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Delito de Opinião

Joana Marques Vidal

jpt, 09.07.24
 
Voltara eu ainda há pouco tempo, ano e tal, de Moçambique. Certo dia fui convidado para jantar em casa de uma amiga, seríamos um pequeno grupo, íntimo, a dona da casa, um enorme amigo meu, colega desde há então trinta anos, meu verdadeiro irmão, e outra grande e antiga amiga deles, e que comigo namorava. Afinal na mesa estava também uma outra conviva, extremosa amiga de infância da anfitriã.
 
A conversa correu, bem-disposta. A palavras tantas alguém disse à tal amiga que "o Zé Flávio viveu vinte anos em Moçambique, voltou há pouco". E ela, agradada, disse que ia com alguma frequência ao país - que muito apreciava -, pois mesmo que isso não lhe fosse o cerne do trabalho tinha algo a ver com a cooperação estatal no sector jurídico. E falou um pouco das questões e da relevância dessa actividade - desde sempre um sector crucial da cooperação portuguesa.
 
Fiquei de imediato estupefacto. Passara eu duas décadas envolvido e/ou atento à cooperação portuguesa - até durante algum tempo tinha tido como obrigação profissional acompanhar a cooperação jurídica. Sobre o assunto, este sector em particular, e a cooperação global, ouvira falar imensa gente, desde os mais elevados governantes até uma vasta série de normais agentes. Nisso escutara muita mediocridade, muita vacuidade, imensa sobranceria. Mas também - e não convém ser maximalista nas críticas - ouvira gente competente e atenta. Escassa mas existente.
 
Mas nunca ouvira alguém, e ainda por cima naquele registo en passant, conversacional, com tamanha perspicácia, tamanha pertinência, tanta acuidade. Lembro-me bem de ter pensado "que é isto?", devo até ter arqueado as sobrancelhas. E perguntei-lhe, de facto abismado com toda aquela competência intelectual, "Desculpe, qual é o seu trabalho?". E foi um coro de risos dos nossos amigos, "Ó Zé!, a Joana é a Procuradora-Geral", ao que eu (sentindo-me mesmo tonto) balbuciei "Desculpe" tendo ela ripostado, então rindo-se também - pois decerto achando piada à minha distracção -, deixando-me um "Desculpa-se de quê, por favor...".
 
Nos anos seguintes (até ao Covid, de facto, esse que tanto cerceou os hábitos convivenciais) tive o privilégio (é a expressão devida, não apenas usual) de a encontrar, através da nossa amiga comum. No convívio risonho, qual familiar, sempre deixando a marca de uma mulher de uma simplicidade gentilíssima, e, até em modo subliminar, pois nesses contextos nada ostensivo, de um enorme intelecto.
 
Uma Senhora. Uma Senhora na República. Uma sentida vénia na sua morte. E um grande beijo para a nossa querida amiga comum, sua amiga de infância.

O Determismo Reducionista

jpt, 07.07.24

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Através das "redes sociais" (pérfido instrumentos de alienação, como adiante se verá) dois amigos enviam-me declarações de teor político emanadas agora por três romancistas. Um enviou-me o texto no "El País" com breve entrevista de Michel Houellebecq sobre as eleições francesas de hoje, na qual ele - enquanto, até distraidamente, deixa cair o seu sentido de voto avesso ao pacote lepenista - se declara "pessimista e resignado" e avança, ainda que num registo conversacional algo superficial, algumas causas sociológicas para a complexa deriva francesa.
 
Outra amiga, cruel, enviou-me o "Expresso", em óbvio convite para que eu lesse os artigos de Miguel Sousa Tavares e Clara Ferreira Alves, que há décadas acompanham os nichos de classe média leitora do semanário. São duas, longas (estes colunistas têm direito a página inteira), bojardas, ignaras, nisto até indignas. Pouco francesas, dir-se-ia se comparando com o exemplo anterior. Aquilo a que décadas atrás, quando se discutia o efeito do marxismo, se chamava "determinismo", "reducionismo economicista (tecnológico)". Os dois "fazedores de opiniões" dos licenciados lusos de meia-idade e seniores, abordam as eleições mundiais actuais, atribuindo a viragem "à direita" à perniciosa e malévola influência das redes sociais, à instrumentalização executada pelos seus magnatas. CFA centra-se no debate presidencial americano e vê o evidente colapso democrata como causado pelos tais magnatas - nem um caractere sobre as características do plutocrata sistema político americano, sobre a sua socioeconomia, sobre a degenerescência do partido democrata, sobre a sua incapacidade de gerar em XXI candidatos e ideários. Pois a "culpa" é das redes sociais.
 
MST insurge-se contra este generalizado "Triunfo dos ressabiados". Diante deste seu título logo me lembro de quando há uma década voltei ao país e encontrei esta constante utilização por parte dos socialistas e seus compagnons de route. Todos nós, que vozeávamos contra o miserável socratismo e a cáfila dos seus apoiantes, éramos ditos "ressentidos" e "ressabiados" - um antigo meu colega e, depois, chefe, teve até a descarada lata de cortar relações comigo, por razões "políticas", usando esses termos. Ou seja, todos os que nos opunhamos a este lamaçal antidesenvolvimentista sofreríamos de doenças de foro psicológico, por causas psicóticas (o "ressentimento") ou orgânicas (o "ressaibo"). Era - e essa escumalha socratista, estadodependente, nem o percebia - a tradução lusa, nos nossos propalados "brandos costumes", da velha prática soviética: os "dissidentes" eram doentes psíquicos e deviam ser internados em hospícios.
 
E MST vem agora preencher mais uma das suas páginas de "Expresso" com estes disparates, tão queridos dos tais leitores "classe-média". Aborda um feixe de eleições recentes (e manipula tanto que foge a referir as últimas eleições britânicas que não lhe dariam jeito ao ditirambo), funda os seus resultados no "algoritmo" das redes sociais, atribui a "viragem à direita" à ignorância dos povos, dos jovens e, claro, ... à ultrapassagem da mediação dos jornalistas. Ou seja, antes é que era bom, reinava a "iluminação" global.
 
Entretanto os imbecis, licenciados, continuam a comprar esta tralha "Expresso". E, pior, a ler estes "intelectuais" da treta. E consomem os produtos que publicitam no douto semanário.
 
E nós outros, "ressentidos" e "ressabiados", chafurdamos, orgásticos, sob o Algoritmo.

