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Delito de Opinião

O objectivo dele era fazer o pleno (2)

Sérgio de Almeida Correia, 06.06.14

"No jogo político, ninguém está acima da crítica e os órgãos e actores políticos têm o direito de discordar das decisões tomadas.
Só que uma decisão judicial de reparação da Constituição violada e que defendeu direitos fundamentais das pessoas não é bem uma “adversidade”, mas uma “saudável reposição da legalidade constitucional”.
Acresce que o Tribunal Constitucional é um órgão de soberania, mas não é um actor político, e não participa em comícios nem faz comunicados comentando as decisões dos outros órgãos de soberania.

(...)

Tudo o que se vai seguir será o “disparar em todas as direcções”, atingindo o ponto de se dizer que os juízes do Tribunal Constitucional não foram democraticamente legitimados.
Então dez dos juízes não foram eleitos pela Assembleia da República, por uma maioria idêntica à da revisão ordinária da Constituição, que é de 2/3 dos votos, e com uma audição prévia na 1.ª comissão? Não será isso uma escolha democrática? Ou a Assembleia da República deixou de ser um órgão de excelência da democracia representativa?
O sistema de escolha dos juízes do Tribunal Constitucional não é, nem nunca foi, incontroverso, e são vários os modelos possíveis.
Agora, dizer que essas escolhas não foram democráticas é que não lembrava a ninguém." - Jorge Bacelar Gouveia, Professor Catedrático de Direito, Constitucionalista, ex-deputado do PSD, no Público, hoje

Erro de paralaxe

Sérgio de Almeida Correia, 05.06.14

A mais recente decisão do Tribunal Constitucional (TC) de declarar inconstitucionais mais três normas produzidas pelo Governo, desta vez relativas ao OE de 2014, independentemente das questões de natureza jurídica que possa suscitar, volta a chamar a atenção para um ponto que é decisivo para a compreensão da actual crise. Este ponto não se reveste de natureza jurídica, mas antes política, e é em seu torno que gira toda a disputa entre os partidos da maioria e da oposição.

Os compromissos assumidos pelo Estado português perante a troika, e em relação aos quais, de repente, todos rejeitam a paternidade – o anterior primeiro-ministro porque se queixa de ter sido empurrado para a situação pelo PEC IV; o actual Governo e seus mentores, maxime Eduardo Catroga, que se ufanavam do memorando ser um excelente documento depois das respectivas achegas e das que subsequentemente lhe foram introduzindo sem consultarem os demais partidos da oposição e indiferentes às respectivas consequências políticas, económica e sociais –, eram de há muito conhecidos.

A democracia e o Estado constitucional de direito assentam num conjunto de regras que são o garante da sua legitimidade aos olhos dos seus destinatários, bem como da comunidade internacional que não desconhece os respectivos fundamentos, acolhe-os e respeita-os.

Discutir se essas regras são boas ou se são más não é um tabu. Como também não é nem pode ser tabu a discussão da bondade das decisões judiciais, embora existam momentos e locais mais adequados para os líderes políticos o fazerem sem ser no primeiro microfone que lhes coloquem à frente, em almoços com empresários ou em declarações demagógicas aos jornais ou formuladas em programas televisivos do tipo “Prós e Contras”, enquanto procuram ganhar tempo.

Recordo que o TC e as regras que delimitam a sua actuação foram aprovadas pelos órgãos do Estado com legitimidade constitucional, política e jurídica para o fazerem, que todos os órgãos do Estado devem respeito e obediência às suas decisões e que Presidente da República e Governo juraram defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição.

Estas breves linhas vêm a propósito de uma declaração do ministro Pires de Lima, que à semelhança dos seus parceiros, e na linha daquela que tem sido a actuação do primeiro-ministro, numa atitude que tem tanto de má-fé política quanto de teimosia adolescente mesclada por uma profunda ignorância e falta de sensibilidade para as questões de natureza jurídica, matéria em que o senhor Ulrich se tem mostrado catedrático, insiste em colocar no TC, órgão que não obstante todo o esforço que os partidos fizeram para o controlarem tem sabido, graças à inteligência, competência e sensatez de todos aqueles que por lá têm passado, de se elevar acima das querelas de lana-caprina que infestam a nossa vida política, e tem sabido respeitar o seu estatuto e papel equilibrado no nosso sistema de poderes.

