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Delito de Opinião

Sim, Senhor Ministro (11)

Pedro Correia, 05.03.16

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Ministro dos Assuntos Administrativos, Jim Hacker - Em dez anos, o pessoal administrativo na saúde aumentou em 40 mil pessoas enquanto passou a haver menos 60 mil camas nos hospitais. O custo anual do Serviço Nacional de Saúde aumentou 1,5 mil milhões de libras!

Sir Humphrey Appleby - Ah, se a indústria inglesa conseguisse crescer assim...

Ministro - Acha que gastar cada vez mais dinheiro em cada vez menos doentes para contratarmos cada vez mais funcionários é uma boa maneira de gastarmos o dinheiro dos contribuintes?

Sir Humphrey - Certamente.

Ministro - O orçamento da saúde existe para tratar os doentes.

Sir Humphrey - Não, de maneira nenhuma! O orçamento serve para toda a gente exibir sensibilidade social. Quando é atribuída mais verba aos serviços sociais ou à saúde, o parlamento e o país sentem-se limpos, purificados, absolvidos. É um sacrifício.

Ministro - Conversa fiada.

Sir Humphrey - Quando se faz um sacrifício, ninguém pergunta ao sacerdote o que aconteceu à oferenda ritual depois da cerimónia.

Ministro - Engana-se. As pessoas preocupam-se se a verba for mal gasta.

Sir Humphrey - Senhor ministro, elas só querem que a verba não pareça mal gasta.

Ministro - Isso é cinismo! Concorda ou não que é um desperdício haver um hospital aberto só para lá ter funcionários, como acontece no hospital St. Edward?

Sir Humphrey - Eu não poria a questão nesses termos...

Ministro - Então como a poria?

Sir Humphrey - O senhor ministro fala como se não houvesse mais nada para fazer num hospital.

Ministro - Que mais se faz neste hospital sem doentes?!

Sir Humphrey - Em St. Edward há secções ocupadíssimas. Por exemplo, a secção de Planeamento de Emergências - em caso de incêndios, guerras, ataques aéreos, bombardeamentos nucleares, epidemias, envenenamento de alimentos ou águas: numa crise dessas o hospital é vital para a sobrevivência. Depois há a Secção de Dados e Investigação, que organiza estudos demográficos de toda a zona: temos de prever as futuras exigências de maternidade, geriatria, pediatria... Há também as Finanças, com previsão de contas, balancetes... E a Secção de Compras, para aquisição de equipamento médico e avaliação de catálogos...

Ministro - O que é que compram?

Sir Humphrey - Compram tudo, senhor ministro. Desde encefalógrafos a detergentes. Posso continuar?

Ministro - Seja breve.

Sir Humphrey - Quem me dera, mas o senhor precisa de perceber. Há a Secção Técnica, para o equipamento. Há a Secção de Construções. Há as secções de Manutenção, Limpeza, Abastecimentos, Pessoal... E há funcionários da Assistência, para olharem pelos outros 500 funcionários do hospital. E, finalmente, há os serviços administrativos.

Ministro - ?!!

Sir Humphrey - É um trabalho importante, senhor ministro: asseguram a dactilografia, escalas de armazém, a ligação entre os diversos departamentos...

Ministro - Não consigo perceber se você está a falar a sério ou não...

Sir Humphrey - Como assim?

Ministro - Não há doentes! É para isso que um hospital existe. Pacientes. Gente doente. Curar os enfermos.

Sir Humphrey - Todas as funções vitais de que lhe falei têm de ser asseguradas. Com ou sem doentes.

Ministro - Porquê?!

Sir Humphrey - O senhor acabava com o Exército só por não haver guerra?

Ministro - Isso é completamente diferente. Um hospital tem de produzir resultados.

Sir Humphrey - Não avaliamos o êxito pelos resultados, mas pela actividade. E a actividade ali é considerável. Aqueles 500 funcionários hospitalares estão sobrecarregados de trabalho, senhor ministro. Aliás o quadro completo do hospital devia ser de 650 e não apenas de 500.

Sim, Senhor Ministro (10)

Pedro Correia, 04.03.16

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Sir Humphrey Appleby - Bernard, o país é governado a partir das decisões que apresentamos aos ministros, não é?

Bernard Woolley - Claro que sim.

Sir Humphrey - Repare: se eles estivessem ao corrente dos factos, encontrariam neles inúmeras possibilidades e talvez até começassem a traçar planos próprios em vez de escolherem entre os dois ou três que nós elaboramos.