Blogue da semana

jpt, 07.07.24

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Nesta rubrica "blogue da semana" fujo à (saudável) regra e recomendo esta Kambaku - Notícias do Mundo Natural, uma belíssima página digital que (muito bem) corresponde ao seu título. Trata-se de uma plataforma noticiosa dedicada à informação e análise de conservação da biodiversidade, centrada em Moçambique mas bastante atenta a essas questões em África e, até, alhures.

O seu nome Kambaku (também usualmente grafado Cambaco) é o termo em língua changana para o velho e solitário elefante, irritável sempre dele se disse. E cheguei a esta tão interessante página através de uma chamada de atenção do Afonso Vaz Pinto, também veterano confrade bloguista no seu Mar me quer, e que desta Kambaku é um dos artífices.  

O seu conteúdo é muito consistente, textos escorreitos, diria até "cirúrgicos". Mas isto sem minimamente se encerrar num "discurso especializado", pois ela funciona muito bem como divulgação para nós, vulgares amadores e amantes interessados, mesmo nos exaltando, devolvendo-nos esperanças, se se quiser. Tem uma secção de notícias sobre conservação e biodiversidade, outra sobre ciência e investigação - entusiasmante para um leigo como eu -, um outra, preciosa, dedicada à sustentabilidade, ou seja às dinâmicas da economia ecológica, e uma outra ainda sobre inovação tecnológica ligada à biodiversidade

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E como exemplo de notícias que vão para além de Moçambique, e também alertando para o seu suporte audiovisual, deixo estas recentes abordagens à magnífica reintrodução de rinocerontes brancos no Kruger ou da corrente maior migração mundial de mamíferos terrestres no Sul do Sudão.

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E tem também - como não podia deixar de ser - uma secção fotográfica, como exemplifica esta deliciosa imagem do regresso do xaréu gigante às águas moçambicanas:

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Finalmente tem uma secção de entrevistas radiofónicas (hoje em dia chamadas podcast), conversas com cerca de uma hora tidas com verdadeiros especialistas da matéria em Moçambique. Ou seja, verdadeiramente preciosas para quem queira aperceber-se do "estado da arte" desta tão relevante matéria. Chamo a atenção para as que ouvi, uma com o justificadamente célebre escritor (e biólogo, veterano destas questões ambientais) Mia Couto. Uma outra com Pedro Muagura, reconhecido administrador do Parque Nacional da Gorongosa. E ainda uma com Alexandra Jorge, administradora da Biofund, organização não lucrativa que actua em cerca de 30 parques naturais no país.

Em suma, Kambaku é um local que muito merece ser visitado. E, também, divulgado. Que outros o possam fazer, se assim o entenderem.

O primeiro dia sexagenário

jpt, 03.07.24

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Pois lá me tornei sexagenário. Antes de tudo, na possibilidade de a todos agradecer, repito, qual sublinhado, na possibilidade de a todos agradecer - o que eu me rio com os taralhoucos que vão para o Facebook dizer "na impossibilidade de agradecer a todos os parabéns que me endereçaram", como se fossem a Tylor Swift, com milhões de "fans". Um tipo pode não ter vagar ou paciência para responder a toda a gente, mas clamar "impossibilidade" disso é pateticamente ridículo. E o sentido do ridículo não é congénito, é apre(e)ndido. O problema é que ninguém avisa os pobres mortais que estão a ser ridículos, acham antipática essa generosidade até pedagógica ... - Enfim, dizia eu, na possibilidade de a todos agradecer os bons votos que me enviaram (FB ou telefone) assim o fiz - e noto, encantado, que ninguém me "parabenizou", parece-me que essa praga de cretinismo lexical se desvaneceu, qual covid... -, e fi-lo porque muito me acalentaram as mensagens, simpáticas, recebidas. Porventura sinal de degenerescência proto-senil, um tipo a sensibilizar-se em demasia, assim já de pingo no nariz, até lacrimejando, a anca a dar de si, varizes entumescidas, e todos os outros itens do vasto rol que aí virá...

E para quem tenha curiosidade aqui discorro sobre o tal primeiro dia sexagenário. Uma querida amiga mimou-me, nisso providenciando-me o primeiro café. Após o qual assomei a esplanada vizinha onde camarada amigo me proporcionou parelha de "bicas", e partilhámos um queque como matabicho - sim, eu sei que assim dito parece um bocado gay, dois maduros a dividirem o bolito matinal, mas é no bairro, conhecem-nos, só dirão que são aqueles dois simpáticos sexagenários (pois, a partir de agora será assim...), meio desasados... Depois cruzei o dia em casa, fingindo escrever ("acaba lá isso tudo, a ver se se publica um livro", desafiou-me uma bela amiga, intelectual) enquanto ia atendendo o frenético telefone, um rosário de solidários amigos no "vais ver que não custa nada", clamando que se é jovem aos 60 e até aos 70 (é o que eu digo no primeiro parágrafo, as pessoas não têm a a noção do ridículo, e ninguém as ensina...). Consegui escapar-me a vários desafios para almoço, jantar ou convívios - tenho lá eu dinheiro para festas de aniversário ou meras rodadas que sejam...

Ao fim da tarde fui até ao Saldanha, à livraria Almedina, para o lançamento deste livro do amigo Pedro Correia, o comandante do blog Delito de Opinião, o "Tudo é Tabu", editado pela Guerra e Paz, no qual ele vergasta estes esquerdalhos identitários, também ditos "wokistas". O livro é recomendável... Lá assomei, pude conhecer um co-bloguista (emérito) no Delito De Opinião, e reencontrar um antigo co-bloguista do sportinguista És a Nossa Fé. Mas a sala estava composta, e constatei o que esperava, isso de não haver chamuças (ou croquetes, como no Rock in Rio) ou algumas bebidas espirituosas. Mas os comparecidos, de aparência elegante, não estavam com isso nada esmorecidos, e compravam o livro com afinco. Assim, percebendo-me ali inútil e até porque descobrira ter uma notória nódoa nas calças (será do óleo Fula, que agora me substitui o azeite e que tanto espirra?), abraço autoral já recebido, fugi dali, escapando-me às doutas palavras que iriam ser proferidas - privilégio dos sexagenários, isto de fugirem às "doutas palavras", não porque delas desnecessitem mas porque já não as retêm.