A frase de Pires de Lima, proferida numa conferência sobre "Internacionalização da Economia", promovida pela AICEP, e que a seguir transcrevo, contém no essencial a razão para os sucessivos chumbos de normas do Governo por parte do TC, para os problemas de que o próprio Governo se queixa e para uma actuação que, como se viu pela última decisão, introduziu mais um factor de desvirtuamento das regras: Espero francamente que todo este trabalho notável que empresas, empresários, gestores e trabalhadores estão a fazer para recuperar Portugal não venha a ser posto em causa por uma interpretação constitucional tão rígida que remeta o esforço de consolidação orçamental, que ainda temos que fazer nos próximos anos, para uma via fiscal”.

Na perspectiva do ministro, o que coloca em causa o esforço de consolidação orçamental é uma interpretação, no seu entender, demasiado rígida do texto constitucional.

Penso que não valerá a pena recordar os compromissos políticos assumidos por este Governo e o seu primeiro-ministro perante o eleitorado, nem os desvios que voluntariamente introduziram no percurso que encetaram, convencidos de que uma outra receita não sufragada eleitoralmente seria melhor. Quer Passos Coelho quer os partidos da coligação sabiam que tinham de contar com uma governação dentro dos limites constitucionais para cumprirem o memorando. Porque governar fora desses limites, ou ignorando-os, não é próprio das democracias civilizadas nem de políticos sérios que pretendem governar em democracia. E se sabiam que não podiam fazê-lo sem alteração das regras constitucionais deviam logo tê-lo dito em vez de andarem a enganar os eleitores.

Até agora não houve, e isso prova-se pelas votações e o sentido de voto dos senhores juízes que compõem o TC, uma interpretação rígida do texto constitucional. Bem pelo contrário, como ainda agora se viu, o TC até se permitiu “dar uma no cravo e outra na ferradura”, admitindo que condições excepcionais justificavam a não retroactividade da decisão em relação a algumas quantias já arrecadadas. Este passo,  aliás, que salvo erro já tem antecedente, leva-me mesmo a pensar se o facto do PR se escudar na fiscalização sucessiva de normas que suscitam fundadas dúvidas de constitucionalidade, para não impedir a entrada em vigor do OE, sabendo que a decisão virá passados alguns meses, não constituirá um desvirtuamento ao exercício dos poderes que lhe foram conferidos e uma estratégia de protecção ao Governo, colocando o TC numa posição incómoda caso ele próprio PR optasse, aí sim, por uma interpretação rígida do texto constitucional e exercesse os respectivos poderes.

Ao contrário do que Pires de Lima sugere, o problema não está numa interpretação rígida da Constituição. O problema vem de há décadas e residiu desde sempre na forma displicente como sempre se encarou o cumprimento da lei, no modo como se flexibiliza o rigor jurídico, político e, antes disso, ético, às conveniências e oportunismos do momento. E não só na vida política mas também judiciária e na actuação de alguns órgãos da Administração Pública, designadamente em matéria fiscal.

A situação a que o País chegou não é o resultado de interpretações rigorosas da lei, de uma actuação cega da justiça, mas  o produto de um excesso de laxismo por parte dos actores do regime, de falta de empenho numa aplicação rigorosa dos princípios e de um abuso sistemático na obtenção de consensos pouco sérios entre as principais forças políticas, os lobbies empresariais e as corporações, relativamente a matérias sobre as quais o único consenso possível seria sobre uma vinculação aos princípios e uma aplicação rigorosa e oportuna da lei. A todos os níveis.

Por termos sido tão displicentes na interiorização ética da política, dos seus princípios e do sentido último da lei é que agora estamos confrontados com uma situação em que o Governo e a AR passam pela vergonha de fazerem a triste figura de, não tendo sequer legitimidade para tal, quererem suscitar junto do TC pedidos de aclaração de matérias cristalinas e que nada têm a aclarar, ponto sobre o qual, com o conhecimento e a autoridade que lhes é reconhecida, quer Luís Menezes Leitão, quer o Juiz-Desembargador Eurico Reis, já explicaram de forma clara e isenta que se trata de uma impossibilidade legal criada pela própria ministra da Justiça do actual Governo.

Bastaria ter tido um pouco de cuidado na forma como as coisas não deviam ter sido feitas, para não se estar perante mais um problema de difícil resolução, cujos custos serão de novo suportados por todos. Vir agora dizer que os portugueses não suportam mais impostos e queixas manifestamente infundamentadas de interpretações rígidas da lei fundamental, uma vez mais, surgem como desculpa de quem pouco se preocupou em cumprir com a sua palavra, postergada em prol de uma agenda que só eles conheciam e que iam preenchendo à medida que os problemas surgiam.

