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Delito de Opinião

Um problema de hábitos

João Carvalho, 31.10.10

Para o Governo, o acordo com o PSD sobre o Orçamento «tem um custo»: 500 milhões de euros, retirados das receitas. Peanuts. Nada que o Governo não esteja habituado a desperdiçar num estalar de dedos. O problema vai ser compensar esse montante do lado das despesas, visto que o Governo não está habituado a poupar.

Ora, aquele mau hábito associado a esta falta de hábito nada augura de bom. Palpita-me que os 500 milhões de euros banidos das receitas hão-de reaparecer mais-dia-menos-dia de regresso às receitas. Mais os milhões das derrapagens habituais, é claro, porque a incompetência não se cura na noite da passagem de ano.

História de uma criação

João Carvalho, 30.10.10

Acaba aqui a história da criação do Orçamento do Estado para o próximo ano. Quer dizer que termina também a tournée de uma dramatização que percorreu o País. É o fim de uma peça teatralizada sobre negociações irredutíveis e irredutibilidades negociáveis. A partir de agora, voltamos à história antiga e vale a pena fazermos duas perguntas.

Primeira pergunta: quantas vezes um Orçamento foi chumbado no passado? Resposta: nenhuma. Segunda pergunta: quantas vezes um Orçamento foi cumprido? Resposta: nenhuma. Orçamentos rectificativos, Orçamentos suplementares, desorçamentações, receitas extraordinárias e por aí fora, manobras à vista e esquemas escondidos — o cardápio é longo e conhecido.

Em toda esta história com mais de três décadas, a conclusão possível é apenas uma: o OE para 2011 é imprescindível que venha a ser aprovado e era impensável que chumbasse, mas não se sabe bem porquê. Só se sabem duas coisas: que a criação não será cumprida e que a sua execução permanecerá nas mãos dos criadores, que já levam anos a mostrar a maior incompetência para executar e cumprir.

Por outras palavras: continuamos bem entregues. O OE é essencial...

Os nomes dos bois

João Carvalho, 22.10.10

Sei que estou atrasado (por outros afazeres que me exigem maior pontualidade), mas quero registar aqui um facto que me despertou para uma realidade que tem sido escamoteada, nesta semana nacional do Orçamento e cujo desfecho está ainda longe de se adivinhar: a verdadeira dimensão da dívida dita "soberana". Isto porque o governo tem afirmado sucessivamente que a dívida pública é muito inferior à dívida privada.

Foi preciso Vítor Bento, economista, gestor e conselheiro de Estado, dizer há dois dias que isso «é uma falácia». Porquê? Porque, da dívida privada, 25 por cento é dívida das empresas públicas e mais 20 a 25 por cento é das parcerias público-privadas. Ou seja: quase metade da dívida nacional supostamente privada também é, afinal, dívida pública encapotada.

Como nunca se viveu período de maior opacidade e resistência à verdade da vida pública, é bom ouvir (os poucos que sabem) chamar os bois pelos nomes. Além do mais, melhor se fica a entender a dimensão da teia viciosa de empresas públicas (e das famigeradas empresas municipais, pois claro) e dessa fatalidade mortal que são as parcerias público-privadas. Até porque fazem parte da discussão sobre o Orçamento que o PSD e o PS começam amanhã.

Para variar

João Carvalho, 18.10.10

O ministro das Finanças dá conta dos seus receios, caso o Orçamento seja chumbado, e do consequente abalo para a nossa credibilidade interna e externa. Bem pode Teixeira dos Santos perorar: o seu nome ficará para sempre associado a essa credibilidade já há muito abalada e pela qual nunca soube ou nunca quis bater o pé. As suas sucessivas faltas de acerto a prever o que tanta gente previu e o seu papel de eco político do primeiro-ministro que se prestou a fazer a favor do logro persistente, falam por si.

Como se já não nos bastasse a corrupção que grassa, ainda temos andado a aturar despesismo, incúria, incompetência, amiguismo e abusos generalizados. Não, não é a "nossa" credibilidade que está em causa, porque há muito que pagamos isso tudo até ao tutano. O que está em causa é a liderança política incapaz e irresponsável que o ministro das Finanças não combateu. Essa liderança é que vai ter de mudar depressa. E não é líquido que ela não venha desta vez a ser responsabilizada. Para variar.