que o forma. Uma regra semelhante existe no caso de transferências durante contratos, em que 5% do valor da transferência é pago aos clubes envolvidos na formação do jogador até este ter 23 anos de idade. É a chamada "contribuição de solidariedade".

 

E foi aqui que comecei a pensar se um sistema destes não seria interessante para o mercado laboral em geral. Aviso desde já que não sei que consequências teria nem como poderia ser implementado. A ideia seria simples: quando um profissional fosse trabalhar para outro país que não o da sua formação profissional (não necessariamente o da sua nacionalidade), o país de acolhimento poderia pagar uma compensação ao país de formação. Esta deveria estar dependente do número de anos de escolaridade e do nível da mesma. Um doutorado em física levaria a uma compensação diferente da de um electricista. Essa compensação deveria ter lugar uma única vez - aquando da entrada do profissional no país de acolhimento - mas poderia ser repetida se este profissional voltasse a mudar de país. O pagamento deveria ser feito pelo empregador (o próprio no caso de empregados por conta própria) mas até um montante máximo. Os valores deveriam ser tais que pudessem levar a uma compensação real para o país formador mas não tão elevados que dificultassem a empregabilidade dos profissionais.

 

Sei que esta ideia apresenta desde logo a dificuldade de se configurar como mais uma taxa para empresas e ser desde logo um obstáculo à empregabilidade. É essa a minha maior dificuldade com ela. Parto apenas do princípio que uma empresa que recrute um profissional fora do seu país o faz por ter necessidade, por não lhe ser possível encontrar profissionais adequados dentro do mercado interno. É o que vemos, por exemplo, no mercado da saúde inglês ou mercado tecnológico alemão, onde as empresas têm que ir recrutar ao estrangeiro.

 

A medida seria uma forma de entregar alguma compensação aos países que formaram as pessoas e incentivar a educação. Desta forma os custos na educação não seriam vistos como completamente a fundo perdido e permitiria aos países reinvestirem esses fundos no seu país.

 

Os principais riscos para os países recrutadores seriam os obstáculos ao mercado de trabalho. Para o país de formação o maior risco seria ser transformado num exportador de mão de obra em prejuízo do desenvolvimento do próprio país. Em termos morais, ainda que pudesse potencialmente ajudar a corrigir assimetrias, seria o risco de transformar os profissionais num produto que possa ser comercializado.

 

Como escrevi acima, a ideia é meio louca e consigo imaginá-la atacada à esquerda, direita e centro. Nem faço ideia se alguém alguma vez a propôs no passado. Confesso no entanto que estaria muito interessado em ler alguma análise teórica à implementação da mesma. Haverá algum economista interessado? Basta um agradecimento no artigo final e um convite para a cerimónia em Estocolmo.

Natal com o Menino Jesus

José António Abreu, 24.12.15

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A fé na qual me educaram foi-se esvaindo na racionalidade (na minha racionalidade) e na indiferença (não acredito mas, acima de tudo, não penso no assunto). Ainda assim, incomoda-me o carácter cada vez mais laico do Natal. Incomodam-me os esforços que se fazem para extrair dele a religião, alegando respeitos para com quem não deveria ter motivos para se sentir desrespeitado: a matriz de um país - feita também da religião que, mal e bem, o foi construindo - não deveria agredir quando celebrada, apenas quando imposta. A substituição progressiva mas inexorável do Menino Jesus pelo Pai Natal (e eu acho piada à figura acolhedora e transbordante de bonomia do Pai Natal), o frenesi consumista, a repetição anual de reportagens televisivas ocas, os actos formais de prazer duvidoso (os presentes que se compram porque tem de ser, os sublimes jantares de empresa), as manifestações de cariz turístico-comercial que se tornam lugar de semi-indiferente peregrinação (quantas vilas-Natal há hoje em dia?), parecem-me tentativas desesperadas para encontrar um sentido para a quadra, fora daquele que ela possui há séculos. Tentativas inglórias, como seria de esperar: cada vez mais as pessoas julgam pueris os seus esforços e se sentem mais isoladas.