O preconceito, a "chico-espertice", a teimosia adolescente, e, em especial, a cegueira ética, jurídica e ideológica nunca poderiam dar bons resultados. A democracia volta a demonstrá-lo.

O Tribunal Constitucional deixou as coisas muito claras

Rui Rocha, 01.06.14

A propósito de uma bancarrota existe apenas uma única questão fundamental: a de saber quem a paga. Os credores, os detentores de depósitos (como no Chipre), os funcionários públicos, os contribuintes? Afastada pelos próprios a possibilidade de os credores suportarem voluntariamente os prejuízos, restava no caso português encontrar a regra de repartição interna. As sucessivas decisões do Tribunal Constitucional nesta matéria tornaram o cenário muito claro. A bancarrota portuguesa será paga pelos contribuintes até ao limite das suas possibilidades. O Tribunal Constitucional estriba as suas decisões no princípio da igualdade e na "doutrina" da repartição equitativa de sacrifícios. Ora, o princípio da igualdade tem por natureza formulação ampla e aplicação simples nas situações em que o que está em causa é a igualdade à chegada medida de forma objectiva. Luís por ser branco não pode ser impedido de aceder a uma função, da mesma forma que Maria por ser negra não pode igualmente ser impedida de o fazer. Todavia, quando estamos a falar da repartição de sacrifícios temos tudo menos uma situação objectiva. Não é possível, a este propósito, isolar variáveis. Estavam os funcionários públicos no início da crise em situação idêntica à dos trabalhadores do sector privado? Quanto vale a estabilidade da relação contratual de natureza pública? Quanto custa o desemprego aos privados? Nestes casos, o princípio da igualdade leva lá dentro o que quisermos por-lhe. E a "doutrina" da repartição equitativa leva-nos onde quisermos chegar. É evidente, pois, que não estamos perante a interpretação e aplicação jurídicas de normas, mas de opções ideológicas e políticas. E que a situação não se alterará por via de revisão constitucional pois em qualquer constituição figurará sempre um princípio de igualdade que será impossível densificar de tal forma que o critério da repartição fique definitivamente claro. Deste modo, e perante partidos do arco da governação incpazes de levarem a cabo uma reforma efectiva do aparelho do estado, aqueles que entendem que os funcionários públicos deveriam suportar a parte de leão da bancarrota do seu empregador só têm uma de três opções: conformarem-se, perpetrar um golpe de estado ou porem-se a andar daqui para fora.

Obrigada TC

Patrícia Reis, 19.02.14

Tribunal Constitucional chumbou o putativo referendo relativo à co-adopção. Tenho um casal amigo, gay, que adoptou um miúdo maravilhoso. Interrogo-me se os meninos da jota do psd pensavam que, com o referendo, estas crianças entregues a casais gays seriam devolvidas, tipo objecto da Fnac. Nestes tempos tão estúpidos, haja algum bom senso.

Oportunismos desavergonhados

Sérgio de Almeida Correia, 03.01.14

"O ministro recordou que o Tribunal Constitucional deixou claro que não é inconstitucional reduzir as pensões em pagamento, destacando que medidas deste tipo têm de ocorrer em todo o sistema" - Rádio Renascença, 02/01/2014

 

Fazer apelo ao Tribunal Constitucional nas actuais circunstâncias para justificar a sua própria incapacidade de redução do défice pelo lado da despesa não é de espantar quando se comportam perante os pensionistas, os reformados e os funcionários públicos como verdadeiros gangsters. Como aqui escrevi, ao primeiro obstáculo malham neles. E ao segundo e ao terceiro também. Porque a esses já lhes tiraram a voz. Até podia não ser inconstitucional, mas antes disso já seria tremendamente imoral.

O que seria de nós sem o TC?

José António Abreu, 20.12.13

Sem protecção constitucional da despesa pública, a Irlanda viu a economia crescer 1,5% no terceiro trimestre. Portugal terá provavelmente mais um aumento de impostos.

 

(O qual – e se isto diz imenso sobre o país que somos, diz ainda mais sobre o país que nunca fomos nem nunca seremos – causará incomparavelmente menos polémica do que quaisquer cortes, para além de zero suspeitas de inconstitucionalidade.)