Lá regressei na "linha vermelha", bebi uma imperial em esplanada olivalense, no remanso da companhia de um livro do Javier Marias. E depois fui até à Casa de Frangos de Moscavide, ali ao Largo do Ferrador. E seguiu-se jantar com a minha filha e seu gentleman, o dito frango, batatas fritas, um naco de azeitonas temperadas, um vinho tinto barato e uma cerveja de litro. Eles seguiram e eu voltei à minha rotina, em espiral repetitiva disto: 

A vida continua, more news from ... Nenhures.

A ralé britânica

jpt, 02.07.24

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A BBC, que não é um tablóide mas sim a estação pública da pérfida Albion, esse decrépito e abjecto antigo império de onde vem essa ralé turística, tatuada e bêbeda, decidiu-se gozar com o grande atleta e nosso ídolo CR7, chamando-lhe "Misstiano Penaldo". Abandalhar um atleta numa falha é uma vergonha. Sendo uma estação de serviço público é miserável.
 
Isto é mesmo o exemplo da célebre "fleuma britânica". Ou seja, da arrogância daqueles imundos bárbaros, que nem os romanos conseguiram civilizar. Seria bom, desejável, que pelo menos durante dois ou três dias a escumalha britânica que por cá anda em veraneio não fosse servida em bares e restaurantes. Que fossem confinados aos kebabs e quejandos que por cá pululam. E que a razão para tal lhes fosse explicada, naquele profundo e singelo "Fuck off". E isso serviria para nos mostrar - até fazer - menos servis. Até porque "contra os bretões marchar, marchar," sempre!

Fausto

jpt, 01.07.24

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A morte de Fausto (Fausto Bordalo Dias, como depois veio a ser conhecido) faz-me recuar até aos anos 80 mas também me ancora no presente. Logo me lembro, como a tantos acontecerá, deste "Por Este Rio Acima", um disco magnífico. E uma surpresa na época - pois para além do íntrinseco autoral era muito bem produzido, muitíssimo melhor produto do que era a norma de então, e em especial nos muito básicos oriundos da chamada "canção de intervenção", "cantautores" vieram depois a ser ditos. A indústria musical portuguesa não era tão má, tecnologicamente, como a cinematográfica (esta era verdadeiramente uma desgraça), mas era deficitária. "Por Este Rio Acima" mudou isso. O sucesso, comercial e de reconhecimento, foi enorme. Lembro-me - mas lamentavelmente não encontro via motores de busca - de uma deliciosa primeira página de jornal que dizia "Fausto, o Chalana da Música", noticiando um novo - e bem abonado - contrato com empresa discográfica do músico (que me diziam ser um tipo profissionalmente muito difícil, exigentíssimo, até em demasia), fazendo-o equivaler ao grande ídolo da bola de então...

Mas a memória deste disco também me traz para o presente. Pois em alguma imprensa e na na academia de algumas ciências sociais (nisso também na antropologia) vem vigorando um discurso - dito "pócolonial" ou "decolonial" -, militante de uma simplificação demagógica do passado recente e da actualidade. O seu cerne é a afirmação da inexistência de uma "descolonização" intelectual no país, da total perenidade da mundividência colonial, imperial, saudosista, após-1974. Há até textos (o jargão chama-lhes "papers") publicados nos locais "da especialidade", botados por estrangeiros (brasileiros de preferência) ou lusos empenhados, que consagram essa perenidade. Sobrevoam, apressados, o "campo literário", desatentam a (sofrível, repito-me) cinematografia. E aguçam-se, vampirescos, sobre o mundo da música popular, neste último clamando a representatividade, como se universal, daqueles obscuros festivaleiros Da Vinci. E, mais ainda, reproduzindo uma interpretação abjecta de básica desse fenómeno pop que foram os Heróis do Mar. Esses mariolas, sempre avessos à rugosidade do real, sua complexidade e  multiplicidade, a tudo o que não lhes convém às "causas" (e aos subsídios) esquecem, não só a existência como a real influência de objectos que marcaram o país, suas gentes, as mundividências. Lembro a magistral peça "Fernão, Mentes?" da Barraca, logo no início da década de 1980. E nesse já tão recuado 1984 o monumento - tão influente - que foi este "Por Este Rio Acima". Nem tantas outras coisas, as produzidas e as formas da sua recepção pública. 

E continuam "por esses rios abaixo" os tais intelectuais. E nós-outros, os avessos à aldrabice "póscolonial", deveras embrenhados no encapelado da realidade, continuaremos a entoar - e mais agora na morte de Fausto -, "Quem conquista sempre rouba / quem cobiça nunca dá / quem oprime tiraniza / naufraga mil vezes ... Já vou de grilhões nos pés / já vou de algemas nas mãos / de colares ao pescoço / perdido e achado / vendido em leilão / eu já fui mercadoria / lá na praia do Mocá...". Tudo isto, complexo, que não lhes cabe na ladainha, com a qual vão ganhando a vidinha, videirinhos que seguem.

 

Neste meu último dia de cinquentão

jpt, 01.07.24

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Neste meu último dia de cinquentão permito-me um rescaldo público - que o pessoal é mesmo privado, "nem às paredes o confesso". Para um tipo como eu, que tem a mania (vício?) de perorar em blog, algo que já percebi ser-me "prova de vida", é relevante sopesar o que os meus correspondentes apreendem do que deixo. Não refiro as coisas da política sobre as quais em tempos tanto botei. Pois já me são distantes, mesmo indiferentes ("que me interessa isso, este futuro já não é o meu", respondia eu durante o fim-de-semana às minhas mais próximas que me interrogavam sobre que raio penso eu sobre o pai do mariola de Campo de Ourique no Conselho da Europa). Pois o país do socratismo, dos seus cúmplices e da imensa mole conivente, já não mudará na minha vida, não porque a minha geração tenha falhado mas sim porque a minha geração é aquilo: "não o convides para o jantar, ele agora é de direita", confidenciava-me um meu conhecimento bíblico ter-lhe sido dito. Não foi Sócrates que fez isto ao povo burguês, foram estes burguesotes que fizeram "sócrates". Esta modorra atrapalhada. Depressiva de lamacenta. "O que sou eu?", disse no dia festivo (g'anda festa!!!) de apresentação do meu livreco "Torna-Viagem". "Acima de tudo, sou um patriota", coisa que tanto arrepia os portugueses democratas, sempre aflitos com o que "parece"... E isso basta, encerra, a "coisa pública" que me coube.
 