Expurgamos a religião do Natal, esquecendo (ou ignorando) que quase todas as nossas celebrações estão ligadas a ela: a Páscoa, os dias de Todos-os-Santos e de Finados, até esse momento de origem pagã, o Carnaval, último excesso antes da Quaresma. E, na verdade, é melhor quando assim ocorre. Os feriados religiosos têm uma densidade, um peso histórico, social, identitário, que nenhum dos restantes consegue atingir, ainda que pretendam celebrar o país (25 de Abril, 10 de Junho, 5 de Outubro, 1 de Dezembro) ou direitos conquistados (1 de Maio). Não é preciso celebrar a religião para aceitar que o Natal deve ser celebrado com ela. Basta saber aceitar a história e os valores que formam uma verdadeira comunidade: desde logo, a «inclusão» e a «tolerância» de que tanto se fala. Permitam-me pois que os votos de um ateu (creio) sejam de um Santo Natal para todos. 

Empreendedorismo 2

Teresa Ribeiro, 31.08.15

Foram cinco os empreendedores cujo percurso, por razões profissionais, acompanhei de perto. Ao primeiro faltou-lhe carácter. Quando o seu projecto começou a falhar não hesitou em roubar a própria empresa para se pôr a salvo antes de declarar falência. O segundo revelava o que de  pior podemos identificar no perfil de um típico self made man. Era desconfiado, intolerante e prepotente. Ao longo de décadas, foram muitos os que passaram pela sua empresa, mas poucos os que gostaram de lá trabalhar. Resistiu décadas no mercado, mas sucumbiu à crise. Está agora em processo de falência.

O terceiro foi pioneiro em vários projectos. Tinha boas ideias, mas faltava-lhe talento para a gestão. Após diversas tentativas falhadas desistiu de trabalhar por conta própria. O quarto, um homem que ganhou muito dinheiro na especulação bolsista, decidiu investir num negócio que lhe desse visibilidade e prestígio para o qual não tinha a menor preparação. Correu-lhe mal. Para sobreviver não olhou a meios e se acabou por falir não foi à falta de bajular gente com dinheiro e influência, mas nem assim escapou ao seu destino.

O quinto é, em todos os aspectos, uma pessoa extraordinária. Admiro-lhe o carácter, a perseverança, a criatividade, o optimismo e a paixão que põe em tudo o que faz, mas é um peixinho num aquário de tubarões. A ética granjeia-lhe respeito mas não o ajuda a evoluir num mercado minado por lobbies que só deixam crescer quem tem cartão partidário ou um apelido que pertença à nossa PSI 20 social. São estes D. Quixotes que dão bom nome a uma raça de gente tão diferente entre si.

Empreendedores são como os chapéus: há muitos.

Empreendedorismo 1

Teresa Ribeiro, 27.08.15

O equívoco em relação à expressão empreendedorismo, tão incensada por este governo,  é que ficou colada à ideia de sucesso. Mas em rigor um empreendedor é alguém que tem ideias de negócio e que arrisca. Pode ser um mitómano sem qualquer talento para gestão e transacções comerciais, pode ser um vigarista (os grandes vigaristas são bons empreendedores), pode ser um azarado que aposta sempre no cavalo errado.

GOLDENERGY - Nem a morte nos separa

Teresa Ribeiro, 13.08.15

Pouco tempo antes de morrer, a minha tia Ivone, de 92 anos, achou por bem informar-me que um dia tinha sido abordada, à porta de casa, por "umas meninas muito simpáticas" que a fizeram assinar um papel. Só não sabia era dizer qual era o assunto e se tinha ficado com uma cópia.

Quando ela deixou este mundo, coube-me a mim tratar da sua ex-vidinha terrena e foi então que descobri, no meio da papelada, uma factura da Goldenergy, empresa de distribuição de gás e electricidade, ainda recente no mercado. Lembrei-me logo da conversa sobre as "meninas muito simpáticas" e imaginei como devem ter salivado ao verem diante de si uma idosa confusa e solitária, ávida de uns minutos de atenção.