Enquanto se discute esse tema candente do enquadramento das curvas das senhoras advogadas nos regulamentos

Sérgio de Almeida Correia, 20.12.13

"A decisão do Tribunal Constitucional (TC) foi a esperada. A sua unanimidade é, só por si, esclarecedora. O Governo apostou, de novo, no risco dos limites constitucionais e desvalorizou princípios essenciais do Estado de direito que existem antes e acima dos credores. A convergência das regras da Segurança Social (SS) e da Caixa das Aposentações (CGA) é correcta. Mas o executivo foi demasiado longe com a retrospectividade do cálculo de pensões já formadas. O défice não se resolve com o excesso. Portugal não é uma república das bananas nem das laranjas." - Bagão Félix, Público, 20/12/2013

 

Estas linhas de Bagão Félix sintetizam, no essencial, o problema e a razão do unânime chumbo. Dir-se-ia que a unanimidade nunca foi tão democrática, pois que, inclusivamente, permitiu que as conselheiras Fátima Mata-Mouros, indicada pelo CDS, e Maria José Rangel Mesquita, indicada pelo PSD, apresentassem declarações de voto* sublinhando a flagrante violação do princípio da proporcionalidade. E nem mesmo o presidente do TC se esqueceu de referir, a pedido dos jornalistas, que "nenhum tribunal digno desse nome aprecia uma norma sem levar em conta o contexto". Para depois não virem acusar o TC de insensibilidade, falta de apoio ao Governo e outros disparates do mesmo jaez.

Mais do que um chumbo e dos problemas que continuarão por resolver face à incompetência e impreparação de Passos Coelho e dos jotinhas que aquele colocou em lugares-chave do poder - no que em nada se distinguiu do seu antecessor, como múltiplas vezes avisei neste mesmo espaço há mais de dois anos -, mas também graças à falta de coragem do Presidente da República em tomar decisões nos momentos oportunos, optando sempre por deixar correr o marfim a ver se escapava incólume para a Coelha, enquanto o País continuava a afundar-se "para além da troika", a decisão ontem conhecida confirma que o TC está onde sempre esteve, independentemente de se saber quem indicou quem. Esta é uma boa notícia.

Os portugueses podem continuar a contar com o TC. Contudo, seria bom que os portugueses também compreendessem que não é ao TC que compete reformar as instituições, reformar os partidos políticos, reformar a classe política e os modelos de formação, recrutamento e selecção do pessoal político. Estas são tarefas que competem única e exclusivamente aos portugueses e que apelam a uma maior participação e envolvimento nas instituições que detêm o exclusivo da representação política no nosso sistema constitucional: os partidos. Por isso, se quiserem mudar alguma coisa, só têm um caminho e este passa por se inscreverem nos partidos, formarem novos partidos, se entenderem fazê-lo, participarem na formação das decisões, correrem com a malta que tomou conta dos partidos e começarem tudo do princípio preparando, agora sim, o pós-troika. Se necessário acabando de uma vez por todas com as "jotas" e integrando todos os que queiram participar e tenham mais de 18 anos nos próprios partidos.

Momento mais oportuno será difícil voltarem a ter. Oxalá tenham aprendido alguma coisa com o passado e com o que estão a passar.

 

* - Corrigido após oportuno reparo de um leitor

A propósito de mais um chumbo

Sérgio de Almeida Correia, 20.12.13

Vá-se lá saber porquê..., mas depois da notícia do acórdão do Tribunal Constitucional, de ouvir falar em mais uma remodelação do (des)Governo da nação, e ao pensar na enrascada em que se meteram Cavaco Silva, Passos Coelho, Miss "Swaps" e os rosalinos, só me veio à memória o grande O'Neill:

 

"Se encontrarem o camionista,

não receiem, por favor,

que ele não é nenhum bombista...

Tirem-lhe a carta e a crista

e tratem-no com rigor"

O padrão

José António Abreu, 09.09.13

Se a coerência é uma virtude, as decisões do Tribunal Constitucional são dignas dos maiores elogios. Para além de previsíveis: tendem sempre a reforçar o status quo.

 

(Compreende-se, de resto: em grande medida, o status quo nasceu da Constituição e, por esquecimento, excesso de optimismo ou interesses próprios, nem mesmo nas revisões pós-euro alguém considerou importante prever a hipótese de ele se tornar insustentável. Pelo contrário: quando Passos Coelho, essa criatura acéfala, abordou o assunto ao chegar à liderança do PSD, foi crucificado não apenas por comunistas e bloquistas, para quem a iniciativa individual continua anátema e o Estado o paradigma da bondade e da eficiência, não apenas por socialistas, a quem, após anos de conluio com banqueiros, construtores civis e empresários dos sectores na moda, dava jeito uma viragem à esquerda, mas por vultos do seu próprio partido.)