Enfim, voltar à "primeira forma". Sopesar o que os outros apreendem do que digo, assim aquilatar a competência (não o talento, que seria pimpão dizê-lo, mas sim a competência, a adequação) dos escritos. Nisso encontro-me deficitário, muito. Problemas devidos à minha "escrita rebuscada", disseram-me. Ou aos "textos longos", repetem-me. Mas talvez não seja isso, será mais o ínvio pensar, pouco esclarecido, assim pouco se esclarecendo. Comprovei essa minha falta de clareza há dias, ao despedir-me dos 50s com o texto mais esperançoso que me lembro de ter botado, amparando-me na magnífica "Simple Twist of Fate" do Dylan - haverá canção mais esperançosa do que aquela? e que melhor me retrate, algo trôpego, com um papagaio palrador no ombro, na senda da felicidade, fugaz que seja? Pois logo me contactaram amigos manos, antigas namoradas, colegas e gente mais distante, pois esta minha esperança soou-lhes a des-esperança...
 
 
Incompetência textual minha, está provada. Neste meu final cinquentão ela está patente na minha conta da rede Academia. Estão lá os meus textos mais sisudos, na maioria sobre Moçambique. Entre o longo rol de coisas inacabadas ainda lá deixarei - neste Julho que hoje começa, pois quis fazê-lo antes dos 60 mas não consegui - três artigos, um sobre o Niassa, outro sobre Cabo Delgado, e um outro sobre Gaza. Depois desses três encerrarei esta linha de escrita, a inutilidade antropológica ficar-me-á para trás.
 
E está também patente neste meu "Torna-Viagem" (o qual só se compra por encomenda através do endereço acessível  neste título "Torna-Viagem"). O tal da escrita "rebuscada", que agregou textos em demasia ("há uns que não estão lá a fazer nada", dizem-me amiúde). Que ainda assim tem sido um verdadeiro sucesso, vendeu até agora 148 exemplares e eu tinha apontado como objectivo utópico a venda de 150, estou quase a na terra utópica, privilégio de poucos. Para chegar a este número tive a ajuda propagandística de amigos e também de alguns, raros, confrades bloguistas - o Joaquim Paulo Nogueira (que acumula as condições), o Luis Novaes Tito, o Henrique Pereira Dos Santos, que me recorde. Mas está cumprido o objectivo, outro livro não farei, não vou repetir o atrevimento de chatear todos os amigos e conhecidos para vender cem livros, e nisso ainda perder dinheiro, gasto, noblesse oblige diz o burguês, em "despesas de representação"...
 
Enfim, começa-me amanhã uma nova década. A ver se será melhor do que a anterior, assim o espero, talvez até com uma "simple twist of fate". E decerto que será - e é o sentido deste postal - muito menos palavrosa.
 
Como mensagem final destes meus 50s? Deixo, em citação, esta versão do grande, Enorme, Robert Plant, a voz da minha adolescência, quando ele ali com o Page, o Bonham e o JP Jones E com isto, por favor, não me telefonem/escrevam a animar-me, a dizerem-me "estás deprimido?!". Isso sou, é condição, não estou, situação. Estar estou porreiro. Liso, como Job, mas porreiro.
 
Parabéns a todos. Ou seja, tende todo o Bem que possais abarcar.
 

Manel Fernandes

jpt, 27.06.24

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Morreu o Manel Fernandes, o nosso eterno capitão. (Aqui no seu cromo da Futebol 77, já depois de ter vindo da CUF). O Manel era a "bola", o verdadeiro futebol. E o Sporting.

Aplausos. Em ovação.

 

*****

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A colecção "Futebol 77" (os cromos da época 1976/1977) nas páginas centrais da caderneta tinha esta hipótese, o coleccionador arvorar-se em selecionador por um jogo. A minha equipa para o jogo contra a Polónia (a então poderosa de Lato), em 16.10.1976, era esta, claro que com o Manel Fernandes a titular:

Damas, Artur, Laranjeira, José Mendes, Pietra; Octávio, Alves, Fraguito; Manel Fernandes, Nené, Chalana.

(Após) Portugal-Turquia

jpt, 23.06.24

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Repito a ligação para esta minha historieta, com mais de uma década (gosto tanto dela que a agreguei ao meu "Torna-Viagem", o livrinho que impingi aos amigos e conhecidos), uma conversa com uma polícia de trânsito sul-africano sobre Cristiano Ronaldo.
 
Passou a tal década (ou mais). Cristiano Ronaldo é o maior atleta da história portuguesa. Um símbolo, admirado por muitos de nós. E também mundo afora, polícias do Mpumalanga e outros - como a menina que ontem se perfilava diante dele durante os hinos, com as mãos na cara tamanha a emoção espantada, tocando-lhe para ver se ele era real, ou o petiz (malandrete), que aos 10 anos se escapou campo adentro para tirar uma fotografia com ele.
 
Mas CR7 é também um barómetro, mede o cretinismo nacional. Pois desde há décadas que é perene a raiva contra ele, as críticas constantes, a vir ao de cima a maldita inveja lusa contra o sucesso (se obtido "lá fora" então é pior). O que vem muito do mais rasteiro do clubismo, alguns, apesar de tudo, ainda o apupam pelas origens sportinguistas - e outros, ainda mais abjectos, pelas origens humildes. (E não esqueço o povo de Guimarães, num particular de 2013, a gritar vivas a Messi apenas para o macerar, a mostrar como é escumalha o "berço da Nação").
 
É já um veterano - a sua idade acerca-se da que tinha Lopes quando foi campeão olímpico, Livramento campeão europeu de clubes, Agostinho no cume do Alpe d'Huez, Pepe na sua lenda de central insigne. É um veterano goleador... Os cretinos, que são minoria mas vasta, continuam a bolçar que "está velho", que "joga à mama", que "é egoísta", que "não joga nada".
 
Ontem, por parvas razões, vi parte do jogo da selecção num café lisboeta. A clientela, uma mole sorvedora de caracóis, passou a tarde clamando esses impropérios, enquanto perdigotava a repugnante molhanga. Retirei-me para casa, vi um John Ford que nunca vira ("Os Cavaleiros", com o Duke e o grande William Holden). Depois passei pelo FB, onde - apesar do "banho turco" - ainda havia básicos a repetirem impropérios contra o CR7.
 