Bernard - Isso teria importância?

Sir Humphrey - Sim. Enquanto pudermos ser nós a elaborar as propostas, podemos orientá-los na direcção correcta.

Bernard - Podemos? Como?

Conselheiro amigo de Humphrey - É como um ilusionista. O truque das três cartas. Você sabe como é: dizemos para escolher uma e conseguimos que acabe por escolher aquela que nós queremos. O nosso truque é o das quatro palavras.

Sir Humphrey - Há quatro palavras sempre prontas a incluir numa proposta que o ministro acabará por aceitar.

Conselheiro - Rápido, simples, popular, barato. E há quatro outras palavras que levam qualquer proposta a ser rejeitada...

Sir Humphrey - ... Complicado, moroso, caro, controverso. E, para termos a certeza de que ele não aceita mesmo, devemos dizer que a decisão é corajosa.

Bernard - É pior ser corajosa do que ser controversa?

Sir Humphrey - "Controversa" significa apenas que o fará perder votos.

Conselheiro - Se eles estiverem a par de todos os factos em vez de estarem apenas ao corrente de algumas opções, são capazes de começar a pensar pela própria cabeça.

Bernard - E este sistema funciona?

Sir Humphrey - Claro que sim! Fez da Inglaterra o que é hoje.

Sim, Senhor Ministro (9)

Pedro Correia, 03.03.16

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Roy, motorista do ministro  dos Assuntos Administrativos, Jim Hacker - [Durante o trajecto para o ministério] O senhor ministro teve sorte por não lhe terem perguntado nada no Parlamento sobre o hospital de St. Edwards.

Ministro - Porquê?

Roy - Acabaram de construí-lo já há 15 meses e ainda não tem doentes.

Ministro - Suponho que não haverá dinheiro para pessoal.

Roy - Mas tem pessoal. São 500 funcionários administrativos. Só não tem doentes.

Ministro - Quem lhe disse isso?

Roy - O meu amigo Charlie. É motorista do secretário de Estado da Saúde.

(...)

Bernard Woolley, secretário particular do ministro - [No gabinete] Senhor ministro, pediu-me para informá-lo sobre o pretenso hospital que se encontra vago no norte de Londres...

Ministro - Sim.

Bernard - Como eu já lhe tinha dito, a rede informativa dos motoristas não é muito de confiança. O Roy percebeu mal.

Ministro - Ainda bem. Como soube?

Bernard - Através da rede informativa dos secretários particulares. Afinal o número de funcionários administrativos do hospital é apenas de 342 pessoas. As outras 170 são maqueiros, pessoal da lavandaria e pessoal da limpeza.

Ministro - E médicos?

Bernard - Não há.

Ministro - Nenhum?

Bernard - Nenhum. O hospital está pronto a estrear desde que foi acabado, há 15 meses, e o quadro administrativo foi todo preeenchido, mas entretanto houve restrições orçamentais e ficou sem dinheiro para contratar médicos.

Ministro - Um hospital novo, com 500 funcionários e sem médicos nem doentes!

Bernard - Por acaso tem um doente.

Ministro - Um?!

Bernard - Sim. O subdirector caiu de um andaime e partiu uma perna.

Ministro - Felizmente não me perguntaram nada sobre isso no Parlamento...

Bernard - O hospital tem vindo a ser disfarçado, para parecer que continua em obras. Ainda ninguém percebeu que já está pronto a funcionar. Tem por lá andaimes, carros das obras... o costume.

Ministro - O costume?! Acho melhor eu ir ver isso antes que a oposição descubra.

Bernard - É espantoso que a imprensa ainda não tenha descoberto.

Ministro - Felizmente, Bernard, a maioria dos jornalistas é tão incompetente que até tem dificuldade em descobrir que hoje é quarta-feira.

Bernard - Por acaso hoje é quinta-feira, senhor ministro.

Sim, Senhor Ministro (7)

Pedro Correia, 01.03.16

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Sir Humphrey Appleby - Bernard, o ministro ainda não veio?

Bernard Woolley - Não. Está em reunião, no gabinete.

Sir Humphrey - Que reunião é essa?

Bernard - Nada de especial.

Sir Humphrey - Estou a ver... E que reunião foi aquela de ontem?

Bernard - O ministro esteve a rever as respostas que dará às perguntas que lhe chegam do Parlamento.