Responsabilidade política

André Couto, 09.09.13

Não vou cuspir no Tribunal Constitucional por discordar da interpretação da Lei de Limitação de Mandatos. Aqueles Juízes e Juízas têm dado provas de isenção nos seus acórdãos, não cedendo às inqualificáveis pressões a que têm sido sujeitos. A culpa é, antes, do legislador, neste caso especialmente ordinário, e dos políticos que se mantiveram passivos, aguardando pelo confortável desfecho que já todos conhecíamos.
Cumpre agora ao Povo mostrar-se indignado responsabilizando politicamente quem persistiu nesta fraude. Estou convicto que nos últimos quatro anos o País mudou, as pessoas despertaram, viram uma vida fora dos partidos e daquilo que eles têm tido de pior. Novas formas de acção directa pacífica foram utilizadas, grupos de interesses formados e manifestações gigantes concretizadas. As Pessoas começaram a ganhar uma voz que será cada vez mais ouvida, assim não afrouxe. A penalização nas urnas daqueles que beneficiarão da desilusão dos que achavam que estas eram as eleições da renovação tem de ser uma realidade. É uma prova de maturidade democrática que não pode falhar.

Um dia importante para a jurisprudência portuguesa

Pedro Correia, 05.09.13

 

Esta é uma noite política com dois derrotados, insólitos aliados numa causa perdida. Refiro-me ao Movimento Revolução Branca (que raio de nome!) e ao Bloco de Esquerda, que durante meses acorreram aos tribunais para impugnar candidaturas autárquicas dos quatro maiores partidos parlamentares sob a insólita alegação de que a lei de delimitação de mandatos impedia as candidaturas não apenas nos municípios e freguesias onde os autarcas já tinham desempenhado três mandatos consecutivos mas em qualquer outra parcela do território nacional.

Como os leitores mais atentos estarão lembrados, nunca tive a menor dúvida de que o Tribunal Constitucional se pronunciaria em sentido oposto, deliberando que não havia qualquer impedimento nas candidaturas autárquicas que o BE e o MRB tentaram inviabilizar em municípios tão importantes como Lisboa, Porto, Aveiro, Évora, Beja, Guarda, Oeiras, Loures, Tavira e Alcácer do Sal. Porque toda a jurisprudência emanada do Palácio Ratton - como não podia deixar de ser - considera que, à luz da nossa Constituição, não pode haver restrições de direitos sem menção expressa no texto legal. E seria isso que sucederia caso vingasse a tese proibicionista do Bloco - único partido parlamentar que defendeu a aplicação da limitação de mandatos autárquicos para além do limite territorial correspondente a uma determinada câmara municipal ou uma determinada freguesia.

Esta tese tão extravagante de um partido sem qualquer implantação no terreno autárquico, de resto, só começou a ser suscitada há cerca de um ano, quando soaram as primeiras objecções públicas à candidatura de Luís Filipe Menezes à câmara do Porto, por iniciativa dos seus adversários no PSD, aliados objectivos do Bloco no entendimento de que a lei tinha uma limitação funcional e não apenas territorial. Nos sete anos anteriores, ninguém pusera em causa o âmbito da aplicação da lei de 2005, que nunca teve qualquer pretensão de condicionar candidaturas fora dos perímetros de câmaras e freguesias onde já tinham sido desempenhados os mandatos.

Quem tiver dúvidas, pode ler o que aqui escreveu o deputado do CDS José Ribeiro e Castro, que acompanhou de perto a génese do diploma.

 

Apesar de toda a poeira mediática e blogosférica, nunca a tese dos bloquistas e dos "cavaleiros brancos" me pareceu ter pernas para andar. "Os juízes do Palácio Ratton desautorizarão todas as restrições de direitos que os tribunais comuns possam pretender impor, à margem da letra e do espírito da nossa lei fundamental", escrevi aqui a 21 de Março. "Não tenho dúvidas: o Tribunal Constitucional considerará improcedentes as participações. Porque não pode haver limitação de direitos políticos recorrendo a interpretações extensivas da letra da lei. Este é um princípio basilar do nosso ordenamento jurídico-político", reiterei a 19 de Abril. Porque, no fundo, se tratava de uma questão de direitos fundamentais - o direito a eleger e o direito a ser eleito, que não podem sofrer restrições por via da lei ordinária sem autorização prévia da Constituição da República, como acentuei a 21 de Junho.

