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Três poemas
O que tenta ensaiar esta beleza
na sua violência prematura, nas linhas do seu submundo.
Observo-a como um guarda nocturno
numa fábrica de relógios, procuro-a
com uma fome que me isola de mim. E os vidros e as vidas
desta fábrica tornam-se um sequestro da mesma realidade
que entre o futuro e o futuro do futuro
espreita o cruzamento de todo o tempo.
Sob a estrela cadente o céu atravessa todos os nomes,
não sei se faz vento interior ou sobram átomos
de matérias que procuram a inutilidade das coisas.
Escuto uma lua de açúcar pela garganta das nuvens,
não estou do lado de fora da memorização da espera
e do eco soterrado de um pó evanescente.
Que membros húmidos recebem o hálito do caminho,
que vertigens sobre o torpor das janelas.
Sinto a eficácia mecânica das emoções,
cada sintonizador absorvendo os limites
de uma fissura de luz.
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O que se descreve é como cotovelos no parapeito,
pode ser tão sombrio
quanto uma interrogação em círculo,
tão viril quanto este caminho mau,
tão minucioso quanto esta perspectiva não infinita.
E onde começa o esquecimento
termina o que a ilha de sono denuncia,
o que o intervalo do vento alcança
quando descende do infindável
onde tudo é calmo e sereno.
E então, que te administrem menos memória,
a ti cujos olhos abrangem
um botão que te desperta do que pensas ver em voz alta,
do que se transforma como um eco
exactamente igual a ti.
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Talvez tenha faltado ao meu próprio encontro,
e na dor que persiste sinto naturalmente
os últimos suspiros do crepúsculo nos primeiros arrepios da madrugada,
um cutelo na memória, a porta que bate com estrondo,
um relógio com tentáculos,
por vezes estranhas figuras que nascem e desaparecem,
deixando as metamorfoses da sua ilusão e realidade.
Pois nesta dor que persiste sinto naturalmente
todos os cheiros do céu e dos astros, o canto de um galo,
apertos de mão numa fogueira extinta,
eixos de uma dúvida incapacitante.
Mas não me coibo de pensar o que seria de mim
se não tivesse faltado ao meu próprio encontro,
se não seria agora uma retórica feliz na praia,
uma estrela em movimento sobre o mar,
os pulmões de milhões de seres,
um rio escondido na extensão dos cabelos.