Sir Humphrey - Mas nessa reunião estiveram secretários-adjuntos e outros subalternos.

Bernard - Só aqueles que lhe fornecem informações.

Sir Humphrey - Bernard, isso tem que acabar já!

Bernard - Porquê?

Sir Humphrey - Acha que o ministro deve começar a dirigir o ministério?!

Bernard - Sim. Por acaso nessa matéria as coisas até estão a correr bastante bem.

Sir Humphrey - Não, Bernard. Quando um ministro começa a dirigir o ministério as coisas não correm nada bem. Pelo contrário, começam a correr mal.

Bernard - Mas não cabe ao ministro dirigir o ministério?

Sir Humphrey - Não. Essa é a nossa função. Ou melhor: é a minha função após 25 anos de experiência na administração pública. Já imaginou o que aconteceria aqui se deixássemos de ser nós a dirigir o ministério?

Bernard - Não. O que é que aconteceria?

Sir Humphrey - Para começar, instalava-se o caos. Depois acontecia algo muito mais grave: haveria inovações, mudanças, discussão pública.

Bernard - Mas o que deve ele fazer então?

Sir Humphrey - Bernard, um ministro tem três funções. Primeira: tornar os nossos actos plausíveis aos olhos do público e do Parlamento - ele é o homem encarregado das relações públicas. Segunda: é o nosso homem no Parlamento, encarregado de fazer passar a nossa legislação. Terceiro: é o nosso ganha-pão - tem de bater-se no Governo pelo dinheiro necessário para fazermos frente às despesas que temos no ministério. O que ele não tem é de reunir-se com secretários-adjuntos!

Bernard - Mas se ele tem tempo disponível...

Sir Humphrey - Se tem, não devia. A culpa é sua: você tem de conseguir que ele não disponha de tempo. Preencha-lhe a agenda: ele devia fazer discursos, fazer visitas, viajar ao estrangeiro, enfrentar crises, emergências, momentos de pânico. Você permite que ele disponha de tempo livre!

Bernard - Ele é que consegue...

Sir Humphrey - Insista em preencher-lhe a agenda.

Bernard - Ele não me deixa.

Sir Humphrey - Não lhe pergunte: faça! Obrigue-o a passar mais tempo num local onde não possa estorvar-nos.

Bernard - Mas onde?

Sir Humphrey - Na Câmara dos Comuns, por exemplo.

Sim, Senhor Ministro (6)

Pedro Correia, 29.02.16

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Ministro dos Assuntos Administrativos, Jim Hacker - Dá-me uma resposta directa a uma pergunta directa?

Sir Humphrey Appleby - Com todo o prazer, desde que não me peça que caia em generalizações grosseiras e simplificações excessivas, como sim ou não..

Ministro - Isso é um sim?

Sir Humphrey - ... Sim.

Ministro - Cá vai então a pergunta directa.

Sir Humphrey - Pensei que já a tinha feito.

Ministro - Vai apoiar ou não a minha tese de que existem funcionários públicos em excesso?

Sir Humphrey - Se me pede uma resposta directa direi que, tanto quanto é possível verificar, respondendo por ordem, e tomando a média dos departamentos, talvez, em última análise, seja provavelmente verdade dizer que, em termos gerais, se descobriria, sem forçar, que provavelmente nenhum dos aspectos em consideração tem peso excessivo. Tanto quanto se pode presumir, nesta fase.

Sim, Senhor Ministro (5)

Pedro Correia, 28.02.16

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Sir Humphrey Appleby - Bernard, você sabe muito bem que tem de haver uma forma de medir o êxito da administração pública. A British Leyland mede o êxito pela dimensão dos lucros ou, melhor dizendo, mede o falhanço pela dimensão dos prejuízos. Mas nós, na função pública, não temos lucros nem prejuízos. Temos de medir o êxito pela dimensão do nosso pessoal e pelo volume do nosso orçamento. Um organismo grande tem mais êxito do que um pequeno.

Bernard Woolley - Isso quer dizer que o responsável pela Autoridade Regional do Nordeste agiu mal ao economizar tanto?

Sir Humphrey - Claro que sim. Ninguém lhe pediu para fazer isso. Já pensou se todos fizéssemos o mesmo? Se todos começássemos irresponsavelmente a poupar dinheiro público?

Bernard - Mas é isso que o ministro quer...

