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Delito de Opinião

Dois governos que venceram eleições

Pedro Correia, 15.06.11

Stephen Harper, primeiro-ministro do Canadá desde 2006, venceu a terceira eleição legislativa à frente do Partido Conservador, a 3 de Maio, conquistando desta vez a sua primeira maioria absoluta no Parlamento. O Partido Liberal, de centro-esquerda, foi esmagado nas urnas. Claro que a economia ajuda a explicar isto: o país, que resistiu bem à crise internacional, poderá registar este ano um crescimento de 3,2%.

Recep Erdogan, primeiro-ministro turco, também superou o teste das urnas: obteve há três dias a sua terceira vitória eleitoral consecutiva, com 49,9% dos votos, sendo já o governante "com mais sucesso em toda a História da Turquia", como sublinhava o Guardian. O facto de o país ter o terceiro maior índice de crescimento económico mundial após a China e a Índia (8,9% em 2010), contribuiu certamente para este triunfo. Quando a economia se expande, as vitórias tornam-se mais fáceis.

Eis alguns factos, que atrapalham certas teorias. A primeira dessas teorias, que José Sócrates debitou até à exaustão, é que estávamos perante uma crise internacional que a todos afectou inapelavelmente - crise a que o Orçamento de Estado para 2011 daria a resposta adequada, como chegou a assegurar aos portugueses. Enquanto o ainda primeiro-ministro ia dizendo isto, com a economia portuguesa a afundar-se, outros países cresciam: Harper e Erdogan foram recompensados pelos eleitores. O que atrapalha seriamente a segunda teoria, aqui expressa por um português em inglês para justificar a derrota de Sócrates: "Tal como no resto da Europa, o partido do Governo sofreu uma considerável derrota e a oposição venceu." Que eu saiba, a Turquia não deixou de pertencer à Europa. E é tão periférica como Portugal.

 

ADENDA: a OCDE confirmou que a economia portuguesa piorou em Abril. Não há coincidências.

 

Cinco breves notas de viagem (5)

Sérgio de Almeida Correia, 11.05.11

Depois de percorrer uma longa estrada entre montanhas, vales e falésias fui dar a uma pequena baía onde durante a II Guerra Mundial se abrigavam submarinos alemães. Coberta por uma água transparente, com uma temperatura da ordem dos 23º Célsius, existe uma cidade submersa, tão silenciosa e tão calma quanto as ilhas que permanecem à superfície. Os restos de tumbas lícias multiplicam-se. Fragmentos de estátuas, ruínas de igrejas e de muralhas, vestígios do que foram casas de gente como eu. Ao longe, uma fortaleza bizantina domina a paisagem. Por uma vez mergulhei na História. Literalmente. E dei graças a Deus.

Cinco breves notas de viagem (4)

Sérgio de Almeida Correia, 10.05.11

A sua origem remonta ao século V a.C. Hoje, ali, quase só se fala russo. Os ícones fazem parte da paisagem urbana. Os que por ali andam vestem camisolas de alças desportivas com cores berrantes, usam calções do Spartak de Moscovo, bonés da Pepsi, e calçam ténis e chinelos. Há matrioskas diferentes das que se podem comprar em Moscovo ou noutra qualquer cidade russa. E mulheres. Muitas. Umas louras, altas, vistosas. De chinelos. Outras enormes, feias, mal cheirosas, falando alto e empurrando.  De chinelos. Vendem-se ímanes, doces, imagens religiosas postais. Os preços estão em dólares e em euros.

A razão para esta parafernália é simples. Estou na região de Myra-Demre, onde viveu, foi ordenado bispo e morreu um senhor chamado Nicolau. Depois S. Nicolau, na actualidade, mais prosaicamente, um tal de Pai Natal que entra pelas chaminés, oferece presentes às crianças e transformou o último mês do ano, todos os anos, numa ode ao consumismo puro e duro.