Soube entretanto que a nóvel empresa está sediada em Vila Real e tem um único balcão de atendimento em Lisboa, na loja do cidadão. Assim que me foi possível entregar os documentos comprovativos do óbito rumei às Laranjeiras para cancelar o contrato e foi aí que deparei com a primeira bizarria: a bicha que aguardava atendimento superava as homéricas bichas da Segurança Social. Era um sinal inquietante, mas como o meu objectivo era rescindir, não me preocupei.

Fiz mal. Esta cena passou-se no final do ano passado e a Goldenergy não desiste da minha tia nem por nada. Consegui, depois de muita insistência, que lhe selassem o contador, mas nem assim. Não sei se no céu também se cozinha e toma duche de água quente, a verdade é que  já estamos em Agosto, o gás cá em baixo foi cortado em Março, e as contas dela não páram de crescer. Na última factura que recebi, onde a Goldenergy ameaça cortar o gás que já cortou, a conta chega quase aos 500 euros!  

Da lamúria

Teresa Ribeiro, 10.08.15

Desabafar é bom. Ninguém contesta. Tem um efeito terapêutico e até há uma classe de profissionais - os psicólogos - que vive disso.

Já queixarmo-nos é mau. Diz que é doentio. Segundo a nóvel cultura passista, é um traço de identidade nacional que nos desclassifica e como não há português que suporte identificar-se com o que mais se critica nos portugueses, este considerando caiu fundo na consciência colectiva. Logo se ergueram vozes aqui e ali contra a lamúria, esse vergonhoso desporto lusitano. Eu, que não tenho a veleidade de me considerar imune às modas, também passei a ter mais cuidado e quando sinto um impulso irresistível para partilhar o que me perturba o espírito, termino sempre com um pensamento positivo, do género "não há-de ser nada", que é para ficar bem claro que não me estou a lamentar, estou é a desabafar.

Olhares

José António Abreu, 26.07.15

Pode ser apenas a minha leitura (uma distorção que, adiantada a ressalva, julgo coerente com o meu tipo de pessimismo) mas as crianças parecem-me ter um olhar cada vez mais adulto. Ou antes: cada vez mais parecido com o de muitos adultos actuais, começando pelo dos progenitores. Um olhar onde o desejo se cristaliza, se torna permanente em vez de intermitente, e a ameaça da tristeza é submergida pelo pânico do aborrecimento.

 

Adenda: Leiam esta entrevista a Carlos Neto, professor da Faculdade de Motricidade Humana, no Observador; não tem directamente a ver com o olhar das crianças mas, ainda assim, tem tudo a ver.

Outras lições nórdicas

José António Abreu, 25.07.15

Alexander Stubb, o ministro das Finanças finlandês, esteve em destaque durante a sequência de reuniões do Eurogrupo sobre a questão grega. Interventivo, adepto do Twitter, sem papas na língua a reflectir as reservas dos seus concidadãos (diz-se, ainda assim, ter sido bastante mais comedido nas declarações em inglês do que nas que emitiu em finlandês), merece-me esta nota por algo que pouca atenção despertou em Portugal.

Cai-Göran Alexander Stubb foi deputado ao Parlamento Europeu entre 2004 e 2008, ministro dos negócios estrangeiros entre 2008 e 2011 e ministro dos assuntos europeus e do comércio externo entre 2011 e 2014. Em Junho desse ano, Jyrki Katainen, líder do partido de Stubb e primeiro-ministro, demitiu-se. Stubb assumiu ambos os cargos. Nas eleições de Maio último, o seu partido obteve apenas o segundo lugar no número de votos e o terceiro no número de assentos no Parlamento. Na sequência das negociações que se seguiram para a formação do governo, Stubb transitou do lugar de primeiro-ministro para o de ministro das finanças.