Sir Humphrey - Os ministros vêm e vão. Duram em média menos de onze meses em funções. O nosso dever é ajudar o ministro  bater-se por mais dinheiro para o ministério, por maior que seja a reacção de pânico que isso lhe provoque.

Bernard - E não o ajudamos a superar o pânico?

Sir Humphrey - Não, não. Ele que fique em pânico. Os políticos apreciam isso, o pânico fá-los sentir activos. Serve-lhes como sucedâneo das concretizações. Só temos de nos certificar de que isso não altera nada.

Bernard - Mas são representantes do povo, democraticamente escolhidos...

Sir Humphrey - Os deputados são escolhidos pelas secções locais dos partidos: 35 homens de gabardina ou 35 mulheres com chapéus ridiculos.

Bernard - Mas o Governo é escolhido de entre os melhores deles...

Sir Humphrey - Bernard, só há 630 deputados. Basta um pouco mais de trezentos para formar governo. Desses trezentos, cem são demasiado velhos e demasiado tontos. Outros cem são demasiado jovens. Sobram cem deputados para preencher cem postos governamentais. Não há escolha. Não houve selecção nem preparação. Temos de ser nós, na administração pública, a fazer o trabalho deles.

Sim, Senhor Ministro (4)

Pedro Correia, 27.02.16

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Ministro dos Assuntos Administrativos, Jim Hacker - Quando é que trato desta correspondência toda?

Bernard Woolley, secretário particular do ministro - Não é obrigado a isso.

Ministro - Não sou?

Bernard - Se não quiser, não. Podemos elaborar uma resposta oficial.

Ministro - E essa resposta diz o quê?

Bernard - Diz: "O ministro pediu-nos para agradecer a sua carta." E acrescentamos: "O assunto está a ser considerado." Ou, em alternativa, especificamos que "o assunto está a ser seriamente considerado."

Ministro - Qual é a diferença?

Bernard - "A ser considerado" significa que perdemos o dossiê. "A ser seriamente considerado" significa que andamos à procura dele... Basta passar as cartas do cesto de Entrada para o de Saída, acrescentando uma nota se quiser ver a resposta. Se não quiser, não voltará a ser maçado com este assunto.

Ministro - Quer dizer que se eu as transferir daqui para ali, mesmo sem ler, não preciso de fazer mais nada?

Bernard - Sim.

Ministro - E tratam disso?

Bernard - Precisamente.

Ministro - Tratam de tudo como deve ser?

Bernard - Imaculadamente.

Ministro - Então para que serve aqui um ministro?

Bernard - [Muito hesitante] ... Para tomar decisões políticas. Decide e nós executamos.

Ministro - E quando é que essas decisões são necessárias?

Bernard - De vez em quando...

Ministro - [Indignado] Este Governo veio para governar! Não veio só para fazer de conta que governa, como o Governo anterior. Quando um país vai por aí abaixo chega um momento em que é preciso alguém tomar conta do volante e carregar no acelerador.

Bernard - Julgo que quer referir-se ao travão, senhor ministro.

Sim, Senhor Ministro (3)

Pedro Correia, 26.02.16

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Ministro dos Assuntos Administrativos, Jim Hacker - Este ministério tem de eliminar muita burocracia. Vamos dar aqui uma vassourada, abrir as janelas para entrar ar, pôr esta máquina obsoleta em ordem.

Sir Humphrey Appleby - Uma limpeza, quer dizer?

Ministro [sentado à secretária] - Isso mesmo. Há demasiada gente sentada à secretária

Sir Humphrey - ...

Ministro - Não me refiro a nós. Temos de correr com aqueles que só estão a fazer número!

Bernard Woolley, secretário particular do ministro - Correr com eles?

Sir Humphrey - Redistribuí-los, quer o senhor dizer.

Ministro - Sim, sim. Quero pô-los a trabalhar. Somos adeptos de um Executivo aberto: é nisto que o meu partido acredita e que serviu de base ao nosso manifesto eleitoral. Temos de abrir a política ao País. Que tal?

Sir Humphrey [segurando uma pasta com papéis] - Veja estas propostas. Esboçam a implementação dessa política e contêm a base para um Livro Branco, que a meu ver deverá chamar-se Governo Aberto.

Ministro - Então já foi tudo...

Sir Humphrey - Já foi tudo tratado.

Ministro - Quem preparou tudo isto?

Sir Humphrey - A máquina burocrática obsoleta.

