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Delito de Opinião

Dia Mundial da Poesia

Joana Nave, 21.03.14

Porque hoje é o Dia Mundial da Poesia, aqui fica um texto meu, num registo completamente diferente do que tenho partilhado. Foi escrito há uns anos e publico-o tal como o escrevi na altura, sem qualquer filtro, apenas porque a poesia é aquilo que nos vai na alma, um sentimento puro, sem edição...

 

 

Lugares

 

Há lugares que me fazem sentir
que há sempre um espaço
onde podemos ficar,
apenas a sonhar.
São lugares escondidos
no meio da multidão,
pequenos paraísos
na imensidão de sons e cores,
lugares de abrigo
que nunca nos deixam sós.
São como um reconforto para a alma
que se sente perdida,
ou então, simplesmente um canto
onde podemos ficar,
apenas a pensar.
Este lugar onde estou...
lembra-me um estado de espírito
em que sinto apenas a leveza do ser.
A calma ou a agitação repousam
sem pressa de chegar.
Não quero ir, quero apenas ficar
e tornar este momento,
em que consolo a minha alma,
eterno!
À minha frente,
vejo o maior de todos os meus abrigos,
o Mar.
A sua fúria traz-me à memória
a minha intempestividade
e a calma serena do meu ser,
quando a sua fúria repousa
no peito de quem a sente,
e fica apenas a ondulação corrente
e o cheiro a maresia.

Para o Rui

Pedro Correia, 26.01.14

 

ACABA

 

En volandas

como si no existiera el avispero

aquí me tienes con los ojos desnudos

ignorando las piedras que lastiman

ignorando la misma suavidad de la muerte

¿Te acuerdas? He vivido dos siglos dos minutos

sobre un pecho latiente

he visto golondrinas de plomo triste anidadas en ojos

y una mejilla rota por una letra

La soledad de lo inmenso mientras medía la capacidad de una gota

Hecho pura memoria

hecho aliento de pájaro

he volado sobre los amaneceres espinosos

sobre lo que no puede tocarse con las manos

Un gris un polvo gris parado impediría siempre el beso sobre la tierra

sobre la única desnudez que yo amo

y de mi tos caída como una pieza

no se esperaría un latido sino un adiós yacente

Lo yacente no sabe

Se pueden tener brazos abandonados

Se pueden tener unos oídos pálidos

que no se apliquen a la corteza ya muda

Se puede aplicar la boca a lo irremediable

Se puede sollozar sobre el mundo ignorante

Como una nube silenciosa yo me elevaré de mí mismo

Escúchame Soy la avispa imprevista

Soy esa elevación a lo alto

que como un ojo herido

se va a clavar en el azul indefenso

Soy esa previsión triste de no ignorar todas las venas

de saber cuándo cuándo la sangre pasa por el corazón

y cuándo la sonrisa se entreabre estriada

Todos los aires azules

No

Todos los aguijones dulces que salen de las manos

todo ese afán de cerrar párpados de echar obscuridad o sueño

de soplar un olvido sobre las frentes cargadas

de convertirlo todo en un lienzo sin sonido

me transforma en la pura brisa de la hora

en ese rostro azul que no piensa

en la sonrisa de la piedra

en el agua que junta los brazos mudamente

En ese instante último en que todo lo uniforme pronuncia la palabra:

ACABA

 

Vicente Aleixandre, Espadas como Labios

Blogue da semana

Ana Lima, 05.01.14

É difícil acreditar que é tão nova. A Beatriz escreve como se por si já tivesse passado tanta vida... A sua escrita é madura, cheia de recordações e de sentimentos antigos. Podemos lê-la em revistas ou no livro, É quase noite, publicado pela Averno, em 2013. 

Mas há alguns anos que os seus textos poéticos são publicados em blogues da sua autoria. Aquele que é o mais recente foi o que escolhi para o primeiro blogue da semana deste ano. Percam-se por lá: ao longe todos são pedras de Beatriz Hierro Lopes.

Eusébio por Manuel Alegre

Patrícia Reis, 05.01.14

Havia nele a máxima tensão

Como um clássico ordenava a própria força

Sabia a contenção e era explosão

Não era só instinto era ciência

Magia e teoria já só prática

Havia nele a arte e a inteligência

Do puro e sua matemática

Buscava o golo mais que golo – só palavra

Abstracção ponto no espaço teorema

Despido do supérfluo rematava

E então não era golo – era poema.

 

José Tolentino Mendonça

Patrícia Reis, 22.12.13

"Desejo muito que a humanidade do futuro se deixe desconcertar pelo esplendor inexplicável de cada amanhecer; que se conserve sem palavras perante o mar; que se sinta irresistivelmente atraída pela variação de cores, de volumes e de odor da paisagem diurna e noturna; que estremeça ao primeiro contacto com a água; que mantenha a capacidade de espanto perante o modo como o vento arrasta as nossas vozes felizes na distância..."