Deitei-me, a ler o Dalton Trevisan que trouxera da Feira do Livro. Não haja dúvida, aquela desgraçada Curitiba de Trevisan é aqui mesmo.

Montenegro foi à bola

jpt, 19.06.24

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Tem sido noticiado que os tribunais sancionaram o anterior seleccionador nacional devido à modalidade contratual que teve com Federação Portuguesa de Futebol, uma instituição de utilidade pública. Algo que terá lesado o Estado em alguns milhões de euros, através de um meio artificial e abusivo. Dada a importância do posto de trabalho e o elevado montante envolvido, será preciso um enorme grau de candura para se pensar que o presidente da FPF não teria conhecimento da situação.

Dito isto, e num país onde os habitantes estão sobrecarregados de impostos, directos e indirectos, é de perguntar a que propósito é que o novo Primeiro-Ministro confraterniza com quem compactuou (ou até mesmo mais) com tal "meio artificial e abusivo" de escapar ao fisco. Importa mais "ir à bola" e aparecer a comentar o jogo da "selecção das quinas"? Fica assim a (sustentada) percepção de que, afinal, este é mais do mesmo.

Euro-2024: Allez la Belgique!

jpt, 15.06.24

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Característica histórica fundamental do pensamento "ocidental" (termo que sempre uso na sua extensão geográfica a la Wallerstein) é a sua constante e radical autocrítica. Por isso mesmo sempre incompleta, reformulada, verdadeiramente intensificada. Nisso também incluindo a (auto)devastação política das múltiplas formulações que vêm sendo sistematizadas. Poderia dizer que fundamentar esta afirmação não cabe num postal de blog. Mas ainda que sendo isso verdade, é mais honesto reconhecer que para tal fundamentação se exige muito mais do que o meu saber. O qual, mesmo que parco, é ainda assim suficiente para reconhecer a legitimidade da asserção.
 
Este preâmbulo serve apenas de peanha para dizer o meu desprezo por este aparente criticismo actual, superficial e folclórico, dito "woke". Ou, se em versão académica, mascarado de "decolonial", mesmo "póscolonial". É um corpo textual que parece socialmente relevante a quem se deixe enredar em algumas "bolhas", segmentos digitais animados pela esquerda "mansa" sita na comunicação social, em nichos académicos das humanidades, e suas associadas movimentações "artísticas", nas ong's subsidiadas pelos... Estados. E refractado em pequenos partidos de extracção comunista, ditos "pós-marxistas".
 
Nesses núcleos profissionais depauperados esta via "contestatária" vai parecendo que "paga bem" aos seus "activistas", o que é uma verdadeira alienação (sim, a la Marx) desses agentes. Pois tem recompensas estatutárias (algum reconhecimento entre as moles de "activistas"; afectos alheios ditos "respeito"; reconforto identitário; e, até, "seguidores" internéticos...). E concede (pequenos) privilégios económicos (a selecção para alguns, poucos, empregos; subsídios laborais avulsos; e coisas mais comezinhas, como viagens profissionais avessas à temida rotina quotidiana, financiamentos a ou aceitação de modestas publicações, para exemplos mais frequentes).
 
Estes locutores têm tópicos, que são mais do que agenda ou mesmo jargão, são verdadeiros símbolos que se sonham signos. Os quais servem para afirmar a adesão a uma "omnicausa", pois brandindo um desses tópicos se apela à dedução alheia da partilha de tantas outras causas, à pertença a uma "mundividência" "activista", coisa a qual se diz "interseccionalidade". Um, muito propalado, é a aversão ao género linguístico, um "importante" debate que ocorre: são os meneares dos "X"s ou "@"s ou, até pior, lembro aquilo da "a etnógrafa", "a antropóloga", que há dias repetia em conferência um respeitado professor, proclamando assim a opção pelo "universal feminino" - e eu, em surdina, deprimindo-me enquanto resmungava sucessivas imprecações num também "devia era ter estudado economia ou direito...". E isto, já agora, antes de, e depois de tantas diarreias sanguinolentas a norte do Zambeze, ouvir ali loas às virtudes da "matrilinearidade", qual avatar do matriarcado, entenda-se.
 
Outro tópico é o da vantagem cognitiva (e assim ética) da homossexualidade: "sou feminista... e assumo que gosto muito de levar no cu", escrevia há anos um intelectual socratista. Mas quando eu me deixo rodear dos seus (semi)admiradores, ou quejandos "activistas", e proclamo o meu feminismo (pela igualdade de direitos, equidade de oportunidades - e esta permite, liberalismo à parte, a existência de políticas indutivas), associando-o às minhas (até saudosistas) apetências sexuais, logo os "póscoloniais" se incomodam, até ao "por favor, cala-te...!", em esgares atrapalhados, quando chego às hipérboles da lascívia pós-cunnilingus. Pois para isso, para enfrentar o desprezo sarcástico, já não lhes chega a "interseccionalidade"...
 
Outro tópico constante é a afirmação do omnipresente e frenético racismo, claro que branco, pois comumente associado à (ontológica) inexistência de outros racismos. - "Portugal é um apartheid", clamava no jornal Público um colunista, ali colega da presidente da Junta de Freguesia dos Olivais.
 
Charneca de todo este pensamento silvestre é o carnaval anacrónico da refutação do pensamento passado, científico, filosófico, artístico, literário que seja. Tudo é dissecado em busca da malvadez e abrenunciado como factor causal de horror vivo actual. Nesse crivo nada escapa - até um autor como Mark Twain (!) é visto como necessitando de ser expurgado... O passado (se "branco", claro) é mau!
 