Daí a razão para tantos russos. E de tanta gente na igreja de S. Nicolau. Mas ao contrário do que se possa pensar esta gente não veio até aqui para rezar, mergulhar na história ou tomar um banho de cultura. Eles não vieram para admirar o Teatro e as suas máscaras gravadas na pedra, nem para se impressionarem com os tumbas rupestres que escavacaram a montanha e ali continuam século após século, dominando a paisagem, ou sequer para apreciarem as escadarias do teatro grego, ao lado da colina. Esta gente veio para tirar fotografias. Em todas as poses possíveis e imaginárias, subindo para cima de pedras protegidas por todas as nações civilizadas como se fossem uns meros estrados ali colocados para eles e elas se plantarem nas posições mais inacreditáveis, quais adónis, quais ninfas, enquanto os guias lhes berram e eles, boçais, riem-se. E continuam. Aqui não me voltarão a apanhar. Ainda menos em 6 de Dezembro, dia da peregrinação anual a S. Nicolau. Só de pensar no que isto será nesse dia tenho pesadelos.

Cinco breves notas de viagem (3)

Sérgio de Almeida Correia, 09.05.11

Quando se fala de salsa, da planta herbácea, não da dança, muitos dizem que aquela tem propriedades afrodisíacas, ou seja, que excita a afrodisia. Nem todos saberão que algures num tempo passado existiu uma cidade dedicada à deusa do amor e da sensualidade. A 170 km de Kusadasi, no sopé do monte Baba Dagi, nas proximidades de um rio chamado Meandros, erguia-se Aphrodisias. Da cidade culta e refinada de outrora, onde se venerava Afrodite, restam o Teatro, construído sobre a Acrópole pelos gregos no século I a.C. e depois restaurado por Marco Aurélio, as ruínas das Termas de Adriano, o “Bouleuterion”, local de reunião do conselho da cidade, as colunas jónicas do antigo Templo de Afrodite e, em especial, o fabuloso estádio, onde podiam sentar-se 30.000 espectadores e em que todos e cada um dos lugares garantia visibilidade absoluta. Os baixos relevos, os túmulos, as estátuas greco-romanas, a cabeça de Apolo, o seu estado de conservação quase perfeito, levaram a que um arqueólogo lhe chamasse a Florença greco-romana. E o caso não é para menos numa cidade cujas origens remontam à idade do bronze, isto é, a 3000 a.C. Por ali passaram gregos, romanos durante cerca de 300 anos, seljúcidas e otomanos, até ser saqueada em 1403 por Tamerlão.

Brasil: Um player à procura do seu lugar

Paulo Gorjão, 21.05.10

O acordo alcançado pelo Brasil e pela Turquia – players que não jogam no tabuleiro principal da política internacional – com o Irão tem efeitos práticos que não são ainda totalmente claros. O entendimento beneficia os três países envolvidos: o Irão ganha tempo e abre uma frente diplomática que condiciona a margem de manobra dos EUA; o Brasil e a Turquia assumem um papel diplomático que por regra lhes está vedado.

Ao longo dos últimos meses, os EUA seguiram com ambiguidade esta iniciativa diplomática. Se, por um lado, é possível que em teoria a intromissão do Brasil e da Turquia possa ajudar a resolver o puzzle iraniano, por outro, no curto-prazo, é inevitável que a mesma introduza efeitos desestabilizadores e com isso crie atrito adicional.

A iniciativa do Brasil e da Turquia é um desafio ocasional à hegemonia dos membros permanentes no Conselho de Segurança da ONU? Estamos a assistir ao inevitável ajustamento dos equilíbrios de poder no sistema internacional, com a ascensão de novas potências?

De momento é seguro afirmar que esta iniciativa constitui mais uma etapa no processo de afirmação internacional do Brasil. Isto dito, é pouco provável que estejamos a assistir à colocação da primeira pedra de uma nova ordem internacional.

 

(Artigo publicado hoje no Diário Económico.)