É, portanto, sem surpresa que acabo de receber a notícia de que o Tribunal Constitucional - por seis votos contra apenas um - autoriza expressamente a candidatura de autarcas que já desempenharam três ou mais mandatos noutras câmaras municipais ou juntas de freguesia. Os sociais-democratas Luís Filipe Menezes e Fernando Seara são portanto livres de concorrer ao Porto e a Lisboa, os comunistas Carlos Pinto de Sá e João Rocha não têm qualquer impedimento legal em concorrer a Évora e Beja, e o socialista Jorge Pulido Valente obtém luz verde para se candidatar também a Beja. Destaco todos estes - entre vários outros - porque, ao contrário do que alguns supunham, o PSD não era o único partido visado na onda de impugnações que o BE e os "cavaleiros brancos" desencadearam.

É um dia importante para a defesa dos direitos políticos em Portugal. E um motivo de reflexão para todos os juízes dos tribunais comuns - este, por exemplo - hoje desautorizados pelo Palácio Ratton após terem emitido sentenças em que permitiam a restrição daqueles direitos. Sem fundamento constitucional, como agora se vê.

 

Leitura complementar: Assunto encerrado, de Vital Moreira

CDTSPDERP

José António Abreu, 30.08.13

1. Das duas, uma: ou os juízes do Tribunal Constitucional não sabem interpretar a Constituição, o que, sendo grave, até um pouco assustador, a gente acaba por entender (incompetência é o que há mais por aí), ou a Constituição deveria deixar de chamar-se «da República Portuguesa» e passar a chamar-se «dos Direitos dos Trabalhadores do Sector Público e dos Dependentes do Estado da República Portuguesa», por ser cada vez mais claro não se destinar a proteger os direitos dos restantes.

 

2. «Espero que esta leitura do Tribunal Constitucional do princípio da protecção da confiança não tenha sido tão estreita que no futuro não se possa alterar nada no Estado”, referiu Passos Coelho. Caso contrário, “o Estado só conseguiria financiar-se à custa de impostos e eu não acredito que o país consiga suportar mais impostos para resolver um problema do Estado». Passos Coelho tem razão. Mas ter razão é inútil. Por força da Constituição ou dos juízes do TC (na prática, a distinção é irrelevante), qualquer governo (mesmo este, tão frequentemente apodado de liberal) pode apenas seguir um programa. Mais privatização, menos privatização, é um programa socialista. Tão socialista que, neste momento de crise, o PS aplaude por tacticismo enquanto o BE e o PC aplaudem por convicção.

 

3. Ouve-se frequentemente dizer, em tom de lamento, que PSD e PS são iguais. Claro que sim. Nem quando o desejam podem ser diferentes.

 

4. No fundo, o sonho de Cavaco está a concretizar-se: há uma única via – só não está a ser definida por ele, nem por acordo entre os partidos, mas pelos juízes do TC. Ironia deliciosa é a aplicação caber aos partidos a que teoricamente menos agrada.

 

5. O que suscita a questão: em 2015, PSD e CDS devem ser julgados pelo fizeram ou pelo que tentaram fazer?

 

6. Sendo que a pergunta fulcral talvez seja outra: para que servem as eleições quando a ideologia está constitucionalmente fixada?

E se fossem sempre sete em vez de treze?

Pedro Correia, 24.08.13

Segundo o Expresso de hoje, o Tribunal Constitucional prepara-se para duas semanas de frenética actividade com apenas metade (mais um) dos seus membros em plenitude de funções. Nem o facto de o Palácio Ratton estar a ser inundado de pedidos de impugnação de candidaturas às eleições autárquicas de 29 de Setembro, tanto a nível de câmaras municipais como de juntas de freguesia, e dos recursos das decisões já tomadas por tribunais de primeira instância pró ou contra as referidas candidaturas levou Suas Excelências a abdicar do tradicional período de férias, fixado anualmente de 15 de Agosto a 14 de Setembro, quer chova quer faça sol.