De toda essa tralha o que mais me irrita - e que mais considero denotativo da militante mediocridade deste "activismo" - são as críticas, queridas como letais, ao Tintin de Hergé. Sim, porque Tintin me é família, com ele cresci, lendo-lhe os álbuns em francês antes de saber ler, coleccionando desde o princípio a revista semanal, elegendo desde logo o capitão Haddock como verdadeiro alter ego. Por nele ter aprendido a reconhecer esses tantos trinados do "eu rio de me ver tão bela neste espelho". Por tudo isso tanto me irritam esses jornalistas "culturais", "críticos" de banda desenhada, lentes universitários, "activistas" múltiplos, em potlatchs de anacronismo ignorante a invectivarem Hergé, o colonialismo racista em Tintin. Incapazes de perceberem a evolução intelectual do jovem Georges Remi? Nada disso. Recusam essa via pois não lhes "dá jeito" ao perorar "activista". Pois, entre tantas coisas, se descobrem agora "devolução" ou "reparação", como poderão lembrar "As 7 Bolas de Cristal" (1943!!!!!) ou a sequela "O Templo do Sol"? Ou o tão pioneiro que até excêntrico na época "Carvão no Porão" (1956) - preferem clamar contra os "lábios" das personagens negras, os "estereótipos", choram. De facto, bem no fundo, não perdoam a Georges Remi a absoluta clarividência, a radical autocrítica do "pensamento ocidental" aposta no seu final "Tintin e os Pícaros". No qual desnudou o pérfido guevarismo, esse que habita a mente destes "críticos" de pacotilha.
 
Por isso é bom evitar essas bolhas. Da mansidão que se quer tonitruante, se diz bem-pensante. E ver o mundo, discutindo-o, fruindo-o. Nisso melhorando-o. Com pensamento, crítico e até radical se necessário. Sem folclorismos. "Interseccionais" ou similares.
 
E nisso, nesse afã pelo mundo, na sua rugosidade, muito para além das tais "bolhas" esparvoadas, saudar a magnífica saída da Selecção de futebol da Bélgica, os "Diables Rouges" neste Europeu-2024. Aparecendo à Tintin!!!!!
 
Assim sendo? Allez la Belgique!!!!

Na Feira do Livro

jpt, 14.06.24

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A culpa foi do José Navarro de Andrade. O outro dia fui a uma cena dessas literárias, o que me é raríssimo. O tipo também comparecera, coisas de amizades lá dele. Enfim, fiz o que me cabia, sem murmúrios ouvi algumas palavras (auto)laudatórias e depois uns mui sentidos versos bem mortais. No final daquilo, e também para evitar uns apparatchikos PS (daqueles mesmo..) que por lá constavam, roliços ronronantes, vim para a rua fumar, e o Navarro também avançou. A gente vê-se (via-se, melhor dizendo) era na bola, ele levava-me a ver o Sporting, e também nos jantares de sportinguistas no Império. Mas ali não falámos de futebol, descaímos para livros. E não é que o Navarro me diz - ao fim destes anos todos - que tem este "Terra Firme", pequeno livro sobre a formação dos preços dos víveres, isso que nos esmaga. Narrou o ciclo, dos produtores até aos Pingos Doces da vida...

Enfim, fui agora à Feira do Livro, tendo jurado nada comprar, dadas as estantes atafulhadas e, acima de tudo, devido à... formação dos preços dos víveres, cruéis. Mas lembrei-me do livro do Navarro, e fui comprá-lo, até por ser bem barato. Mas foi o desastre, foi o ceder do dique moral. Malditas pechinchas!, as que logo se seguiram, que do Benoliel aos monos (e que belos monos) da Relógio D'Água já disparatei. E a culpa, repito, é do Navarro.

Trigo Limpo, Farinha Amparo?

jpt, 10.06.24

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O PS clama vitória, e a sua cabecilha Marta Temida surgiu esfuziante, ombreando com o secretário-geral Santos. O PS teve mais 160 mil  votos do que nas eleições de 2019, e isso decerto que potencia a sua alegria. É certo que a abstenção baixou e por isso o PS teve menos 1,3% na sua percentagem do total de votos, mas isso em nada lhe atrapalha a alegria. O PS perdeu um deputado, o que não lhe amansa o entusiástico sorriso e o vigoroso esbracejar de punho erguido. Os outros partidos de "esquerda" perderam 3 deputados e, ainda assim, o PS ... perdeu o tal deputado, mas a "Super-Marta" surge entusiástica entre os seus a comemorar a vitória. Enfim, o PS teve uma bela vitória, sorri a "Super-Marta". Trigo Limpo, Farinha Amparo?!

A Camarada Catarina Martins foi eleita, clama pela paz, entoa Palestina Livre - que é a guerra que ocorre na Europa -, a seu lado a Coordenadora Mortágua secunda-a (sem repetir que a Rússia tem direito a defender o seu "espaço vital", a hitleriana ideia que ecoou no início da "operação militar especial" na Ucrânia). A assistente turba de "activistas" delira. São pela "paz"... Trigo Limpo, Farinha Amparo?

O Camarada Oliveira também foi eleito. Está bem-disposto no seu discurso (é mais um comunista "boa pessoa") e também se lembra de clamar pela "paz". Urge, não conclui, que a Ucrânia se renda para que haja paz na Europa. Neste caso é mesmo Trigo Limpo, Farinha Amparo, sem interrogações.

O "nosso embaixador" (e cônsul em Goa, já agora, para quem se tenha esquecido...) Tânger também foi eleito. Parece que não falou - ou terei sido eu que não o ouvi? Uma pena, assim nada pode dizer em abono da Rússia. Nem contra os judeus, uns mariolas dados às conspirações... Mas, vá lá, o Almeida Leite não foi eleito, ao menos isso, que isto de termos um ex-Secretário de Estado da Cooperação (e depois tendo sido o tipo dos financiamentos à Ajuda Pública do Desenvolvimento) plantado no CHEGA é mesmo sinal do triste estado a que isto chegou, e desde há muito. É mesmo caso para dizer Joio Sujo, Farinha Amparo...

Já votei

jpt, 09.06.24

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Fui votar de manhã (e votei bem). Como desta vez se pode fazê-lo em qualquer lugar, em vez de ir até às traseiras de casa, como sempre, fui até ali à frente, à Biblioteca dos Olivais. Foi forma de matar saudades pois a Biblioteca está fechada há mais de três anos (há quem afiance que há já 4...), devido a umas obras superficiais que a Junta de Freguesia tem descurado de modo escandaloso (dizem-me que até foram financiadas duas vezes mas não posso afiançar). O que é engraçado é que indo à página da Junta vê-se como Rute Lima (a presidente em part-time) e seus correligionários PS anunciam os trabalhos sobre um novo jardim que vão instalar em homenagem ao Zé Pedro. Mas nada sobre a reabertura da biblioteca. O que muito me faz lembrar aquilo dos "coronéis" brasileiros do Jorge Amado, que se limitavam a ajardinar para legitimar as malandrices....