Não estou a ver um político português fazer algo similar. Aceitar este tipo de «despromoção» num país em que até se tornou regra a demissão do líder do principal partido derrotado. Sinais de falta de maturidade democrática, dirão alguns. Certo. Mas não apenas dos políticos e não apenas «democrática»; também «social». O líder derrotado demite-se e nunca faria o que Stubb fez por muito mais do que vaidade pessoal ou crença genuína de ser essa a melhor solução para o país. Fá-lo também porque, de outro modo, perderia o respeito dos portugueses. E isto permite extrapolar para áreas que não a da política. Permite compreender como Passos está certo ao salientar o estigma que, em Portugal, tende a cair sobre os desempregados (sobre quem perde o emprego). Os portugueses gostam de discursos empolgados acerca de respeito e de solidariedade, oferecem empenhadamente um quilo de arroz ou de massa nas campanhas do Banco Alimentar contra a Fome mas, raspada a camada superficial de verniz, estão longe de constituir uma sociedade respeitadora do esforço, do risco pessoal e da consequência mais negativa destes: o ocasional insucesso.

Da tristeza

Teresa Ribeiro, 09.07.15

Nos tempos que correm vigoram leis de comportamento muito rígidas. Quem faz questão de alinhar o pensamento pelas tendências da moda Primavera/ Verão e Outono/ Inverno dos últimos anos não pode ser pessimista, nem velho, nem inseguro, nem piegas, nem triste. De todos estes ditames o que mais me incomoda é o que proibe a tristeza.

No esforço por sermos optimistas até reconheço um efeito terapêutico. É assim uma espécie de pilates para a amígdala. A negação do envelhecimento, não sendo das atitudes mentais mais saudáveis, tem efeitos colaterais coloridos que não trazem mal ao mundo. O combate à insegurança e à pieguice admito que pode fazer muito pelo nosso tónus emocional, mas a tristeza, senhores? A tristeza é uma necessidade. E é uma necessidade porque representa sempre um luto. O luto de uma alegria que nunca se chegou a ter ou que se perdeu.

Longe demais

Teresa Ribeiro, 07.07.15

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As pessoas deixam rasto. Os animais sabem-no bem. Os animais e as mães. As boxers que ficaram esquecidas na roupa suja, a caneca ainda com um resto de leite, a cama desfeita, o rasto morno da ausência sente-se no ar.

O som dos passos e da voz, que é a brisa do corpo, o doce marulhar que assinala a presença de gente que se ama, quando desaparecem alteram o sentido das coisas. O quarto desarrumado, antes cheio e vibrante passa a ter apenas destroços, farrapos de objectos sem utilidade, ao passo que as não-coisas ganham importância: o lugar onde esteve a mala, o lugar onde se sentou, o sítio que...

As memórias, essas horrorosas que servem para tapar os buracos da existência, vão saindo do armário ordenadas, à medida que o tempo avança depois de uma despedida. Aos poucos ocupam os seus lugares, substituindo o real pelo imaginário e um filho passa a ser o que é durante quase todos os dias do ano: o retrato de um filho, ou a imagem via skype de um filho. Algo assim. Inodoro, intangível, pixelizado. De palpável fica aquela dor enquistada e a inveja das famílias que crescem juntas, que podem dar-se ao luxo de crescerem juntas.

Escutas - 7

Teresa Ribeiro, 17.06.15

Ao telefone:

 

- Então e o Sebastião, já melhorou?

- Tive que ir outra vez com ele à clínica, mas disseram-me para não me preocupar, que isto agora vai com o tempo.

- Com mais uns miminhos ele arrebita, vais ver.

- Tem passado todas as noites comigo.

- E o Luís não se chateia?

- Diz que ele ressona, nunca está quieto e larga muito pêlo. Mas já o pus à vontade. Se quiser, que vá dormir para o sofá.

Escutas - 6

Teresa Ribeiro, 16.06.15

Na esplanada:

- Agora, quando eu e o João estamos juntos quase não falamos.

- Isso não é bom.

- A questão é que não sei. Às vezes sinto-me bem por não ter que puxar assunto.

- Ah, então não é bom, é óptimo. Significa que já são íntimos.

- Não sei se é intimidade, se é desinteresse.

- Mas quando estão calados ficam aborrecidos?

- Não. Ficamos a jogar no telemóvel.

- Então não percebo qual é o teu problema.