Maria Teresa Horta

Patrícia Reis, 16.12.13

FEMININO

É quando o ar estremece levemente indo

Em busca da transparência azul da Índia

Improvável luz feminina que só a placenta coa enquanto gera e no cristal vibra

Difuso momento onde a flor hesita

Se desdobra primeiro e em seguida vacila

(Inédito)

Poesia para domingo

Patrícia Reis, 13.10.13
«Animais doentes as palavras
Também elas vespas formigas cabras
De trote difícil e miúdo
Gafanhotos alerta
Pombas vomitadas pelo azul
Bichos de conta que fazem de conta
Pequiníssimas pulgas de uma sílaba só
Lagartos melancólicos
Estúpidas galinhas corriqueiras
Tudo tão doente tão difícil de
De manejar de lançar de provocar
De reunir
de fazer viver

Ou então as orgulhosas
Palavras raras
Plumas de cores incandescentes
Altos gritos no aviário
E o branco sem uso
Imaculado
De certas aves na solidão

Para dizer
Queria palavras tão reais como chamas
E tão precárias
Palavras que vivessem só do tempo de dizer a sua parte
No discurso de fogo
Logo extintas na combustão das próximas
Palavras que não esperassem
Em sal ou diamante
O minuto rídiculo precioso raro
De sangrar a luz a gota de veneno
Catava das entranhas ociosas.»
Alexandre O'Neill in 'No Reino da Dinamarca', 1958. (obrigada Margarida por mo recordares)

Receita para fazer azul

Patrícia Reis, 20.09.13


Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compare-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz - eu, Abraão bem Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé - e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.

Nuno Júdice

in MEDITAÇÃO SOBRE RUÍNAS (Quetzal, 1994)

Serei criminalizado pelas feministas do Bloco? *

Pedro Correia, 01.09.13

 

«tu serás sempre a mesma fresca jovem pura

que alaga de luz todos os olhos

que exibe o sossego dos antigos templos

e que resiste ao tempo como a pedra

que vê passar os dias um por um

que contempla a sucessão da escuridão e luz

e assiste ao assalto pelo sol

daquele poder que pertencia à lua

que transfigura em luxo o próprio lixo

que tão de leve vive que nem dão por ela

as parcas implacáveis para os outros

que embora tudo mude nunca muda

ou se mudar que se não lembre de morrer

ou que enfim morra mas que não me desiluda.»

 

Excerto do poema "Muriel", de Ruy Belo

 

* em alusão a esta notícia baseada nesta prosa piropofóbica que originou um comentário justamente perplexo da Ana Vidal

Para ler

Patrícia Reis, 26.08.13
 
UM POEMA DE NUNO JÚDICE

Quero-te, como se fosses
a presa indiferente, a mais obscura
das amantes. Quero o teu rosto
de brancos cansaços, as tuas mãos
que hesitam, cada uma das palavras
que sem querer me deste. Quero
que me lembres e esqueças como eu
te lembro e esqueço: num fundo
a preto e branco, despida como
a neve matinal se despe da noite,
fria, luminosa,
voz incerta de rosa.

( in “Poesia Reunida”)
 
UM POEMA DE NUNO JÚDICEQuero-te, como se fosses a presa indiferente, a mais obscura das amantes. Quero o teu rosto de brancos cansaços, as tuas mãos que hesitam, cada uma das palavras que sem querer me deste. Quero que me lembres e esqueças como eu te lembro e esqueço: num fundo a preto e branco, despida como a neve matinal se despe da noite, fria, luminosa, voz incerta de rosa.( in “Poesia Reunida”)

O mar é longe,mas somos nós o vento;

Patrícia Reis, 08.08.13

O mar é longe,mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira,até ser ele,
é doutro e mesmo,é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás,que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos,dedos ,sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes,fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar.

 

Pedro Tamen

UM POEMA DE MANOEL DE BARROS

Patrícia Reis, 05.08.13


Via Poetas Poemas Poesias

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

nuno júdice

Patrícia Reis, 24.07.13
Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe.

Mário Cesariny, in "Pena Capital"

Patrícia Reis, 08.06.13

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Nem só de pão vive o homem

Ana Vidal, 16.05.13

 

É um homem sereno, tímido, afável e generoso. Tão generoso que me prefaciou um livro e depois se dispôs a fazer de propósito, com toda a naturalidade, uma viagem de 300 Km só para apresentá-lo. Bastaria isso para elogiá-lo e ficar feliz por ele. Mas é por ser o ENORME poeta que é - leio-o há anos, sempre em estado de puro deslumbramento - que o felicito pela notícia que acabo de saber: Nuno Júdice, pelo conjunto da sua obra, publicada pela Dom Quixote, acaba de ser anunciado vencedor da XXII Edição do Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana.

 

Muitos parabéns, Nuno, o prémio é merecidíssimo!