Enfim, é o PS nos Olivais, em Lisboa. E Portugal. A "esquerda", dizem, avessa ao "obscurantismo", gabavam-se. E nós, que não gostamos de duplos financiamentos para obras públicas e até vamos às bibliotecas, somos ... "neoliberais", "reaccionários". De "direita"....

Xutos em Maputo

jpt, 08.06.24

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Isto de quando um homem veio para velho sucedem-lhe as memórias, em até frenéticas associações de ideias. E, felizmente, vêm elas em molde selectivo (entenda-se: autocensório), elegendo assim as risonhas e deixando as bisonhas no limbo amnésico. Explico o caso desta manhã:
 
Fui agora ao grupo-FB "Portugueses em Maputo", a publicitar o meu "Torna-Viagem" (que só se pode comprar através desta ligação colocada no título ), na (vã) esperança que algum desses patrícios (e não só...) se possa interessar. E nesse grupo vejo que neste fim-de-semana os Xutos actuarão na cidade... Logo me lembro da estreia deles por lá, há um quarto de século.
 
Uns meses antes haviam aparecido por lá uns funcionários em ambições de organizarem um grande espavento "lusófono", como então se dizia, com "impacto popular", tipo "encher um campo de futebol". E para tal queriam levar a Daniela Mercury, cantora então muito em voga - e que seria uma contratação caríssima, presumi. Ripostei-lhes - depois de em surdina suspirar um ateu "ai, meu Deus!" - que se o objectivo era encher um campo da bola seria melhor levarem o Roberto Carlos! Eles voltaram à pátria (a antiga Metrópole, entenda-se). E passados uns dias o meu amigo António Miguel - que eles haviam contactado para operacionalizar a "coisa" - telefona-me, meio (ou mesmo todo) espantado, "ouve lá, então tu queres levar o Roberto Carlos a Moçambique?, é que me pediram para tratar do assunto!!!". Eu ia caindo da cadeira abaixo, com a gargalhada azeda. Pois esquecera-me que, já naquela época da alvorada da internet, diante de alguns tipos de gente era preciso afixar um emoji quando se ironizava (ou sarcasmava, como fora o caso)...
 
Enfim, passados os tais meses lá aportou a comitiva musical em busca das enchentes. Mas numa selecção menos histriónica, e bem mais plural. Alheio à cena acabei por me associar aos convívios. Por intermédio da querida amiga Isabel Ramos, e conjuntamente com ela, pude oferecer à extensa comitiva musical uma excelente massada de peixe, confeccionada in loco no (velho) Mercado do Peixe pelo cantor Vitorino. Dia agradabilíssimo, durante o qual eu e a minha mulher pudemos conhecer Sérgio Godinho, ali o único verdadeiramente curioso sobre a cena musical (e artística, e literária) do país.
 
Uns dias depois foi o concerto dos Xutos, na velha FACIM. Arregaçaram imenso, como então o faziam. Tanto que às tantas abandonei a pose "sô doutor" e fui lá para a primeira fila, esbracejando Xs, nisso ombreando com o patrício Hernâni, sempre soberbo no seu visual "heavy". No final subi ao camarim e logo fui interrogado pelo Kalu - que não se lembrava de mim mas que eu conhecera anos antes, pois havíamos estado os dois a servir shots de tequila num casamento de amigos comuns - "ouve lá, estes gajos não gostam de rock?", pois a reacção do público não havia sido tão entusiástica como aquela a que estavam habituados (e mereciam, afianço). "Gostam, mas não reagem da mesma maneira...", antropologizei eu em síntese, fugindo a elaborar sobre as formas diferentes de absorção musical. (E sobre os limites da comunicação "lusófona", musical e não só, que isso seria outro assunto, nada adequado àquela noite).
 
E depois seguimos todos para a casa da Nice - a sempre princesa de Pemba - para uma festarola divertidíssima, até às tantas. Eu ficando a bebericar com o Zé Pedro ("sou dos Olivais, pá!", havia-lhe dito), um tipo do caraças, de uma gentileza rockeira única. Única mesmo.
 
Enfim, se estivesse em Maputo hoje iria ao Centro Hípico ver os Xutos. Até porque no início dos 80s os vi quando tiveram os Minas e Armadilhas na primeira parte. E, depois, entre tantas outras vezes, no célebre "ao vivo no Rock Rendez-Vous", no 31 de Julho para que cantássemos em coro, já adequadamente "É amanhã dia 1 de Agosto / E tudo em mim é um fogo posto / sacola às costas cantante na mão..." E foi um longo 1º de Agosto, o fogo posto esteve ateado muito tempo. A ver se reatará..., ainda que duvide disso.
 
 

1º de Agosto - Xutos e Pontapés

Censurado no Facebook

jpt, 06.06.24

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Abri a minha conta no FB em 2009. Quem vem passando por aqui sabe o feixe de coisas que vou publicando: a maioria são ou ligações a textos de blog ou transcrições dos postais que lá coloco. E também saberá o teor dos conteúdos e o tipo de reacções que convocam: enceno comezainas, ululo futeboladas, narro coisas do dia-a-dia, e nisso colho umas dezenas de simpáticos acenos ("likes") e umas palmadas nas costas (comentários). Teço loas à família ou dela gemo saudades e aumenta a simpatia alheia. Boto umas coisas "culturais" e reduz a atenção alheia, num evidente "lá está este a armar-se...". Se avanço para a politiquice logo se impõe a indiferença alheia, que para isso o pessoal já tem os comentadeiros televisivos e aqui (FB) é para se descansar daquilo tudo. E se deixo apenas a ligação para um postal de blog ainda menos reacções tenho e menos leitores lá surgem (os blogs têm contadores, e identificam a origem dos visitantes....), pois a gente é renitente em evadir-se do lesto "scroll down" e a aventurar-se a outros "sites". Enfim, este ambiente permite-me perceber que esta rede não é um conjunto de "amigos" mas sim uma "vizinhança", deste tipo de interesses solidários feita.
 
Neste rame-rame que me lembre em 15 anos nunca tive uma publicação apagada pelo sistema-FB. Anteontem deixei aqui a ligação a um postal de blog, no qual abordava criticamente a actual presidência da república. Como é normal nestas minhas ligações teve poucas reacções/leitores (2/3 "gostos", 3 comentários, que me lembre).
 