Cabendo decisões tão importantes da nossa vida colectiva como o destino de candidaturas autárquicas em Lisboa, Porto, Aveiro, Évora, Beja, Oeiras e Loures, com reflexos directos no eventual desfecho eleitoral, cabe perguntar se este facto não devia bastar para alterar o programa de férias dos senhores magistrados do Constitucional, que auferem 6.130 euros mensais e cumprem um mandato de nove anos, não prorrogável, gozando das "garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade", conforme consigna a Constituição da República.

Nas próximas duas semanas, o Tribunal Constitucional terá também de pronunciar-se sobre outra questão muito polémica: o pedido de fiscalização preventiva oriundo da Presidência da República sobre o sistema de requalificação dos funcionários, que abre pela primeira vez a porta a despedimentos na administração pública. Nem isto fez alterar os costumes no Palácio Ratton. Segundo salienta o Expresso na notícia que faz manchete do semanário, estes revelantes assuntos de Estado, do qual depende o destino de centenas de milhares de portugueses, estão confiados ao escrutínio de apenas sete juízes, em vez dos 13 que compõem o órgão máximo de apreciação de leis em Portugal.

"Ou seja, bastam quatro juízes para fazer a maioria que decide o destino de milhares de trabalhadores. O mesmo 'piquete' de turno vai ainda decidir sobre a eligibilidade de 11 candidatos a presidentes de câmara", lê-se na notícia, assinada pela jornalista Rosa Pedroso Lima.

Se basta uma frágil maioria de quatro contra três para fixar doutrina jurídica tão decisiva ao longo deste mês com uma agenda preenchidíssima, cabe perguntar se o Tribunal Constitucional não poderia funcionar o ano inteiro com apenas sete juízes. Sempre seria possível poupar algumas "gorduras do estado" neste país em crise.

 

Leitura complementar: Férias judiciais no Tribunal Constitucional, do Luís Menezes Leitão.

"Brancas" jogam e perdem

Pedro Correia, 31.07.13

Nunca tive a menor dúvida sobre a orientação do Tribunal Constitucional relativamente à questão das candidaturas autárquicas. Para mim, portanto, a decisão dos juízes do Palácio Ratton - hoje anunciada - relativamente à candidatura de Fernando Seara em Lisboa não constituiu surpresa. Vem na sequência de várias outras, emanadas dos tribunais comuns. Já tinha ocorrido em Évora, Loures, Tavira, Aveiro, Alcácer do Sal, Beja e Guarda. Com derrotas claras do auto-proclamado Movimento Revolução Branca (que raio de nome...) encabeçado por um ex-mandatário de Narciso Miranda. Alguém que só ganhou alergia aos chamados "dinossauros" do poder local depois de ter sido ferrenho adepto do tiranossaurus rex de Matosinhos.

Como já referi aqui e aqui, não faz o menor sentido limitar direitos políticos consagrados na Constituição da República com interpretações extensivas da lei ordinária. A ausência da clarificação que a Assembleia da República deveria ter feito ao diploma que interdita mais de três mandatos consecutivos na mesma câmara municipal ou na mesma junta de freguesia foi um erro que não pode ser compensado com outro, de maior gravidade. A melhor doutrina jurídica ensina-nos que a compressão de um direito só é admissível com menção expressa na letra da lei, não invocando um seu putativo "espírito" à mercê de calendários políticos.

Os "revolucionários brancos" terão de arranjar muito em breve outra causa para se manterem à tona das ondas mediáticas. Esta tornou-se um "não-assunto", como bem lhe chamou Vital Moreira.

Um desastre anunciado.

Luís Menezes Leitão, 28.06.13

 

Sempre achei que a restrição da lei de limitação de mandatos era relativa à função e não ao território. Mas, mesmo que esta interpretação seja contestável, perante uma lei duvidosa a atitude mais prudente é considerar que vai vigorar a interpretação da lei mais contrária aos nossos interesses. É uma atitude que os práticos do direito costumam chamar de "jurisprudência das cautelas". Infelizmente o PSD não quis seguir essa prudência elementar e decidiu embarcar na aventura de candidatar às principais autarquias do país pessoas que se arriscavam a ver a sua candidatura rejeitada pelos Tribunais. Como seria de esperar, alguns Tribunais rejeitaram essas candidaturas, e declararam em providências cautelares Fernando Seara e Luís Filipe Menezes impedidos de concorrer. Esses autarcas, no entanto, insistiram em manter as suas campanhas, confiando que o Tribunal Constitucional os viesse salvar, posição que aliás alguns Tribunais também defenderam, considerando-se incompetentes para julgar a questão e remetendo a decisão para o Tribunal Constitucional.