Sim, Senhor Ministro (2)

Pedro Correia, 25.02.16

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Ministro dos Assuntos Administrativos, Jim Hacker [recém-chegado ao ministério] - Quem há mais no nosso departamento?

Sir Humphrey Appleby - Eu sou o subsecretário de Estado permanente, o [Bernard] Woolley é o seu secretário particular principal. Eu tenho um secretário particular principal, que é secretário particular do secretário permanente. Hé dez secretários delegados responsáveis perante mim, e 87 secretários e 219 secretários adjuntos que respondem perante os secretários particulares principais. O primeiro-ministro vai nomear dois subsecretários parlamentares e o senhor nomeará o seu secretário particular parlamentar.

Ministro - E sabem todos escrever à máquina?

Sir Humphrey - Nenhum de nós sabe. Quem faz isso é Mrs. McKay. É a secretária.

Sim, Senhor Ministro (1)

Pedro Correia, 24.02.16

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Sir Humphrey Appleby - Bruxelas vai introduzir um bilhete de identidade europeu, para uso de todos os cidadãos da CEE. O Ministério dos Negócios Estrangeiros vai aceitar para poder negociar a montanha de manteiga, o lago de vinho, o oceano de leite, a guerra do carneiro e o cheirete a bacalhau. O primeiro-ministro, como é lógico, quer que seja o senhor a apresentar [aos ingleses] a nova legislação.

Ministro dos Assuntos Administrativos, Jim Hacker - Eu?!

Sir Humphrey - Sim. O senhor é conhecido como pró-europeu e, a longo prazo, esta legislação poderá ser benéfica para a nossa administração.

Ministro - Boa ideia, não acham?

Frank Weisel, conselheiro político - Boa ideia?!!

Ministro - Boa ideia?!!

Sir Humphrey - Não é boa ideia?

Frank - É um suicídio político!

Ministro - Obrigar os ingleses a usar um documento de identificação! Vão dizer que estou a introduzir um estado policial. Foi para isto que combatemos em duas guerras mundiais?!

Sir Humphrey - Vendo bem, ministro, isto é pouco mais do que uma carta de condução.

Ministro - É o último prego no meu caixão!

Frank - Porque não tratam os Negócios Estrangeiros disto?

Sir Humphrey - Foi  essa a sugestão inicial do primeiro-ministro. Mas os Estrangeiros disseram que era questão para o Interior. E o Interior disse que se tratava de um assunto administrativo e o primeiro-ministro acabou por concordar.

Frank - Andam todos a passar a batata quente!

Ministro - Não admira, se vai explodir.

Sir Humphrey - Receio que esta venha a ser a último acção deste departamento: um excelente cavalo de batalha para os eurocépticos.

Ministro - Os Estrangeiros não vêem o mal que isto vai causar ao ideal europeu?

Sir Humphrey - Claro que vêem. Por isso mesmo é que procedem desta maneira.

Ministro - Os Negócios Estrangeiros não são pró-europeus?!

Sir Humphrey - Sim e não... se me permite a expressão. São pró-europeus porque, no fundo, são anti-europeus. A nossa administração pública sempre fez tudo para que o Mercado Comum [europeu] não funcionasse. Por isso entrámos nele.

Ministro - De que é que você está a falar?!

Sir Humphrey - Senhor ministro, há pelo menos 500 anos que a Inglaterra tem a mesma política no plano internacional: criar uma Europa desunida. Por isso nos aliámos aos holandeses contra os espanhóis, aos alemães contra os franceses, aos franceses contra os alemães e os italianos. Dividir para reinar. Porque haveríamos de alterá-la agora se tem resultado tão bem?

Ministro - Isso é história antiga!

Sir Humphrey - Isto é gestão corrente. Para destruir tudo tínhamos que entrar para lá. Tentámos destruir de fora, mas não resultou. Agora que estamos dentro podemos transformar aquilo numa bagunça. Pôr alemães contra franceses, franceses contra italianos, italianos contra holandeses. Os Negócios Estrangeiros estão satisfeitíssimos. É como nos velhos tempos.

Ministro - Mas estamos empenhados no ideal europeu...

Sir Humphrey - [Ri-se]

Ministro - Então porque é que apoiamos a entrada de novos Estados-membros?

Sir Humphrey - Pela mesma razão. É como na ONU. Quantos mais países tiver, mais zaragatas haverá, mais inútil se torna.

Ministro - Que cinismo terrível!

Sir Humphrey - Nós chamamos-lhe diplomacia, senhor ministro.