Hoje de manhã, andava eu feito turista em Lisboa - tendo visto pela primeira vez esta estátua de António Vieira, que tanta e já esquecida polémica causara - e sentei-me a patuscar um brunch. E no telefone vi uma notificação do sistema-FB. Era ali avisado da minha estreia como censurado, pois a publicação sobre o nosso PR fora considerada como "violadora das regras da comunidade" e por isso apagada. A publicação era apenas a ligação para o postal "Marcelo: o estado a que isto chegou", que está nos blogs Delito De Opinião e Nenhures. Não tem o texto qualquer insulto ou calúnia, expressa apenas uma visão negativa do exercício presidencial.
 
Eu não acredito em teorias conspiratórias. E muito menos na existência de um "grande irmão" belenense, à cata de textos avessos para os apagar. Do que percebo do sistema-FB é que o erradicar daquela publicação (repito, a mera ligação para um texto curial de blog) se deveu a alguém que por aqui passou o tenha denunciado ao FB como aleivosia.
 
Enfim, um qualquer pobre diabo. E, ainda que ateu total, sirvo-me deste Vieira de crucifixo em punho para o esconjurar.

Já é Junho

jpt, 06.06.24

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É sexta-feira, já este longo fim de tarde de Junho, subo do Camões ao Príncipe Real, rumo a casa de amigo. Na aproximação ao célebre "Sinal Vermelho" uma beldade chama-me num "Zé!" sonoro, eu semicerro os olhos e pergunto-lhe - ela entre o seu grupo comensal, ali ainda esperando mesa - "nós conhecemo-nos?", responde-me sorridente "sim, andei ao teu colo!", "e gostaste?" digo-lhe, marialva, "muito", afiança. E beijamo-nos efusivos, nas liberdades que o nosso elo avuncular permite. Diz-me estar eu com bom aspecto, sorrio-lhe anuindo, e dispara, até sondando, "parece que estiveste com o amor da tua vida...!" Rio-me e riposto, "náda!" (isso já não, claro) "estou com amor pela vida", coisa bem diferente, escassa também, pelo menos se tanta que afivelada na carantonha, como ali aparece evidente.

E a ela me explico: chegámos a este Junho, e como sempre começam a aportar a Lisboa os amigos feitos em Moçambique, alguns de lá, outros ainda por lá, outros já alhures. Reencontros calorosos, memórias e novidades saudosas nada saudosistas. E estou ali a concluir um dia peculiar, inesperado reencontro, sequencial, com três queridíssimas amigas, a uma não via há 28 anos (!), a outra há 2, e uma outra que, vá lá, vou reencontrando semestralmente. Com as quais percorri um pouco da Lisboa antiga, turista em casa própria... E estou ali, neste rumo (repito) a um uísquezito em casa de velho amigo, de "alma cheia" como se diz. E se o bornal espiritual está assim atafulhado o outro carrega estas ofertas deliciosas, mel (caseiro) de Trondheim, castanha de cajú de Inhambane...

Dias passados, mais sossegado, rotineiro nesta minha nova faceta de vendilhão, ocorre-me (até porque há já um mês - fui confirmar - que não falo do assunto) que, nesta época, aos amigos acorridos a visitarem o rincão devo insistir em impingir o meu "Torna-Viagem" (o qual se pode encomendar através desta ligação colocada no título), pois por cá poderão recebê-lo com muito menos preocupações e gastos postais.

 

(Agradeço à equipa da SAPO o destaque dado a este postal).

Marcelo: o estado a que isto chegou

jpt, 04.06.24

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(Este postal ficou mais de um mês resguardado em "rascunho" para o apartar de qualquer associação, implícita que fosse, à execrável acusação a Marcelo Rebelo de Sousa de "traição à pátria", levantada pelo partido CHEGA)

"Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos" (Capitão Salgueiro Maia, no discurso mobilizador às suas tropas na partida para a revolução de 25 de Abril de 1974)

Nestes anos da sua presidência tem sido reduzida a crítica a Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), algo notório face às constantes invectivas aos outros agentes políticos, tantas vezes abrasivas. Mesmo quando se debatem algumas das suas decisões - as recentes dissoluções da assembleia ou posições avulsas sobre medidas legislativas, para exemplos maiores -, isso advém da elite política e surge sempre num cuidadoso registo plácido, denotando a quase intocabilidade de MRS. A qual muito ultrapassa o tradicional respeito pelo estatuto simbólico da presidência, o que é visível se comparando com o crivo crítico que recaía sobre todos os seus antecessores presidenciais. E diante da sua frenética actuação, esse corropio flanante e palavroso sobre o país, reina a "distracção" pública, restam apenas alguns dichotes, quantos deles em registo complacente... Até nos casos, recorrentes, que denotam alguma sua descompensação, a qual é apenas referida em surdina e/ou em tom de jocosa simpatia - como, para exemplos, os seus comentários a um decote ou, ainda pior, o já recuado, e absurdo, episódio durante a vigência da "distância social" no COVID, quando se deixou partilhar bocados de bolos com as crianças circundantes (compare-se a acrimónia com que, décadas passadas, tantos ainda referem o episódio em que Cavaco Silva comeu atabalhoadamente uma fatia de bolo-rei com o silêncio amnésico sobre este gritante disparate político comensal). Em suma, MRS tem "boa imprensa" e grande popularidade, esta constantemente visível.

O relevante é entender como pôde um homem com as suas características pessoais e o seu percurso político assumir tamanha relevância e captar tanto apreço, este que o vem blindando às críticas. Ou seja, como as representações e os anseios que a população tem sobre política e políticos coincidiram, casaram até, com a arquitectura que Rebelo de Sousa fez de si mesmo. Dito de outro modo, "Marcelo" reflecte "o estado a que isto chegou", o presente do regime.

 

 

O plenipotenciário Mourinho

jpt, 02.06.24

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É certo que o trabalho diplomático tende a ser discreto. Mas é de sublinhar o relevante feito da diplomacia portuguesa, agora comandada pelo ministro Rangel. Pois há poucos dias o deputado Ventura, líder do importante partido CHEGA, vituperara os turcos de incompetentes preguiçosos, assim maculando a nossa imagem entre aquele povo e nisso atentando contra (traindo até) os interesses nacionais na sua interacção com aquele nosso poderoso aliado. Mas hoje mesmo o desagradável incidente - para não lhe chamar pior - foi ultrapassado, devido ao extraordinário sucesso tido pelo enviado especial português a Istambul, o plenipotenciário Mourinho.