 

Só que o Tribunal Constitucional acaba de lançar um balde de água fria sobre esta posição. Uma vez que não está em causa uma questão de constitucionalidade, mas de mera interpretação de uma lei, acaba de se declarar incompetente para decidir sobre o assunto, rejeitando o recurso que foi interposto. Fernando Seara e Luís Filipe Menezes perdem assim a esperança de ver revogadas as providências cautelares que os abrangeram e vêem as suas candidaturas naufragar ainda antes de se terem iniciado. Quanto aos outros candidatos, mesmo que não sejam abrangidos por providências, correm o risco de verem as suas candidaturas rejeitadas aquando da sua apresentação, podendo qualquer Tribunal decidir como entender, já que o Tribunal Constitucional não irá uniformizar a questão.

 

Tudo isto era mais que previsível e foi previsto pelo PS que, perante uma lei dúbia, não recandidatou nenhum autarca nessas condições. Continuo sem perceber que teimosia levou o PSD a embarcar numa aventura de que sairia sempre mal. Será mais importante atender aos interesses de recandidatura dos dinossauros autárquicos ou aos interesses de todo o partido em vencer as eleições autárquicas?

Os dinossauros apelam ao Constitucional.

Luís Menezes Leitão, 19.04.13

 

Conforme já me pronunciei várias vezes, parece-me claro que a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, proibe claramente este expediente de os autarcas quererem saltitar de concelho em concelho. Esta é a posição que está a fazer vencimento na jurisprudência e, se dúvidas houvesse, encontra-se aqui uma argumentação muito convicente de que a proibição é relativa à função e não ao território.

 

É por isso que acho muito bem as providências cautelares para evitar este desrespeito grosseiro da lei, seja quem for que as interponha. E é óbvio que as providências cautelares podem ser instauradas antes de as candidaturas serem formalizadas, bastando que sejam anunciadas. O que justifica a providência cautelar é o justo receio de que alguém venha a provocar uma lesão dos direitos alheios, não se exigindo a consumação da lesão. Se um devedor anunciar que vai fugir com os seus bens, qualquer tribunal autoriza um credor a interpor um procedimento cautelar a pedir o arresto dos mesmos. Da mesma forma é legítimo interpor uma providência cautelar se um autarca anunciar que se vai candidatar ao concelho vizinho, em clara contrariedade à lei, sabendo-se da enorme perturbação do processo eleitoral que isso vai causar.

 

Não deixa de ser, porém, curioso os dinossauros autárquicos esperarem que o Tribunal Constitucional os salve, perante a interpretação da lei que está a ser feita pelos Tribunais comuns. Não excluo que isso aconteça. sabendo-se da facilidade com que o Tribunal Constitucional decide contra o entendimento geral. Pelo menos 80% dos constitucionalistas deste país disseram que a CES era inconstitucional, mas o Tribunal Constitucional não viu na mesma qualquer problema. Mas o Tribunal Constitucional cobrir-se-á de ridículo se vier a permitir esta fraude à lei, em contrariedade à posição dos outros tribunais. A meu ver, o regime já está suficientemente descredibilizado para que aconteça uma situação deste tipo.

O que não conta

José António Abreu, 10.04.13

Verificar o nível de respeito que tantas almas, partidárias ou comentaristas, exigem pela decisão do Tribunal Constitucional, bem como as formas reclamadas, implícita ou explicitamente, para que tal respeito se manifeste (concordância, silêncio), gera em mim uma imensa ternura ou o mais profundo asco, consoante tenha acabado de ouvir uma bela música ou entalado o dedo numa gaveta. Neste país onde o sistema de Justiça merece integralmente a imagem que tem e, na sua acepção mais negativa, o próprio qualificativo de «sistema», apenas um tribunal me suscita verdadeiro respeito. Previsivelmente, levando em conta quem sou e o país onde me encontro, trata-se do mais irrelevante de todos, daquele cujas decisões podem ser e quase sempre foram ignoradas: o de Contas. Pelo menos lutou durante anos, contra tudo e contra todos, para evitar que falíssemos.

Igualdade

José António Abreu, 09.04.13

Artigo 13.º

Princípio da igualdade

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

 

Com base neste artigo, o Tribunal Constitucional determinou que os trabalhadores do Estado não podem ver o seu rendimento diminuído sem que tal suceda igualmente aos trabalhadores de entidades privadas. Pergunto: o inverso também se aplica?